02 Mai 2011
Há 70 anos, no dia 7 de agosto de 1941, em Santiniketan, em Bengala, morria o místico Rabindranath Tagore, célebre poeta e guru, que havia nascido há 150 anos em Calcutá, no dia 6 maio de 1861.
O cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano, analisa alguns de seus escritos, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 01-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Recebi o meu convite para a festa deste mundo; a minha vida foi abençoada. Os meus olhos viram, meus ouvidos ouviram. Nessa festa, eu só tinha que tocar o meu instrumento musical: executei o melhor que pude a parte que me havia sido atribuída. Agora, pergunto-te, Senhor: chegou o momento de entrar e ver o teu rosto?".
Ele já estava no declínio da vida, quando Rabindranath Tagore (foto) escrevia essa espécie de testamento, convencido, no entanto, de que a morte não era um limiar escancarado sobre o abismo do nada, mas sim um portal aberto sobre o infinito e o eterno, para um encontro último e definitivo com Deus: "Lá, as velhas palavras morrem, e novas melodias surgem do coração, os velhos caminhos se perdem, e aparece um novo país maravilhoso".
Há 70 anos, no dia 7 de agosto de 1941, na cidadela do espírito por ele fundada em Santiniketan, em Bengala, morria esse célebre poeta e guru ou mestre espiritual, que havia nascido há 150 anos em Calcutá, no dia 6 maio de 1861.
Comemoramos esses dois aniversários certamente não com um perfil completo desse personagem muito popular também no Ocidente: na verdade, é quase impossível atravessar o oceano textual que ele deixou para trás, uma extensão de 150 mil linhas, 300 mil linhas de prosa, 3 mil cantos musicais, sem contar artigos e discursos. De fato, ele escreveu romances e contos, milhares de poemas, dramas e textos teatrais, ensaios de filosofia e de teologia, e até uma autobiografia.
Discípulo de uma comunidade teísta para a adoração de Deus (Brahma-Samaj), fundou por sua vez uma corrente místico-social, foi reformador agrário, original pedagogo, lutador político, criador de universidades, edificador de pontes entre Oriente e Ocidente, mensageiro incansável em viagem por todo o mundo. Também não é fácil coletar ideias temáticas dos seus versos, porque eles são uma florescência inesgotável de símbolos, imagens, intuições, emoções.
Às vezes ele se encaminha por percursos da altura da contemplação e da abstração; outras vezes desce para as ruas empoeiradas da tradição popular; não raramente cede à tentação da erudição e do estilo; frequentemente opta, ao contrário, pela transparência luminosa da essencialidade e da fulguração mística.
"Deus se cansa dos grandes reinos, jamais das pequenas flores", escrevia, evocando as teofanias silenciosas: "Hoje, ao longo dos caminhos ocultos, / através da selva sombria, / invisível a todos, / silencioso como a noite, tu vieste, Senhor...", assim cantava em uma de suas obras mais célebres, Gitanjali, de 1913-1914 (traduzida para o italiano como Canti di offerta, Ed. San Paolo, 1993).
Infelizmente, porém, o homem "afunda nas areias movediças do tédio... / entristecido em paredes estreitas, sem céu aberto... / perdido nas muitas estradas, / entre arranha-céus de coisas inúteis". E, ao invés, deveria se abandonar ao abraço divino, como ele invoca: "Deixa-me só aquele pouco com o qual eu possa te chamar de meu tudo. / Deixa-me só aquele pouco com o qual eu possa te sentir em todo lugar / e oferecer-te o meu amor a todo momento".
E o clima místico dessa "pequena cana de flauta", tocada por Deus – como Tagore gosta de se definir, ele que também era músico –, mais uma vez aflora em outra confissão de louvor: "Fizeste prisioneiro o meu coração / nas infinitas redes / do teu canto, ó meu Senhor".
No entanto, a sua religiosidade não se abstrai daquela cotidianidade que jorra de sofrimentos e injustiças. Muito citada é a oração, ainda da sua obra-prima Gitanjali, que soa assim no seu centro temático: "Dá-me a força, ó Senhor, de nunca renegar o pobre, / de não dobrar os joelhos diante da insolência dos poderosos". Exemplar é a parábola do aspirante a asceta que decide deixar a sua família pelo ermo e que se pergunta: "Quem me retém por tanto tempo na ilusão da vida familiar?". Deus lhe sussurra: Eu! "Mas o homem tinha os ouvidos fechados. Com seu bebê adormentado no peito, sua esposa dormia placidamente. O homem disse: `Quem és tu que me enganaste com os sentimentos?` Uma voz misteriosa murmurou: `Eles são Deus!` Mas ele não entendeu. Então, Deus mandou: `Para, tolo, não abandones a tua casa!` Mas o aspirante a asceta ainda não ouviu. Deus, então, tristemente, suspirando, disse: `Por que o meu servo me abadona para ir em busca de mim?`".
Tagore escrevia, de fato: "Eu sonhava que a vida fosse alegria. Despertei-me: a vida é serviço. Então, servi e, no serviço, encontrei a alegria". O encontro com o outro é fundamental para se reencontrar: "O nosso verdadeiro valor está em nós mesmos, mas está espalhado em todas as pessoas do mundo. Devemos caminhar para nos unir, senão não nos reencontraremos". Essa "encarnação" da fé fez com que o poeta se aproximasse de Cristo, muitas vezes evocado nas suas páginas a tal ponto que um estudioso seu, o missionário xaveriano Marino Rigon recolheu todos esses testemunhos cristológicos no livro Il Cristo secondo Tagore (Ed. Paoline, 1993). Escrevia: "Desde o dia em que Cristo ofereceu a sua vida imortal no cálice da morte para os desprezados e os esquecidos, passaram-se centenas de anos. Porém, ele hoje ainda desce das mansões imortais para as mortais. Vê o homem fustigado pelo pecado, atingido por flechas e lanças. Afiam-se lâminas, novas e mais terríveis armas de morte estão prontas para serem empunhadas pelas mãos do homem homicida. Cristo aperta as mãos no peito: ele entendeu que não acabou o momento perene da sua morte".
Eis a sua reflexão sobre a Encarnação: "Cristo suportou todas as injúrias das mãos do homem, e os seus sofrimentos ressoam na raiz do pecado humano. O Deus dos homens está dentro do homem. Opor-se a ele é pecado. Unir-se a ele é anular o pecado. Aquele grande Homem, oferecendo continuamente a sua vida, deu vida ao pequeno homem".
Começamos com um testamento ideal seu à beira da morte; concluamos com uma réplica temática retirada de uma outra célebre coleção sua, O Jardineiro (1913): "Paz, coração meu, que o tempo do adeus seja doce. / Que não seja morte, mas plenitude. / Que o amor se desfaça na recordação, e a dor, em canção... / Detenha-te por um instante, ó Belíssimo Fim, / e em silêncio dize-me as tuas últimas palavras".
Místico
A palavra mística deriva do grego mystikòs, que significa misterioso e define aquele que pratica o misticismo e/ou escreve obras de mística. Por misticismo, entende-se a atitude espiritual ou a doutrina religiosa ou filosófica com base na qual a íntima união com o divino, obtida com a ascese e a mediação interior, leva ao conhecimento perfeito.
Rabindranath Tagore nasceu em Calcutá no dia 6 de maio de 1861 e morreu em Santiniketan no dia 7 agosto de 1941. Personalidade multifacetada, foi escritor, poeta, dramaturgo e filósofo. Filho de um rico brâmane, ele estudou na Inglaterra para depois voltar para a Índia e se dedicar às artes e às suas terras. Com as suas obras, ele buscou servir de ponte entre a cultura oriental e a ocidental.
Em 1913, a Academia da Suécia entregou-lhe o Prêmio Nobel de Literatura. Tagore foi traduzido para praticamente todas as línguas europeias. Além das artes, empenhou-se na construção de estradas, hospitais e até de uma escola, que hoje é universidade.
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Tagore, uma voz nas mãos de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU