27 Abril 2011
Falar com Clive Stafford Smith é perder-se no mar de números e referências com que os militares norte-americanos identificaram os 756 presos que, desde janeiro de 2002, passaram pela prisão de Guantánamo. O diretor da Reprieve, organização britânica que se encarregou da defesa legal de dezenas de presos, conhece seus casos de cor.
Alegra-se com o fato de que os chamados papéis de Guantánamo tenham sido tornados públicos. Na sua opinião, mostram como militares sem experiência fabricaram evidências onde não havia, para justificar a prisão e a transferência de centenas de prisioneiros no marco da chamada “guerra contra o terror” que a Casa Branca declarou após o 11 de setembro de 2001. Mas também chama a atenção para o fato de que o que consta nas fichas secretas é apenas a ponta do iceberg, que o que ali ocorre “é cem vezes pior”; 15 clientes ainda estão atrás das grades.
A reportagem é de Ana Carbajosa e está publicada no El País, 26-06-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Que lições podemos extrair dos papéis de Guantánamo?
Os documentos são apenas 1% dos existentes, mas de alguma maneira são uma espécie de filtro dos piores procedimentos. Neles se veem os abusos praticados contra os prisioneiros, a falta de confiabilidade dos testemunhos e o ‘naïf’ que são os militares norte-americanos. As supostas evidências de que falam são falsas. Se comparamos o conteúdo dos papéis com a sentença dos julgamentos federais norte-americanos, fica claro que utilizam fontes nada confiáveis e completamente inúteis. Basta ver o caso de Mohamed el Gharani. A pessoa que o delatou disse que fazia parte da chamada célula de Londres. Mas o rapaz tinha 11 na época em que se supõe que preparava atentados e nunca havia estado no Reino Unido!
Por que acredita que os papéis são um filtro do pior?
Porque os documentos são um lixo quanto à sua confiabilidade. Dos 756 presos inicialmente, 584 foram libertados porque não são considerados uma ameaça para a segurança dos Estados Unidos. Nos países, contudo, se diz que são sujeitos perigosos. Como advogado, tive acesso a 5.000 folhas de documentos de milhares de clientes e posso lhe assegurar que o 1% que agora conhecemos são um exemplo da fabricação de evidências.
As fichas secretas descrevem dezenas de detidos com doenças psiquiátricas. Na sua opinião, são um reflexo do estado dos prisioneiros dentro da penitenciária?
A maioria dos doentes mentais não aparece nas fichas. Há muitíssimos outros casos. Conhecemos muitos casos de doentes graves que nos papéis são considerados sãos. Dos 172 que permanecem, mais da metade sofre algum tipo de doença. Os que estavam doentes quando chegaram pioraram e os que estavam sãos ao chegar, ficaram doentes. A verdade de Guantánamo é 100 vezes pior do que aparece nas fichas do Wikileaks. É pior quanto a abusos e a evidências. Mesmo assim, creio que seja positivo que tenham vindo à tona.
Acredita que a filtragem contribuirá para acelerar o fechamento de Guantánamo?
Acredito que vai ser um processo longo. Os republicanos utilizam a questão de Guantánamo para dividir e para prejudicar a imagem de Obama.
Pensa que as revelações abrem a porta para novas ações legais para pedir compensações?
Há documentos que falam sobre o envolvimento britânico. Isso abre a porta para novas demandas no Reino Unido.
E nos Estados Unidos?
Ali é muito difícil. A justiça é muito enviesada. Não creio que possamos ganhar muitos casos nos Estados Unidos.
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"A verdade de Guantánamo é cem vezes pior’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU