26 Abril 2011
"A história está marcada pela presença de minorias proféticas que quebram o equilíbrio social pré-existente, rasgam o véu - para usar uma expressão mais forte - fazendo entrever aos outros que é possível tomar uma direção diferente."
Essa é a opinião do economista italiano Stefano Zamagni, professor de economia da Universidade de Bolonha, na Itália, e professor adjunto de economia política internacional da sede italiana da Johns Hopkins University. Nesta entrevista, publicada no sítio EdC Online, 08-03-2011, Zamagni analisa algumas experiências econômicas alternativas, como a escola de pensamento franciscana, o "ora et labora" de São Bento e, mais atualmente, a Economia de Comunhão.
No próximo dia 30 de maio, Zamagni estará presente no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, para um debate sobre alternativas econômicas eticamente reguladas. Sua conferência Economia de Comunhão e outras formas de Economia Social: Limites, Possibilidades e Perspectivas irá ocorrer das 19h30 às 22h, no Auditório Central da Unisinos, com entrada gratuita.
Eis a entrevista.
Professor Zamagni, no dia 29 de maio a Economia de Comunhão completa 20 anos. O senhor foi e continua a ser um dos seus apreciadores mais convictos. Lembra-se em que circunstância ouviu falar, pela primeira vez, da Economia de Comunhão?
Ouvi falar da Economia de Comunhão durante uma entrevista que o Luigino Bruni me veio fazer, quando ainda era um jovem estudante que se preparava para fazer o doutoramento. Foi nessa circunstância que me referiu esta expressão que, no início, me surpreendeu bastante. Mas eu comecei a tomar seriamente em consideração este projeto e tudo aquilo que lhe está na origem quando, num encontro com Chiara Lubich, tive a clara percepção de estar diante de uma pessoa que era não só inspirada (existem muitas, também hoje...) mas profética.
Impressionou-me profundamente ouvir alguém que, não sendo economista, falava com ingenuidade - aquela da criança de que fala o Evangelho - da possibilidade de fazer surgir um modelo como é o da Economia de Comunhão.
Impressionou-me muito mais do que se a apresentação daquele projeto me tivesse sido feita por um perito de questões económicas. Então refleti sobre o significado profundo desta experiência e, se não estou em erro, o meu pequeno contributo sobre este tema remonta a 1998-1999, ou seja, a um pouco menos da metade dos 20 anos já percorridos pela Economia de Comunhão.
Acha que a Economia de Comunhão pode realmente representar uma esperança no atual mundo económico em crise? Se sim, porquê?
A Economia de Comunhão é um exemplo - não certamente único, mas de grande peso - daquilo que, na Teoria dos Jogos, nós chamamos minorias proféticas. Nas nossas teorias dos jogos evolutivos, demonstra-se que para atingir determinados objetivos de civilização e de progresso moral (além do económico), é sempre preciso que exista uma minoria, em sentido numérico, que faz o papel de catalisador e de indicador do objetivo final para o qual tender. Quando esta minoria profética satisfaz certas condições no seu próprio agir, a sua mensagem é recebida pelos outros e produz aquela transformação lenta mas gradual no tempo,que leva a um avanço da sociedade.
Foi isso que aconteceu no século XV quando, num contexto completamente diferente do atual, a escola de pensamento franciscana desenvolveu uma função análoga. Naquela altura também os franciscanos foram uma minoria profética e sabemos bem o que depois daí adveio. Mas, ainda antes, e se formos para trás no tempo, verificamos que se pode dizer o mesmo do movimento beneditino. Quando São Bento propõe o "ora et labora", foram muito poucos os que conseguiram entender e apreciar aquela expressão. Muitos não a entenderam de todo, no entanto, depois de algumas décadas, o movimento beneditino tinha invadido toda a Europa, provocando aquela nova aurora que todos bem conhecemos.
A história está marcada pela presença de minorias proféticas que quebram o equilíbrio social pré-existente, rasgam o véu - para usar uma expressão mais forte - fazendo entrever aos outros que é possível tomar uma direção diferente. Quem diz que "as empresas de Economia de Comunhão não mudarão o mundo porque são poucas", diz um disparate. As empresas de Economia de Comunhão devem ser poucas, mal seria se se tornassem a maioria, porque a sua função não se prende com a quantidade, mas com a capacidade de indicar, também aos outros, até aos não crentes, um caminho diferente no fazer economia.
Assim aconteceu com os franciscanos que, na altura, não tiveram a pretensão que todos os empresários se tornassem franciscanos e aceitassem a regra. No entanto, se não tivesse existido aquele núcleo, não teria surgido nem o humanismo civil, nem o renascimento. Hoje, a Economia de Comunhão tem uma função análoga. Ou seja, mais do que se preocupar em alargar a quantidade, é melhor ocupar-se da qualidade, ou seja, de aumentar a capacidade profética que os empresários exprimem.
Sei que irá participar na jornada conclusiva do evento Brasil 2011. Falamos de alguns aspetos dos 20 anos passados. Gostaria de dizer uma palavra para os próximos 20? Que objetivos propôr para daqui até 2031?
Acho que se deve ter em consideração a metáfora de Platão dos dois cavalos. Diz Platão: "o sulco sairá direito se os dois cavalos que puxam o arado, andarem à mesma velocidade". À Economia de Comunhão, eu diria: preocupem-se em fazer com que os dois cavalos andem à mesma velocidade e próximos um do outro. Os dois cavalos são: por um lado aquilo que em termos económicos representa a eficiência, ou seja, a capacidade de estar dentro do mercado sem subvenções; o outro cavalo representa a fraternidade, ou seja, a tradução no agir económico do princípio da reciprocidade.
Se a Economia de Comunhão consegue fazer com que "os dois cavalos" estejam juntos, então o jogo funciona, ou seja, ela torna-se uma minoria profética e os resultados estão garantidos. Se, pelo contrário, se impulsiona o cavalo da eficiência e se dá algum desconto ao cavalo da fraternidade, cai-se no eficientismo e alguém dirá: "para que é que precisamos disto?".
Mas é verdade também o contrário, ou seja, se se impulsiona só o cavalo da fraternidade, deixando para trás aquele da eficiência, não se vai igualmente para a frente. Estas empresas que operam dentro do mercado precisam de ser autónomas, seja do ponto de vista estratégico, seja financeiro. A partir do momento em que estas empresas se põem a jogar à defesa para poderem progredir, ou se submetem às exigências de terceiros, perdem a própria força profética e deixam de cumprir o seu objetivo. É preciso ponderar bem esta máxima platónica. Platão sabia bem o que estava dizendo.
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Minorias econômicas proféticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU