04 Abril 2011
Antoni Gurguí (Barcelona, 1953) é um dos cinco membros do Conselho de Segurança Nuclear (CSN). Este engenheiro industrial especialista em energia nuclear foi o representante espanhol na reunião da Finlândia na qual se chegou a acordos sobre testes de resistência das usinas nucleares. Chegou ao cargo por indicação da CiU e dá mostras de independência. Na sexta-feira, durante uma hora, discorreu sobre a situação em Fukushima e a repercussão na indústria nuclear.
A entrevista é de Rafael Méndez e está publicada no El País, 04-04-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Há um mês não teria sido possível imaginar um acidente com essas proporções. O que aconteceu?
Farei uma comparação: no mundo nuclear tudo estava previsto para ganhar a loteria. Também para ganhar a Primitiva [espécie de loteria existente na Espanha]. O que não estava previsto era que se ganhasse no mesmo dia a loteria e a Primitiva. Parecia exagerado, mas se viu que não é. Alguém dirá que era previsível. Nesse caso, se pode prever um terremoto, um tsunami e um ato terrorista ao mesmo tempo.
Na costa japonesa há mais probabilidade de ganhar a loteria em forma de terremoto.
Sim. E havia previsão para o terremoto, mas não tão alto. E estava previsto o tsunami, mas também não tão forte. Isto obriga a rever certas coisas. Não jogar apenas com probabilidades, mas que se algo tiver uma probabilidade mínima é preciso levar em consideração.
Houve um terremoto e um tsunami, mas o que aconteceu é que Fukushima ficou sem fornecimento elétrico.
Sabia-se perfeitamente que se se ficasse sem fornecimento de energia se entrava em uma zona de problemas. Por isso não há um grupo eletrógeno, mas três. E há baterias. E tudo se demonstrou insuficiente. Temos que reconsiderar tudo, contar com o fato de que há cisnes negros, que supostamente não existem.
Assume que poderia ter acontecido em qualquer país. Poderia ser o caso de que Fukushima tivesse sido mal projetada e que não se deve extrapolar o que ali aconteceu para o resto do mundo?
Oxalá fosse um problema estrutural. Em Harrisburg, foi um erro de operação e o diagnóstico foi fácil. Em Chernobil não. Fukushima nos coloca em um terreno desconhecido, que é superar as bases do desenho da central. Como não está claro que estivesse mal projetada devemos supor que estava bem.
Quando se considera tudo o que pode acontecer, inclusive ataques terroristas, seria preciso fechar as nucleares.
Claro que poderíamos chegar a uma situação em que a energia nuclear se mostrasse inviável. Se você quer prever até a queda de um meteorito não pode construir um reator nuclear. No mundo nuclear temos que aceitar um plus de irracionalidade: as pessoas aceitam milhares de mortes pelo carvão, mas nenhum pela radiação.
Em Fukushima há 120.000 deslocados.
É horrível, mas não é nada comparado com os 20.000 mortos pelo tsunami. Na China, milhões de pessoas perderam suas casas para construir a hidrelétrica de Três Gargantas.
Você disse que a energia nuclear poderia se tornar inviável.
É o que temos que ver. Mas creio que é possível incorporar as lições aprendidas de Fukushima sem que os custos tornem a energia nuclear inviável.
Afetará as centrais espanholas?
Todas as nucleares do mundo. Seria muito fácil dizer que aqui não há terremotos dessa magnitude nem tsunamis. Mas seria irresponsável não analisar o que aconteceu e introduzir melhorias.
Como serão os testes de resistência?
A terminologia se fez por semelhança com o setor bancário, mas é infeliz. Não vamos submeter os reatores a uma agitação para ver se aguentam um terremoto. Trata-se de reavaliar as margens diante de fenômenos similares aos de Fukushima. Não um tsunami em Garoña, em Burgos, mas ver o que aconteceria com um terremoto superior ao da base de desenho capaz de romper uma represa de água.
As nucleares espanholas serão aprovadas?
Creio que sim, mas fazendo investimentos. Sim, se fizeram reformas. Me custa imaginar que uma instalação saia perfeita. Não é só a central, mas a capacidade de suporte externo, de água e eletricidade. Entendo a pressão, mas este é um processo lento. O livro de lições de Fukushima estará terminado apenas dentro de alguns anos.
Vão revisar também a segurança contra ataques terroristas.
Seria lógico que se incluísse temas de segurança física, mas é uma decisão que ainda deve ser adotada formalmente.
Há dois anos, o CSN disse que Garoña poderia ter uma vida útil de 10 anos. Seria difícil dizer agora que não passa pelos testes.
É um cenário possível. Como também, que se imponham a Garoña determinadas obras e a empresa não as veja justificadas se tiver que fechar dentro de um ano. Não excluo que algumas obras possam ser importantes, modificações maiores das centrais.
Como foi a relação com o OIEA? Recebeu críticas por informar com atraso.
Nos primeiros dias, houve informação múltipla, confusa e escassa. Isto se deveu ao fato de que o sistema era insuficiente ou ao fato de que a situação era a que era? Teremos tempo para ver.
O Japão segue qualificando o acidente como nível 5 (em uma escala de 0 a 7) e os especialistas dizem que é nível 6.
Eu disse no primeiro dia que era pior que Harrisburg e melhor que Chernobil, que é outra forma de dizer que é um nível 6. Também não acredito que o número seja tão importante. Não se vai salvar ninguém porque se deu uma qualificação ou outra. Me interessa mais analisar porque ocorreu a acumulação de hidrogênio na contenção secundária. Porque isso sim me surpreende. E aí está boa parte do problema. Olhando os planos de centrais similares não chegamos a compreender.
Isso não aconteceria em Garoña?
Exatamente. Se tivesse havido um vazamento, o hidrogênio não teria se acumulado.
A energia nuclear tem futuro depois de Fukushima?
Logo se verá. Eu creio que sim, que é possível construir e operar reatores nucleares de forma muito mais segura que qualquer outra tecnologia competitiva com a nuclear. Se eu não acreditasse nisso não seria conselheiro no CSN. Seria um caloteiro.
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"Fukushima nos coloca diante do desconhecido’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU