02 Abril 2011
A tradicional mobilização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no mês de abril, que este ano resultou em uma marcha pelo norte gaúcho, contrasta com um fenômeno verificado nos acampamentos espalhados pelo Estado. O número de acampados é um dos mais baixos já registrados pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) – menos da metade da média histórica. O esvaziamento coincide com queda de 72% na área destinada a desapropriações nos últimos oito anos no Estado em comparação com o período anterior.
A reportagem é de Marcelo Gonzatto e publicada pelo jornal Zero Hora, 03-04-2011.
Embora a redução nos abrigos não afete a capacidade de ações do movimento – vinculado à organização internacional Via Campesina e se mantém capaz de mobilizar contingentes de manifestantes –, altera um cenário que havia se consolidado há décadas. Em um dos principais acampamentos do MST, às margens da BR-386 em Sarandi, o esvaziamento deixa marcas visíveis.
Barracas onde até poucos anos atrás moravam militantes agora estão abandonadas, com rasgos na lona preta exibindo o esqueleto de galhos de árvore que serve de estrutura. Nos abrigos próximos onde mora o sem-terra Luiz da Costa Amaral, 54 anos, não há mais vizinhos.
– Quero deixar uma terrinha para os meus filhos. Mas muita gente não aguenta a espera – lamenta.
Nos últimos quatro anos, o grupo de acampados caiu de 300 famílias para 140. Os números do Incra para o Estado confirmam a queda. O cadastro oficial tem hoje 1.193 famílias em barracas – a média histórica oscilou entre 2,5 mil e 3 mil. Quanto menor o número de sem-terra acampados, menor é a pressão por desapropriações. À medida que diminui a esperança por uma propriedade, cai o número de militantes.
Um exemplo dessa tendência é José Rodrigues de Miranda, 45 anos. Ele trocou às margens da BR-386 por uma casa em Sarandi e o trabalho como vendedor autônomo de CDs, DVDs e miudezas. Depois de viver acampado por três anos e dois meses, o pai de quatro filhos cansou.
– Se a reforma agrária estivesse andando, voltaria para lá – garante.
A decadência nas cidades de lona acompanha o recuo da reforma agrária no RS – de 130,4 mil hectares desapropriados nos oito anos do governo Fernando Henrique para 36,3 mil na era Lula. A última desapropriação ocorreu em 2008, quando 534 hectares da Fazenda Jaguari Grande, em São Francisco de Assis, foram destinados a 26 famílias.
Líder dos sem-terra na região Norte, Vladimir Maier trocou o MST pelo cargo de secretário de Regularização Fundiária em Sarandi. Ele acredita que o fechamento das escolas itinerantes e o acirramento dos conflitos com a polícia, como o que levou à morte de um militante em 2009, ajudam na migração:
– Tem muita gente com medo.
O deputado federal petista Dionilso Marcon admite um desânimo:
– Depois de quatro anos em um acampamento, sem conquista, o povo vai indo (embora). Não chega a comprometer a luta, mas uma vitória é bom de vez em quando.
Incra aposta em parceria com o governo estadual
O Incra aposta em um convênio com o governo estadual para adquirir terras em parceria e reerguer os números da reforma agrária no Estado. Apesar dessa iniciativa, articulada pelo superintendente regional Roberto Ramos e pelo secretário estadual de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, Ivar Pavan, especialistas acreditam que o Estado não deverá retomar o ritmo de assentamentos da década passada, quando quase 2 mil famílias chegaram a ser beneficiadas em um único ano.
Em 2001, graças ao sistema de compra de terras em parceria entre União e Piratini, foram realizados 21 projetos de assentamento no Estado – enquanto apenas um foi formalizado no ano passado pelo Incra. Uma das razões para o bom desempenho é que o Estado pode pagar em dinheiro, e o Incra apenas complementa o valor com títulos da dívida agrária. Isso aumenta o interesse dos vendedores.
O órgão federal tem a meta de investir R$ 40 milhões e beneficiar pelo menos 350 famílias até o fim deste ano. Conforme a participação do Estado, a ser definida, essa meta pode aumentar. O próprio dirigente do Incra admite, porém, que o cenário atual é bastante diferente do passado:
– A demanda é menor, as pessoas têm mais emprego em outras áreas, como construção civil.
Pavan diz que os colonos acampados hoje não são prioridade:
– A maior necessidade de investimentos é para os assentamentos já existentes.
Apesar disso, Pavan garante que o governo tem como objetivo zerar o número de sem-terra acampados até 2014.
Perfil dos acampados
A lentidão na reforma agrária leva a uma mudança no perfil dos acampados: permaneceram em maior grau os legítimos agricultores, principalmente sem filhos em idade escolar.
Muitos militantes com origem urbana, que se aproximaram do movimento na década 90, retornaram às cidades. Segundo Vladimir Maier, quem tinha uma casa na cidade para onde voltar ou maior chance de encontrar emprego abandonou a linha de frente da militância. Ficou sob as lonas quem tinha relação mais estreita com o setor agrícola. Everton Scherner, 24 anos, e Edneia Dias, 23 anos, estão há quase dois anos abrigados na beira da BR-386. Filhos de agricultores, não têm outro lugar para onde ir:
– Vimos muita gente sair, mas não vamos desistir. É nosso sonho.
Outra característica que facilita a permanência é a ausência de filhos, como Everton e Edneia. Com o fechamento das escolas itinerantes, encaminhar crianças para escolas muitas vezes distantes fica difícil. Esse foi um dos motivos que afastaram as ex-militantes Fernanda de Campos, 27 anos, e Jussane dos Santos Rosa, 29 anos, da vida sob a lona.
Os acampamentos também se ressentem da ausência de filhos de agricultores que conseguem comprar terra em vez de esperar por ela. Graças ao maior acesso a linhas de financiamento, Adelar Gressler, 30 anos, obteve R$ 25 mil do programa Primeiro Crédito para Juventude Rural, adquiriu um pedaço de terra junto à fazenda dos pais e paga menos de R$ 2 mil anuais pelo empréstimo. Planta milho, aipim e hortaliças produtos em Santa Maria do Herval:
– Até pensei em abandonar a agricultura, mas o financiamento foi um ótimo negócio.
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Cidades de lona encolhem no RS - Instituto Humanitas Unisinos - IHU