24 Março 2011
"O sol portanto convida à solidariedade, à partilha, à condivisão, ao altruísmo. É sobre este caminho sugerido pelo sol que o homem pode desenvolver uma nova cultura que permita encarar de forma responsável e respeitosa de toda a criação, o problema energético para a sociedade humana", escreve Antonio Cechin, inspirado pela vida e obra do cientista Enrico Turrini.
Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais, autor do livro Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
Eis o artigo.
Face à tragédia que está acontecendo no Japão, no momento em que se acirram os ânimos em torno do debate contra e a favor da Energia Atômica, vem à nossa lembrança um ecologista italiano chamado Enrico Turrini, que conhecemos na cidade de Trento, na Itália, uns 20 anos atrás. Trata-se de um engenheiro cujo pai foi senador naquele país. O filho Enrico, engenheiro com especialização em energia nuclear, trabalhou por diversos anos na construção de usinas atômicas européias, entre elas Pierrelate, perto de Lyon e que é a maior da França. Com dedicação total esmerava-se no setor que deveria garantir segurança às usinas contra possíveis acidentes.
Pessoa acima de qualquer suspeita, Enrico se convenceu de que a ciência e a técnica estão diante da impossibilidade de garantir segurança plena às fontes geradoras de energia nuclear. Alcançada esta convicção científica, deu adeus às atividades no setor. Assumiu em seguida a função, dentro do Mercado Comum Europeu, de diretor da área científica, com o encargo de julgar todo e qualquer invento que ocorra dentro dos países da União Européia com vistas ao licenciamento. Sabemos que o setor econômico da União Européia tem sede em Bruxelas na Bélgica; o político, em Estrasburgo na França; o científico, em Munique na Alemanha. Nesta última cidade, reside Enrico com a esposa Gabriela. Trata-se de um casal de cristãos convictos, com opção pelos pobres e adeptos da Teologia da Libertação.
Pudemos aquilatar a seriedade com que o cientista Turrini cumpria suas obrigações de Juiz dos inventos, quando nos passou rascunhos de pareceres sobre projetos que lhe chegavam. Em se tratando de artefatos de guerra ou prejudiciais ao planeta Terra, no que dependessem de seu voto pessoal como juiz do colegiado, ou como voto de minerva que também possuía como presidente do tribunal, era inexorável na condenação.
Não conhecemos ninguém no mundo que seja mais apaixonado pelo sol do que o casal de ecologistas Enrico e Gabriela. Fundaram, juntamente com outros amigos, a Eurosolar, uma das primeiras entidades ecológicas do mundo. Logo em seguida chamados para conferências em Cuba, se encantaram de tal maneira com os esforços desse pequeno país para a construção de algo novo, inteiramente fora do sistema capitalista que acabaram se apaixonando pela pátria de Fidel Castro, "um minúsculo Davi agitando no ar apenas uma funda na direção do gigantesco Tio Sam", sempre disposto a eliminar quem se atreva a não lhe fazer as vontades.
Enamorados sempre pelo astro-rei solar, fundaram no Caribe, uma entidade similar à européia, neste continente denominada Cubasolar. Aposentados há pouco, o casal condivide seu lugar de moradia entre a Alemanha e Cuba. Vivendo franciscanamente, encaminham grande parte de seu próprio salário – tudo aquilo de que não necessitam para sobreviver – para a entidade da ilha dos seus amores. Conseguiram convencer Fidel em sua "guerra" contra os imperialistas do outro lado do golfo, de que a melhor saída em questão de energia, com possibilidades de total independência dos Estados Unidos, é através do Caminho do Sol.
Entre as publicações de Turrini temos em língua portuguesa, da Editora Vozes, "O Caminho do Sol". Em italiano conhecemos também outra obra: "Energia e Democracia".
Enrico Turrini tem uma trajetória em tudo comparável ao nosso inesquecível José Lutzemberger. Este se converteu à Ecologia depois de trabalhar na multinacional Bayer na Alemanha, quando se deu conta de que, como químico da instituição, estava poluindo e envenenando o planeta Terra. À semelhança de um cristão novo, isto é um autêntico convertido, nosso Lutz retornou ao Brasil tornando-se desde então o grande apóstolo defensor do Planeta Terra que todos lembramos com imensas saudades. Começou sua luta dando o verdadeiro nome aos bois, criando neologismos identificadores de algumas pragas, como por exemplo, os tais fertilizantes da lavoura que passou a denominar como agrotóxicos ou simplesmente como venenos, produtos que eram chamados até então de remédios para as plantas.
Turrini também transformado em radical inimigo da energia nuclear, converteu-se de corpo e alma à mãe natureza depois de conscientizado de que contra acidentes atômicos não há defesa alguma possível. Faz-se então rodear de ecologistas implantadores das chamadas energias suaves que sintetizou no chamado "Caminho do Sol" em oposição total às energias duras, destruidoras do planeta. As energias suaves são as que atapetam a estrada do sol
O sol passa a ser uma verdadeira fonte de espiritualidade cósmica. Deus Pai Criador, colocou o astro-rei, grande foco de explosões nucleares a uma distância de milhões de quilômetros da Casa Humana, o planeta Terra. Dessa imensa lonjura, todas as energias que dele brotam chegam à Terra de maneira totalmente suave. A Energia Solar como um todo se subdivide em energia eólica, marítima, hídrica, bioenergia, etc. etc.
Pode-se resumir toda a obra de Enrico Turrini como um grande manifesto em favor do Sol que como um autêntico mestre que é, nos vai desdobrando da seguinte maneira:
"Um filete de erva, uma borboleta, uma flor, uma criança, a inteira sociedade humana vivem pela energia que lhes vêm da parte do sol. Seus raios alcançam todos os seres, com generosidade e sem preferências nem graduação de importância. A energia que o sol envia na direção da terra e que atinge o planeta é superabundante em relação às exigências vitais do mesmo. Uma parte acaba refletida no espaço e se dispersa. Aquela que permanece é destinada principalmente ao aquecimento da terra, à evaporação da água, a impregnar as massas de ar, a ser armazenada nos processos biológicos e a desenvolver a vida das plantas e dos outros seres. Uma energia, a solar, não estática, mas sempre em transformação e fortemente distribuída, a ponto de poder chegar de forma diferenciada em todo lugar..
O sol é o motor dos ciclos da natureza que permitem a todos os seres o compartilhamento da vida, através da contínua realização de transformações energéticas.
Um ciclo característico regulado pela energia do sol é o da água: evaporação dos mares e dos lagos, condensação do vapor na atmosfera com formação das nuvens, exposição das mesmas por causa dos ventos gerados pelos degraus térmicos, queda da chuva, formação das torrentes e dos rios e retorno aos lagos e aos mares. Todos os seres viventes, desde o plâncton aos peixes nos oceanos, aos animais e aos homens sobre a terra firme, aos passarinhos dos ares, gozam da água sem destruí-la. Ato contínuo, a água é reciclada com o auxílio do sol.
Outro ciclo fundamental é o da vida que inclui a fotossíntese, em que animais e homens respirando e se nutrindo, utilizam a energia do sol transformando-a em energia vital. As plantas absorvem a água através das raízes, respiram o anidrido carbônico do ar através das folhas e, absorvendo a energia do sol sempre através deste, combinam quimicamente (fotossíntese), numa transformação de redução, água e anidrido carbônico em açúcares e amidos utilizados pelos animais e pelos homens como alimento. As plantas, por sua vez, através das folhas emitem oxigênio no ar. Animais e homens respiram o oxigênio que se combina com os açúcares e com os amidos através de um processo químico exotérmico de oxidação. Com isso é libertada energia empregada em todas as funções vitais (movimento das articulações, do coração, etc.) e são fornecidos, como sub-produtos, anidrido carbônico e vapor aquoso que expirados retornam ao ciclo. O anidrido carbônico é absorvido pelas folhas e a água pelas raízes das plantas.
Dois ciclos naturais aqui descritos, entre os numerosíssimos alimentados pela energia solar, que reutilizam todos os produtos intermediários sem criar rejeitos.
A própria morte se torna, nesta visão eólica, fonte de vida.
Pensemos nas folhas crescidas com a energia do sol. Chegadas ao término de seu ciclo, caem por terra com um colorido tal que exprime a alegria com que dão a vida. Não é certamente por acaso, porque morrendo se transformam em húmus que permite a outras plantas de nascer e desenvolver-se com a força dos raios do sol.
O sol portanto convida à solidariedade, à partilha, à condivisão, ao altruísmo. É sobre este caminho sugerido pelo sol que o homem pode desenvolver uma nova cultura que permita encarar de forma responsável e respeitosa de toda a criação, o problema energético para a sociedade humana.
Não é portanto por mero acaso que a palavra solidariedade começa com SOL, porque é no sol que tudo começa em termos de fertilidade da terra e de energia. Ele, o sol, é a grande incubadora do nosso planeta, Turrini, num galpão de reciclagem aqui da cidade de Porto Alegre, no ano de 1992, extasiado com a rapidez com que se movimentavam as mãos das mulheres catadoras no trabalho de triagem dos materiais, não se cansava de repetir: "Essas mulheres, com essas mãos movidas a energia solar, só elas podem mesmo realizar uma separação perfeita, em tudo similar ao trabalho das mãos de Deus no início da Criação. O Gênesis diz que no princípio era o caos, e Deus começou a separar, a terra da água, as árvores dos animais, o sol da lua e dos demais astros, etc. As mulheres catadoras, hoje, tem diante de si o mesmo caos que é essa matéria toda misturada que vem nos saquinhos de lixo. "Com suas mãos movidas a energia solar elas transformam essa desordem, esse caos, em "caos generativo" porque separam valores que vão ser devolvidos como tais a toda a sociedade humana.
Democracia e solidariedade que o caminho sol esbanja às pampas, também foram proclamadas pelo Homem Jesus de Nazaré, o sol de justiça. Numa oportunidade Ele assim se expressou: "Aprendei de vosso Pai que está nos céus. Ele manda o sol e a chuva sobre maus e bons, sem distinção de espécie alguma".
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Energia e Democracia: O Sol como referência de uma Espiritualidade Cósmica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU