28 Fevereiro 2011
Diante de uma multidão de jornalistas estrangeiros, em sua maior parte alimentados e hospedados à custa da “revolução líbia”, o novo comitê de Benghazi, encarregado dos assuntos da cidade desde a saída das forças pró-Gaddafi, realizou sua primeira grande coletiva de imprensa no domingo (27).
A reportagem é de Cécile Hennion, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 01-03-2011.
“Nosso objetivo não é fazer política”, declarou Ghoja al-Hafez, porta-voz do comitê, atrás de seus pequenos óculos, “mas unicamente administrar a organização de Benghazi”. No entanto, ele indicou que o “governo de transição” que vem se esboçando no Estado líbio “livre” não agradava ao comitê. E que seu primeiro-ministro, Mustafa Abdel-Jalil (ex-ministro da Justiça, originário de Benghazi, o primeiro a se demitir e a se juntar à oposição), “não representa ninguém além dele”.
Na sede do comitê reina uma alegre desordem. Entre cidades “libertadas” do leste, a coordenação é quase inexistente. Não falta entusiasmo, mas além das comunicações telefônicas serem difíceis, os pontos de vista sobre a estratégia são divergentes.
Os defensores de uma “grande marcha” até Trípoli reconhecem que eles só dispõem de armas leves, que não terão peso diante dos tanques do coronel Gaddafi. O que fazer enquanto se espera a eventual queda da capital e do resto do oeste do país? A criação de um “governo de transição” impõe inúmeros desafios.
Seus detratores acreditam que ele poderia acelerar uma divisão da Líbia, o que ninguém deseja em Benghazi. A “unidade da Líbia” continua sendo a palavra de ordem, bem como a “solidariedade com os irmãos de Trípoli”. Em compensação, o vazio político e a ausência de uma coordenação podem levar ao enfraquecimento do movimento.
“Mesmo assim não se pode ficar de braços cruzados sem fazer nada!”, preocupa-se Abdelkader Kadura, professor de direito constitucional na faculdade de Benghazi. “Sou da opinião de que devemos percorrer o leste líbio em busca de cada tecnocrata, cada especialista mantido afastado do regime e criar o mais rápido possível um embrião de Estado.” Mas “mesmo com a maior boa vontade”, avisa, “isso será extremamente complicado”. A Líbia não tem Constituição, partidos políticos, associações ou sindicatos, nem qualquer corpo político organizado no qual se apoiar. E a revolução líbia, conduzida pelo entusiasmo dos jovens do país, por enquanto não tem nenhum líder.
O “imame dos muçulmanos”
Desde sua chegada ao poder em 1969, o coronel Gaddafi instalou um governo cada vez mais centralizado, absoluto, rompendo metodicamente todas as forças sociais tradicionais. “Os chefes das tribos, cuja legitimidade estava ligada à luta pela independência [1951], foram afastados, substituídos por outros mais jovens, comprados pelo regime graças aos dinares do petróleo”, explica Kadura. “Depois ele atacou as autoridades religiosas, declarando-se ele mesmo o líder supremo, o ‘imame dos muçulmanos’”.
Paralelamente, a centralização extrema do poder em Trípoli empobreceu e marginalizou o resto da Líbia, em especial Benghazi, segunda maior cidade do país.
“Por exemplo”, continua, “um projeto de construção de estradas em Benghazi era necessariamente decidido em Trípoli, e depois executado por engenheiros e operários de Trípoli. Nenhum dinar, nenhum emprego para nossa cidade. Uma catástrofe! Os jovens, mesmo universitários formados, não encontram emprego. Isso criou uma geração sem futuro, sem nada e em fúria.” E diz ainda: “Alguns deles foram buscar a religião na Arábia Saudita, trazendo para a Líbia um islamismo radical. Outros buscaram refúgio nas drogas ou no álcool. Essas duas categorias não representam uma maioria, mas estão em conflito total com a sociedade.”
“No final, os velhos líderes tradicionais, que tinham uma legitimidade, não estão mais lá. Aqueles que os substituíram, e que hoje tentam tirar o corpo fora, não têm nenhuma credibilidade. Os jovens não querem. Essa situação de vazio político no leste da Líbia é perigosa”, conclui Kadura.
A julgar pelo que diz esse professor e os manifestantes nas ruas de Benghazi, a esperança e o futuro do país dependem inteiramente desses jovens. Jovens que vêm da classe média e instruída, que lançou o movimento utilizando, como na Tunísia ou no Egito, o espaço de liberdade dado pela internet, introduzido há somente alguns anos na Jamahiriya líbia.
Assim como nos países árabes vizinhos, o Facebook foi um dos motores da mobilização. Os advogados que, há dois ou três anos, ousaram se apoderar da questão dos direitos humanos e que protestavam regularmente em nome das famílias dos 1.200 prisioneiros (em sua maioria originários de Benghazi) executados após os tumultos da prisão de Bouslim, em Trípoli, em 1996, também tiveram um papel considerável no levante de 17 de fevereiro. Além disso, não é uma coincidência que o comitê de Benghazi tenha se instalado no prédio do palácio da justiça.
“Eu fui muito próximo dessa juventude durante trinta anos na universidade”, diz ainda Abdelkader Kadura. “Ela é formidável, criativa, inteligente e tem a capacidade de criar empregos, encontrar soluções. A privação de qualquer liberdade não significava somente fechar a boca. Era também fechar os olhos. Os jovens que recusaram esse sistema, sacrificando suas vidas, agora estão com os olhos bem abertos. Tudo ainda é possível”. Mas ainda resta tudo a fazer.
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Em uma Benghazi livre, a criação de um governo de transição é alvo de controvérsia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU