21 Fevereiro 2011
Quando Muammar Khadafi passou anos recebendo chefes de governo em sua tenda de beduíno estava de certa maneira simbolizando seu conceito primitivo e férreo das questões de Estado. Além de suas conhecidas excentricidades, a vida política do ditador líbio sempre girou em torno do sentimento de tribo e uma confiança absoluta no clã familiar.
A reportagem é de Fernando Navarro, publicada pelo jornal El País e reproduzida pelo Portal Uol, 22-02-2011.
Se nos primeiros anos de seu regime se cercou de primos e cunhados para afiançar sua figura, depois do golpe de Estado que o levou ao poder em 1969, passado o tempo e aumentada a família, Khadafi foi depositando responsabilidades e negócios em seus oito filhos, com o fim de ter bem amarrados todos os fios no país norte-africano. Em outubro de 2009, diante de uma assembleia de chefes tribais e notáveis, não teve problemas em nomear como seu sucessor seu filho Said el Islam, o mesmo que no domingo lançou uma mensagem pela televisão carregada de ameaças para aterrorizar a população que se manifestava nas ruas.
Said el Islam, nome que significa "Espada do Islã", rompeu com sua imagem de suposto reformista cultivada pelo próprio regime e apelou ao espírito guerreiro de seu avô, que se orgulhou até a morte de ter sido ferido no campo de batalha combatendo o exército colonial italiano, quando disse que sua família lutaria "até que caia o último homem".
Segundo a organização Global Security, esse arquiteto culto e inteligente de 38 anos, que possui um escritório em Trípoli e é dono de um grupo de mídia que inclui televisões via satélite e jornais, conta com o apoio de seu pai para substituí-lo como "guia da revolução". Com seu doutorado na London School of Economics, transformou-se no filho predileto do clã, apesar de sua falta de conhecimentos militares, situando-se em melhor posição que seu irmão Mutasim, tenente-coronel de 36 anos que estava nas apostas para a sucessão e desempenhou cargos de assessor de Segurança Nacional.
El Islam apareceu no cenário internacional em 2000, quando negociou a libertação de reféns presos por terroristas islâmicos nas Filipinas. Desde então desempenhou funções importantes na gestão de conflitos, como o caso Lockerbie ou o desmantelamento do programa nuclear, que permitiram que a Líbia melhorasse sua imagem diante da comunidade internacional.
Esse papel de mediador lhe deu asas em alguns círculos diplomáticos do Ocidente, juntamente com um ânimo reformista e suas críticas à velha guarda e aos comitês revolucionários que impunham a ortodoxia política. No entanto, como afirmam alguns especialistas, sua abertura para o exterior correspondeu muito mais aos fins comerciais que à concessão de direitos e liberdades. El Islam, assim como Mutasim ou Jamis, outro dos filhos que é um homem-forte das forças armadas líbias, representa o orgulhoso e autoritário Khadafi, o coronel que ostenta o poder há mais de quatro décadas. Mas, como nas velhas parábolas, sempre há ovelhas desgarradas que, neste caso, ilustram outros traços distintivos da extravagante personalidade do líder líbio.
O Khadafi esbanjador se encontra em Al-Saadi, de 37 anos, que nunca demonstrou interesse pela política mas decidiu investir suas influências no futebol. Seu sonho era se transformar em uma estrela do esporte e mostrar-se em alguma partida da Liga de Campeões, mas teve de se conformar com vestir as camisas do Perugia, Udinese e Sampdoria, disputando somente duas partidas ao longo de três campeonatos italianos e além disso enfrentando uma sanção por doping. Saadi, entretanto, não desanimou e decidiu lançar-se ao cinema, fundando uma produtora de filmes de faroeste.
O Khadafi "bon-vivant" se vê em Hanibal, 34 anos, propenso a brigas e a burlar as normas. No verão de 2008 foi detido em Genebra por agredir dois funcionários do hotel em que se hospedava com sua mulher. Depois de passar duas noites na prisão e pagar uma fiança de quase 300 mil euros, voltou à Líbia e abriu uma crise diplomática. Seu pai respondeu retendo dois homens de negócios suíços e suspendendo a venda de petróleo ao país europeu. Em 2004 Hanibal havia sido preso em Paris por passar vários semáforos vermelhos nos Campos Elíseos.
E o Khadafi anti-imperialista, de raiz pan-árabe, se esconde em sua única filha, Aisha, 30 anos. Em julho de 2004 ela tornou-se bastante popular ao unir-se à equipe jurídica que defendia Saddam Hussein. No conflito diplomático de seu irmão Hanibal na Suíça, foi pessoalmente a Genebra para advertir as autoridades suíças: "Aplicaremos a política do olho por olho, dente por dente". Nesse caso, como também fez Espada do Islã, emprestou o tom ameaçador do pai.
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Líbia: "Espada do Islã", filho e sucessor do ditador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU