19 Fevereiro 2011
O discurso público foi brando e politicamente correto. Mas a visita dos bispos argentinos ao Papa se inscreve na briga entre os setores ultraconservadores e o governo "de centro" do cardeal Bergoglio.
A reportagem é de Washington Uranga e publicada no jornal Página/12, 13-02-2011. A tradução é do Cepat.
A Comissão Executiva do Episcopado, com seu presidente, o cardeal Jorge Bergoglio à frente, culminou sua rodada de entrevistas com a cúria romana. O ponto máximo foi o encontro com o Papa Bento XVI, que aconteceu na quinta-feira, dia 10, horas depois de ter passado pelo escritório do secretário de Estado e "primeiro ministro" da Igreja católica, o cardeal italiano Tarcisio Bertone. Pouco se poderá saber e muito se pode especular sobre os resultados concretos dos contatos que os quatro bispos (junto ao presidente estavam os dois vice-presidentes Luis Villalba e José Arancedo, e o secretário-geral Enrique Eguía Seguí) mantiveram nestes dias na capital italiana. Diante das informações que assinalavam que o propósito da viagem foi esclarecer em Roma os pontos de vista daqueles que presidem atualmente o Episcopado sobre as operações de setores de ultradireita eclesiástica realizadas em conivência com o núncio apostólico Adriano Bernardini, a informação oficial não se moveu um milímetro do "politicamente correto". A sala de imprensa informou que "esta viagem permitiu expressar (ao Santo Padre) o clima de fraternidade e comunhão episcopal da Igreja na Argentina". E como se isto fosse pouco "confirmar o vínculo filial com ele e com a Santa Sé".
Na última Assembleia da Conferência Episcopal, em novembro passado, não por casualidade o tema central foi a "colegialidade episcopal". Se os bispos decidiram falar do trabalho conjunto e associado entre eles é, entre outras razões, porque alguns ruídos existem. Bergoglio, que para muitos observadores externos ao âmbito eclesiástico pode ser visto como um homem conservador, é dentro do cenário do Episcopado o representante de posições de centro. Isto para além do estilo personalista imposto por sua gestão e que o leva a frequentes enfrentamentos, tanto com seus pares como com os atores políticos. Isto foi especialmente visível durante o governo do Néstor Kirchner. A essa personalidade, Bergoglio soma uma ativa agenda política que inclui reuniões tão assíduas quanto reservadas com toda classe de atores da vida pública do país. Neste âmbito, o cardeal de Buenos Aires costuma transmitir, "a título pessoal", suas opiniões sobre a vida, a política, a economia, a moral e tantos outros temas. Tudo dito "sem a pretensão de incidir" sobre seus interlocutores, que, no entanto, saem dali a par do pensamento eclesiástico.
Na hierarquia, a aprovação do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo foi visto como uma derrota. Quando foi discutida a estratégia eclesiástica, Bergoglio não esteve de acordo com os ultraconservadores que buscaram o confronto público. Preferia um perfil mais baixo, incluindo a aceitação da união civil como "mal menor" e, evidentemente, a apresentação pública da doutrina católica sobre a matéria. Perdeu o embate com os ultraconservadores. Disciplinado, Bergoglio se pôs à frente da estratégia decidida pela maioria. Consumada a derrota passou faturas internas.
Não obstante isso, os ultraconservadores, encabeçados por Héctor Aguer, arcebispo de La Plata, seguiram assinalando Bergoglio como responsável pela derrota porque sempre consideraram que a posição eclesiástica não foi suficientemente firme. E agora, advertem, frente à possibilidade do debate sobre a despenalização do aborto, não querem repetir a situação. Dizem-no aqui e em Roma em tom acusatório. Em Roma, lhes serve de coro o cardeal argentino Leonardo Sandri, um dos ministros do Papa, que não deixa passar uma oportunidade para reafirmar "a defesa e a promoção da vida desde a sua concepção até o seu fim natural e da família, tal como o ensina a Igreja católica". Como parte da campanha, Aguer e os seus reclamam mais soldados: exigem que Roma nomeie bispos sacerdotes alinhados com o conservadorismo. Querem recuperar o controle que em outro tempo tiveram na assembleia episcopal, dominada nas últimas décadas por posições mais moderadas.
Os conservadores avançaram no Episcopado. São mais, ainda que nem todos os que eles mesmos (e talvez Roma) desejam. Este ano, em novembro, haverá eleições na Conferência. Bergoglio não pode ser reeleito. Mesmo que seja o líder da ala conservadora, é pouco provável que Aguer chegue à presidência do Episcopado pelo voto dos bispos. Mas ele e seu grupo desejam fazer pelo menos um dos vice-presidentes e controlar algumas das comissões chaves, como a Educação (hoje nas mãos de Aguer) ou a Pastoral Social (onde atualmente está Jorge Casaretto, também sem possibilidades de se reeleito nesse cargo).
Mas há um ingrediente a mais. Em dezembro, Bergoglio completará 75 anos e deve apresentar a sua renúncia, como determina a legislação eclesiástica, ao arcebispado portenho. Cabe ao Papa aceitar ou não a renúncia e poderia prolongar o seu mandato pelo tempo que quisesse. De todos os modos, a renúncia estará apresentada e Bergoglio ficará à "disposição" de Bento XVI. Aguer se sente seduzido para ocupar o Arcebispado de Buenos Aires e por essa via chegar a ser cardeal. E para isso não necessita de votos, mas influência e poder. Ele visita com assiduidade Roma, cultiva amizades e se mostra no Vaticano onde os ultraconservadores o veem como um dos seus.
Estas também são questões que hoje se debatem nos âmbitos eclesiásticos argentinos. E que, de acordo com a informação oficial sobre o que foi tratado em Roma, bem poderia estar incluído sob o título "outros temas pastorais e institucionais vinculados com a vida da Igreja na Argentina". Será preciso esperar os acontecimentos. Em março se reúne a Comissão Permanente. Em maio se realiza a primeira assembleia do ano. E em novembro, depois das eleições nacionais, a assembleia eletiva dos bispos.
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Embate entre moderados e ultraconservadores na Igreja argentina por espaço - Instituto Humanitas Unisinos - IHU