07 Fevereiro 2011
A questão central referente aos acontecimentos no Egito pode ser reduzida à seguinte pergunta: estaríamos testemunhando uma repetição de Teerã em 1979 ou de Berlim em 1989?
A reportagem é de Roger Cohen, publicada pelo International Herald Tribune e traduzida pelo Portal Uol, 08-02-2011.
Seria isto uma rebelião generalizada contra uma ditadura cujo objetivo de conquistar a liberdade democrática acabaria usurpado por islamitas organizados, conforme ocorreu na Revolução Iraniana? Ou estaríamos presenciando o fim do Parque Jurássico Árabe onde, do Iêmen à Tunísia, déspotas idosos têm governado, e o início de um florescer da democracia que teria um potencial tão grande para provocar mudanças mundiais quanto teve o colapso do império soviético?
Se o que ocorre agora se assemelha ao colapso soviético, conforme eu acredito, é fundamental que façamos a coisa certa; e para fazer isso será necessário que um ainda inexperiente presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, utilize toda a arte diplomática norte-americana exibida durante o processo para a união da Europa em 1989. Além disso, será necessário aplicar lições aprendidas em 1947, na forma de um Plano Marshal para apoiar a incipiente democracia egípcia e árabe.
Será necessário ainda que Israel exiba pelo menos uma fração da coragem demonstrada por Anwar el-Sadat com a sua visita a Jerusalém em 1977 – a coragem para descartar o mantra de segurança segundo o qual todo oponente democrático de Hosni Mubarak é um potencial jihadista, e para estender a mão às forças modernizantes no mundo árabe que conhecem a esterilidade da guerra.
Antes de falar sobre isso, devemos expor as duas posições em um debate acalorado. Israel e os seus aliados conservadores adotaram a analogia da Revolução Iraniana. Acima de tudo, nesse despertar egípcio eles enxergam uma ameaça.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu coloca as coisas da seguinte forma: “O nosso temor reside no fato de que, quando há mudanças rápidas, sem que todos os aspectos de uma democracia moderna estejam presentes, o que ocorrerá – e isso já ocorreu no Irã – será a ascensão de um regime opressivo baseado no islamismo radical. Tal regime esmagará os direitos humanos e não permitirá que haja democracia ou liberdade, e constituir-se-á em uma ameaça à paz”.
Os intelectuais árabes adotaram uma posição oposta que foi expressa da melhor maneira por Rami Khouri, da Universidade Americana de Beirute: “Nós estamos testemunhando um momento épico e histórico de nascimento de conceitos que há muito tempo vêm sendo negados aos cidadãos árabes comuns: o direito de nos autodefinirmos e de definirmos os nossos governos, de afirmarmos os nossos valores nacionais e de modelarmos os nossos sistemas de governança”.
Os Estados Unidos – escaldados pelos fatos ocorridos no Iraque e na Faixa de Gaza – têm buscado a rota intermediária da “transição ordeira”. Washington deixou claro que Mubarak precisa deixar o poder, mas provavelmente não neste exato momento. A repetição meio camuflada, por parte de Hillary Clinton, das palavras de Netanyahu, foi a seguinte: “Revoluções derrubaram ditadores em nome da democracia, apenas para verem o processo ser sequestrado por novos autocratas”.
Em outras palavras: gostaríamos de ver uma revolução árabe como a queda do império soviético de 1989, mas nós fomos muito escaldados para esquecermos o que ocorreu no Irã em 1979.
Esta última data está gravada na memória diplomática dos Estados Unidos. Washington optou por apoiar por tempo demasiado o xá e acabou perdendo o Irã. Isso fez com que o Egito passasse a ser o centro muçulmano alternativo dos interesses estratégicos dos Estados Unidos no Oriente Médio. Não é de se admirar que os norte-americanos temam tanto “perder” o Egito. Tirando o Egito e o Irã, os dois grandes Estados nações do Oriente Médio, tudo o que resta são “tribos com bandeiras”.
É necessário um comentário sobre o Irã. Tem havido um debate absurdo em Teerã entre um regime que procura mostrar que tinha razão, apontando para a rebelião egípcia, e o movimento oposicionista Verde, cuja coragem em 2009 foi um importante precursor daquilo que ocorreu em Túnis e no Cairo. O líder iraniano supremo, Ali Khamenei, declarou a respeito do Egito: “Nós ficamos felizes sempre que o povo muçulmano ergue os seus punhos fechados contra os inimigos da sua religião”.
Ah, por favor! A verdade está com Mir Hussein Moussavi, o líder oposicionista, que apontou para paralelos claros entre Mubarak e Khamenei – homens que ordenam que “canetas sejam quebradas e dissidentes aprisionados”.
Conforme me disse Yousry Nasrallah, o diretor de cinema egípcio: “Não existe nada de inspirador para os egípcios em uma revolução iraniana que coloca cineastas na cadeia, esmaga a oposição e tortura pessoas – nem mesmo para a Irmandade Muçulmana!”.
Não, essa revolução egípcia diz respeito a exatamente aqueles direitos individuais que Teerã massacrou em 2009, e que os Estados árabes apoiados pelo Ocidente vêm negando ao povo: o direito ao voto, ao império da lei, à liberdade de expressão. Quase todas as conversas que eu mantive nas ruas do Cairo na semana passada retornaram invariavelmente a esses temas.
Israel deveria receber bem esse despertar. Foi a negação de tais direitos pelos déspotas árabes que permitiu que a retórica populista iraniana tivesse um eco tão forte nas ruas árabes. Nada fará com que o domínio iraniano encolha mais rapidamente do que a democracia árabe.
Existe um segundo motivo para que Israel veja esperança na Praça Tahir: são precisamente aqueles indivíduos que sentem que as suas existências não têm mais sentido – o cerne da condição árabe – que estão mais propensos a sintetizar a sua identidade no desejo de morte jihadista, a solução para todos os seus problemas.
Países ricos do Golfo Pérsico sempre falaram bastante sobre a paz entre israelenses e palestinos, mas nunca fizeram nada de concreto quanto a isso. Agora Obama, caso abrace 1989 e rejeite 1979, como é preciso fazer, deveria torcer os braços dos seus aliados do Golfo Pérsico. Ele deveria garantir o sucesso da democracia egípcia preparando um Plano Marshall financiado pelo dinheiro advindo do petróleo para um mundo árabe democrático.
Quanto a Netanyahu, ele deveria imitar Sadat e seguir para o Egito para apoiar o próximo presidente
democraticamente eleito do Egito.
Ainda não chegamos lá, mas este é o momento para pensarmos grande e demonstrarmos coragem. O que estamos presenciando não é simplesmente o 1989 do mundo árabe; é o 1989 de Barack Obama.
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Crise no Egito é repetição de Teerã em 1979 ou Berlim de 1989? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU