28 Janeiro 2011
"Além da discussão de salão sobre a autoria que caracteriza todo o século XX, as patentes e o copyright podem de fato ser conceitos somente internos a uma realidade social que fez da propriedade privada um dos princípios reguladores da vida social. Em outros termos, não há propriedade intelectual se não há capitalismo. E não há capitalismo se não há propriedade intelectual", escreve Benedetto Vecchi sobre o livro de Adrian Johns, que abordou a história da propriedade intelectual e da pirataria. O texto foi publicado no jornal Il Manifesto. Tradução de Alessandra Gusatto.
Eis o artigo.
Cap `n Crunch, Well, Homebrew Computer Club, John Barlow enquanto viaja pelas estradas de uma indolente Filadélfia; no meio tempo, do outro lado do oceano, um carro de polícia munida de instrumentos gira os bairros de classe média londrinos para descobrir quem escuta, sem autorização, as primeiras transmissões de rádio, enquanto ecoam no ar os desbotados cahier de doléance, cadernos de queixas, dos escritores da moda com o orgulho e os bolsos feridos pelo fato de seus romances serem impressos por editores desconhecidos sem o seu consentimento. Um fluxo de contos e análises que não tem nada a ver com os nauseantes plágios pós-modernos que tornam insuportáveis os já insuportáveis rumores de fundo da Rede. Estamos de fato perante o primeiro afresco sobre a propriedade intelectual que o estudioso Adrian Johns propõe nesta monumental e ambiciosa história da pirataria que chegou a poucos dias nas livrarias editada por Bollati Boringhieri (717 pg, 39 euros). Um livro de acurado trabalho de pesquisa sobre materiais pouco usados por outros historiadores para analisar o desenvolvimento do conceito de propriedade intelectual desde os primeiros sinais da sucessiva revolução industrial que coincidem com a invenção do torque para a impressão por parte de Johann Gutenberg, o mítico e todavia ardente defensor de Martinho Lutero, que se empenhou muito para alcançar o objetivo de imprimir a bíblia para vendê-la a bom preço para que todos pudessem conhecer a palavra do Senhor sem nenhuma mediação institucional, exatamente como pregava o austero teólogo alemão quando já estava em rota de colisão com o papado em Roma.
A primeira parte do volume de Adrian Johns é dedicada a epopéia dos primeiros impressores e editores ingleses e das suas tentativas para proteger o próprio trabalho dos "piratas terrestres", ou seja outros editores que, para tirar vantagens, se aventuravam pelas ruas de Londres, Berlim, Dublin a procura de monografias para poderem imprimir e vender a preços mais baixos daqueles dos seus "concorrentes", valendo ressaltar que naquele tempo o direito autoral era um conceito um tanto quanto inexistente e irrelevante, enquanto a defesa era feita através dos instrumentos da common law, direito comum, as corporações dos artesãos para regulamentar um mercado repleto de incertezas e lucros baixos. Pouco valia também o respeito pela "autoridade", um conceito que se tornará relevante no decorrer do século XIX com a promulgação das primeiras leis de copyright, mesmo que combatidas por muitos escritores e estudiosos por serem vistas como obstáculos para a difusão da cultura.
A revolução industrial e o desenvolvimento do capitalismo estão porém destruindo e apagando costumes adquiridos. Na "Royal Society" inglesa, por exemplo, um novo termo começa a fazer estrada, patente, que gera discussões inflamadas. Há quem a considere um instrumento que valoriza também economicamente o trabalho de quem, até bem poucas décadas, era qualificado como filósofo naturalista ou mecânico e que agora começa a ser chamado de cientista. Posição não aceita por Leibniz ou Isaac Newton, que rejeitam drasticamente o princípio de base das patentes. A invenção, sustenta Newton, deve acompanhar o seu inventor, mas o conhecimento não pode ser considerado uma propriedade pessoal. O reconhecimento deve ser somente moral, e portanto, sem nenhuma remuneração econômica. Esta por sua vez deve ser tarefa do estado ou de um soberano mecenas. Ainda, La Manica, o marquês de Condorcet se posiciona contra o monopólio dos livreiros e o primado do autor a favor do primado do conhecimento. Estes são somente alguns exemplos de uma discussão sobre as diferenças entre autoria, invenção, sobre a identidade da obra literária, com evidências de estilo anexadas, o sentimento e a criatividade que distinguem uma obra de uma outra que tem o banco nos salões europeus ou na fonte da imprensa. Entram na discussão também os filósofos pouco mundanos como Immanuel Kant ou austeros matemáticos como Charles Babbage. Com o objetivo de proteger o primado do conhecimento de acordo como as primeiras experiências de utilização econômica das invenções ou das obras literárias ou filosóficas.
A circulação dos cérebros
Mas é no cânone historiográfico que Adrian Johns introduz a relevância econômica do conhecimento sans phrase. Além da discussão de salão sobre a autoria que caracteriza todo o século XX, as patentes e o copyright podem de fato ser conceitos somente internos a uma realidade social que fez da propriedade privada um dos princípios reguladores da vida social. Em outros termos, não há propriedade intelectual se não há capitalismo. E não há capitalismo se não há propriedade intelectual. Já, porque é importante se ressaltar o poder regulador do copyright e das patentes no desenvolvimento capitalista, não se deve esquecer que as lei definidas desde o século XVII e XIX sobre a propriedade intelectual tenham sido fatores indispensáveis para favorecer a acumulação original de capital que não viu somente as enclosures da terra, terras comunais mas também a transformação tendenciosa do conhecimento em força produtiva. A evocação da powerful effectiveness da ciência por Karl Marx não teria sido possível se a ciência aplicada não fosse já matéria prima para usar no processo produtivo.
Adrian Johns é também convincente quando diz que no século XIX a "pirataria terrestre" foi desencorajada e por vezes punida dentro das fronteiras nacionais, mas ainda encorajada no que diz respeito a duplicação de conhecimento científico e não somente independentemente se fossem ou não aceitas em outros países. Deste ponto de vista, o estudo de caso americano é iluminador, já que o governo dos Washington foi levado por muitos empreendedores e economistas a solicitar aos americanos copiarem as invenções "estrangeiras" para favorecer a indústria nacional. Ao mesmo tempo incentivava a imigração da Europa para garantir a chegada de engenheiros, químicos, físicos e artesãos do saber e de conhecimentos que possam ajudar o desenvolvimento de empresas estado unidenses. Uma política que incentiva a "circulação de cérebros", para usar uma expressão bastante convincente do estudioso catalão Manuel Castells, mas que começa a definir um novo cenário legislativo para cuidar e regulamentar a propriedade intelectual dos Estados Unidos: primeiro um cenário e logo um sofisticado sistema jurídico para depois tornar-se hegemônico na segunda parte do século XX.
O economista Henry Charles Carey foi idealizador desta visão de propriedade intelectual nos Estados Unidos. Durante toda a vida ele convidou o governo de Washington a favorecer o desenvolvimento de uma "força societária" com o intuito de preservar a indústria yankee. Convicto defensor do capitalismo, Carey pensa que o copyright e as patentes devam ser regulados por uma legislação tanto flexível quanto sensível as necessidades das empresas. Leis draconianas quando a concorrência poe em discussão o primado das empresas americanas; e ao mesmo tempo flexíveis para não impedir nem a circulação do conhecimento nem a criatividade. Um cenário vigente nos Estados Unidos até os anos 80 do século XX, quando o mundo conheceu a segunda e bem mais radical globalização da economia.
Um dos limites deste monumental livro é a evidente e declarada indiferença ao que acontece no velho continente no que diz respeito a propriedade intelectual. A conferência de Berna e aquela de Paris, que estabelecem as regras sobre a propriedade intelectual são citadas, mas como o reflexo de um conceito do direito autoral ancorado ainda em um primado moral do autor ou do inventor. Uma escolha, esta de Adrian Johns, ditado realmente por uma convicção enraizada de que o capitalismo transforma o conhecimento em força produtiva e que, como os antigos escreviam, a moral tem bem pouco a ver com os negócios. Ou realmente é nos Estados Unidos que a crítica ao conceito moderno de propriedade intelectual tem raízes profundas. Na segunda parte do livro, de fato, grande espaço é destinado as teses de Michael Polany e Norbert Wiener.
A fúria de Norbert Wiener
Irmão do mais notório Karl Polany, mas considerado por muitos historiadores da economia um dos grandes do neoliberalismo antigo. Nos Estados Unidos foi todavia taxado como o estudioso que mais do que outros criticou asperamente a propriedade intelectual em nome de um livre mercado que não tolera as instituições de lucro de posição e de monopólios, tanto na produção industrial quanto na produção de ideias. Norbert Wiener, por outro lado, é um dos pais da cibernética e ainda um dos mais tenazes defensores da autonomia da ciência perante quaisquer ingerências. Ambos porém convergem numa apologia do livre arbítrio dos indivíduos que podem reivindicar a absoluta propriedade sobre as próprias idéias e portanto subtrair-se de qualquer ingerência do Estado. O qual mereceria todavia o reconhecimento econômico dos pesqueisadores ou "humanistas".
Também neste caso as posições de Polany e de Wierner sofreram evoluções significativas nos últimos quarenta, cinqüenta anos, ou seja, desde que todo o conhecimento se transformou em um fator determinante do desenvolvimento capitalista. Portanto não somente a ciência, mas também aquilo que Michael Polany chamou de "conhecimento tácito", ou seja, mecanismo reflexivo das experiências e das relações sociais nas quais os indivíduos estão inseridos. Em segundo lugar, porque os processos de aculturação determinaram uma difusão do conhecimento em si, fenômeno que Adrian Johns chama de processo de "democratização" do conhecimento. Assim, a crítica a propriedade intelectual é para Johns expressão de um livre mercado do conhecimento, ou seja, está relacionado a sua circulação. Visão que todavia não leva em consideração as teses de Robert K. Merton, que na sua Teoria e Estrutura Social e Sociologia da Ciência tentou desenvolver uma verdadeira teoria da produção de conhecimento pensando no conceito do fluxo das idéias. Os seus fascinantes estudos sobre serendiptismo não são nada mais do que a tentativa de explicar a produção de conhecimento como sendo um processo cumulativo que tem momentos de descontinuidade somente quando um grupo de ideias conseguem delinear uma nova explicação de um fenômeno natural ou artificial, exatamente como a teoria sobre a ação social. Vem daqui a convicção de que a propriedade intelectual é um fenômeno que paralisa ou inibe o fluxo de ideias, bloqueando assim a inovação necessária da qual as disciplinas do saber, mas também o saber social necessitam.
O volume de Adrian Johns tranca exatamente no aspecto mais espinhoso, ou seja, no modo de produção do conhecimento. Cruzamento que, do contrário, está no centro da crítica da propriedade intelectual depois das "revoluções" do silício e das biotecnologias. Desde então o copyright, as patentes e as marcas são vistas como os dispositivos que não regulam somente a circulação ou o "consumo" de música, filmes, software, mas também a sua produção, levando o fluxo das ideias a quem as canaliza. Deste ponto de vista, as empresas se tornam os rentiers de quem contribui, vivendo ou trabalhando, a sua posição. A pirataria de Adrian Johns é portanto uma importante contribuição para entender o passado da propriedade intelectual. É necessário então pensar em como escrever o livro sobre o presente e o futuro deste conflito entre quem produz conhecimento e quem quer fechá-lo dentro de estreitas delimitações de propriedade intelectual.
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A terra dos piratas além dos recintos do direito autoral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU