25 Janeiro 2011
Impopular entre a maioria dos bolivianos e elogiado pelos mercados e pelas agência de classificação de risco. Foi assim que o governo socialista do presidente Evo Morales iniciou seu quinto ano de uma maneira inusitada. Sua base eleitoral se rebelou contra um aumento repentino de até 83% dos combustíveis no mês passado e forçou Morales a voltar atrás da decisão. O apoio ao primeiro presidente indígena da Bolívia afundou e sua reprovação chegou a 67%, segundo pesquisa recente. Quem o tem aplaudido, no entanto, são analistas de mercado, os mesmos criticados ou vistos com desdém por boa parte dos partidários de Morales.
A reportagem é de Marcos de Moura e Souza e publicada pelo jornal Valor, 26-01-2011.
Um dos responsáveis por esse fenômeno de mão dupla é o ministro da Economia e Finanças Públicas da Bolívia, Luis Alberto Arce Catacora. Criticado por organizações populares, que vinham pedindo sua cabeça desde o "gasolinazo", Arce, de 47 anos, é também o arquiteto da gestão macroeconômica. Área cujos resultados são reconhecidos até pelos críticos.
O país produz superávit fiscais desde o primeiro ano do governo Morales, em 2006. Em 2010 foi de 2%. O período marca, segundo o governo, o primeiro após 66 anos de seguidos déficits. As reservas internacionais beiram hoje os US$ 10 bilhões, cinco vezes mais do que o registrado antes do início do governo. A dívida pública interna caiu de 31% do Produto Interno Bruto (PIB) para 24%; e a dívida externa, de 52% para 15% do PIB. No ano passado, a economia cresceu 4,2%, segundo estima o governo.
"Por isso, Fitch, Moody`s, Standard & Poor`s têm melhorado nossa classificação", disse o ministro ao Valor.
A primeira mudou a classificação do país de B-, em 2005, ano em que Morales foi eleito, para B e depois para B+, no fim do ano passado. Moody`s também pôs o país dois degraus acima; a Standard & Poor`s, um. "E qual a justificativa que eles usaram para subir a Bolívia? Duas coisas: A capacidade das autoridades econômicas para manter a estabilidade macroeconômica e a gestão da dívida, interna e externa", disse Arce.
Foi ele um dos defensores e articuladores da decisão de acabar com os subsídios ao diesel e à gasolina, que por meio de um decreto de 26 de dezembro, elevaram os preços em 83% e 73%. A reação popular à medida foi tamanha que Arce passou a ser um dos mais cotados, segundo estimavam jornais locais, a perder o cargo no último fim de semana, quando todo o gabinete de ministros de Morales pôs seus empregos à disposição para facilitar a vida do presidente em uma eventual reforma que pudesse ajudá-lo a reaver seu apoio. Arce e outros 16 ministros acabaram mantidos. Somente 3 de um total de 20 foram trocados.
Embora não tenha crescido em 2010 a um ritmo tão forte quanto a maioria dos demais sul-americanos, a Bolívia, segundo Arce, está mantendo um avanço mais sustentado. A pobreza vem caindo assim como a informalidade. No período neoliberal - termo que o ministro usa diversas vezes para classificar os governos anteriores a Morales - a abertura à concorrência externa matou diversas fábricas de têxteis e arrasou a produção de alimentos, diz Arce. "A informalidade foi uma defesa do cidadão boliviano contra o neoliberalismo. Na verdade, uma consequência."
Segundo Arce, a fórmula do atual governo foi ampliar o crédito público a micro e pequenos empresários. Foram US$ 170 milhões desde 2007 e mais de 425 mil empregos gerados nessas empresas. "Agora todos os bancos estão emprestando para os micro e pequenos empresários. Gradualmente a informalidade está diminuindo. E por outro lado, os bônus [sistemas de transferência de renda ao estilo Bolsa Família] melhoram a qualidade de vida."
Uma das fragilidades da economia é a inflação. Em dezembro, os preços ao consumidor subiu 1,76% em relação a novembro e deve fechar o ano em até 5%, segundo o Banco Central. Em 2009 - quando apesar da recessão global, o país cresceu 3,7% - a inflação foi de meros 0,26%. Outro grande problema é a escassez de investimentos das empresas petroleiras na exploração de novos poços de gás. O combustível é a maior fonte de divisas do país. Mas as empresas têm se retraído no governo Morales após a nacionalização do setor de hidrocarbonetos, em 2006. O último dado disponível, de 2009, dá conta de um investimento de US$ 271 milhões ante os US$ 865 milhões em 2008.
Formado em economia pela Universidad Mayor de San Andrés, uma das escolas públicas de maior prestígio da Bolívia, Arce diz que sua formação teve forte influência do pensamento marxista, que então dominava o corpo docente. Nos anos 90, fez mestrado em ciências econômicas na Universidade de Warwick, no Reino Unido, onde novamente um professor marxista foi quem marcou mais seus estudos.
Mesmo elogiado por analistas de mercado, Arce parece às vezes resgatar suas antigas lições. "Abandonamos a economia de mercado. Não existe neoliberalismo no país. Existe o controle do Estado sobre a economia", diz ele ao falar de como sob o governo Morales, o Estado ganhou relevo economia, e passou a intervir, por exemplo no câmbio.
"Quando estivemos no fim do ano passado na reunião do FMI, o presidente do Banco Central chileno disse: `Não vou intervir`. Nós aqui [na Bolívia] vamos intervir e intervimos a toda hora."
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Na Bolívia, capitalismo de Evo perde apoio popular - Instituto Humanitas Unisinos - IHU