11 Janeiro 2011
"Que profunda desilusão esse discurso do Papa... Não fala das coisas das quais deve falar. É tudo sociologia, tudo ética, tudo moral. Perde-se em coisas que não contam em nada. Mas que fale, pelo contrário, sobre o escândalo deste mundo! Que fale dos imigrantes que continuam sendo reprimidos! Que fale do escândalo das guerras! Que fale do escândalo de uma geração que está naufragando, com 50% de desemprego juvenil! Que fale dos grandes dramas do ponto de vista do seu testemunho de fé". O filósofo Massimo Cacciari, prefeito de Veneza, está furioso com o discurso do início de ano que Bento XVI proferiu nesta segunda-feira ao corpo diplomático no Vaticano.
A entrevista é de Carlo Brambilla, publicada no jornal La Repubblica, 11-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor Cacciari, o Papa falou de educação sexual nas escolas de alguns países europeus, indicando-a como uma ameaça à liberdade religiosa.
Não sei exatamente a que o Papa se refere. Sei, porém, que um mínimo de educação sexual nas escolas seria tudo menos um mal. Penso em uma informação adequada sobre os riscos que certas práticas sexual perigosas comportam. Penso em um conhecimento do próprio corpo e o do parceiro. Parece-me necessária em um país civil. Exatamente como ser alfabetizado em outros campos.
Talvez o Papa queria uma educação sexual marcada pelos princípios católicos.
Eu gostaria que a educação sexual fosse ensinada sem nenhum princípio. Gostaria de médicos, cientistas, juristas sérios, que me expliquem como é feito o nosso corpo, o que é a prevenção e quais são as leis. Certamente, se a educação sexual deve virar contar piadas, como faz o Chefe de Governo [Berlusconi], então não vale a pena. Seria contrária à moral laica, não só católica.
O Pontífice teme a cultura do aborto...
Mas por favor... Ninguém incita ao aborto. Ninguém acredita que o aborto é um bem.
Ele denuncia leis que limitam o direito à objeção de consciência.
A objeção de consciência em campos eticamente delicados é justa. Mas também é justo, se existe uma lei segundo a qual uma mulher pode abortar em determinadas circunstâncias, que esse direito seja garantido. Não pode haver uma objeção generalizada.
Bento XVI se pronuncia contra o monopólio do Estado sobre as escolas.
E onde está o monopólio do Estado sobre a escola? Em qual país democrático? Certamente não na Itália. No nosso país, me parece que o direito de fazer escolas católicas está garantido.
O tema da segurança para os cristãos no Oriente Médio, porém, é sem dúvida alarmante.
Essa é uma questão muito grande. Fui promotor de abaixo-assinados, anos atrás, sobre esse tema. Disse isso logo depois da amaldiçoada guerra no Iraque. Entre as consequências não menores dessa decisão estaria para os cristãos uma trágica piora das condições gerais de vida. Os cristãos eram uma minoria respeitada no Iraque. A guerra significou o dissolvimento dessas comunidades. Dissemos isso naquele tempo. E onde estavam os Frattini e os Casini? [em referência a Franco Frattini, ministro de Relações Exteriores da Itália, e Pier Ferdinando Casini, líder da União dos Democratas-Cristãos e Democratas de Centro - UDC].
O Papa agradece a Itália pela defesa do crucifixo.
Sobre o crucifixo, graças a Deus, não se fazem guerras. Cada cultura tem os seus símbolos, os seus sinais. E se tem dúvida, talvez, de que o sinal fundamental da cultura europeia, para o bem ou para o mal, é a cruz? Quem pede que ela seja tirada dos lugares públicos deveria se perguntar como é que ela está em todos os lugares. Além do mais, se eu fosse o Papa, seria o primeiro a querer que o crucifixo não fosse exposto em lugares totalmente laicos. Justamente para não banalizá-lo. Que o crucifixo esteja lá onde deve estar: na igreja.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Ratzinger se perde em coisas que não têm valor algum" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU