05 Janeiro 2011
O atentado de Alexandria deve ser entendido no contexto egípcio, onde o impasse político pós-eleitoral e as lutas internas dos movimentos islâmicos premiam quem ataca os cristãos. "Como já ocorreu no Iraque, também no Egito os cristãos tornam-se um objetivo fácil. Sinal, dentre outras coisas, das dificuldades internas da Al Qaeda e dos grupos extremistas semelhantes: não conseguem atacar os ocidentais e o governo local e, então, escolhem vítimas mais próximas, que asseguram, porém, uma boa dose de publicidade".
A reportagem é de Lorenzo Cremonesi, publicada no jornal Corriere della Sera, 02-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fino estudioso do extremismo islâmico, professor de ciências políticas em Paris, Gilles Kepel analisa as notícias que chegam da cena do massacre.
Eis a entrevista.
Como explica esse novo atentado?
Os grupos radicais que se inspiram na Al Qaeda no Oriente Médio fracassaram, não conseguiram mobilizar as massas. Escolhem, portanto, os cristãos como bode expiatório. Exemplo dramático disso foi o atentado contra uma das basílicas mais importantes de Bagdá no dia 31 de outubro. No Egito, porém, apresentam-se algumas particularidades.
Quais?
Aqui, o clima interconfessional se degradou por causa de pelo menos dois fatores. Primeiro, a impossibilidade de eleições livres, como vimos há poucas semanas, o que não deixa espaço para a oposição. Segundo, a crise profunda dos Irmãos Muçulmanos, que queriam desempenhar um papel na política oficial. Não conseguiram, tornam-se enfraquecidos, aproveitam-se os movimentos salafitas.
Pode explicar?
Para buscarem ser aceitos no Ocidente, como alternativa válida ao presidente Hosni Mubarak, os Irmãos Muçulmanos, nos últimos tempos, haviam multiplicado os posicionamentos públicos em favor da comunidade copta. A sua derrota os coloca agora em um beco sem saída. E alimenta o rigorismo doutrinal dos salafitas, a seita so sunismo radical que nasceu no coração da península árabe, oficialmente apolítica, porém, fundamentalmente anticristã, não por acaso hoje muito forte justamente em Alexandria. São os salafitas que atacaram recentemente o Papa copta, Shenuda III, acusando-o de ser responsável pelo retorno à Igreja de duas cristãs convertidas ao islã em circunstâncias nunca esclarecidas.
E o papel da Al Qaeda, que nos últimos meses mais de uma vez ameaçou os cristãos no Oriente Médio?
Ela se aproveita disso. Mubarak já acusou responsabilidades estrangeiras no atentado suicida. Não excluo essa possibilidade. A escolha do tempo e do lugar não são em nada casuais. O Egito está em um momento delicadíssimo. Quem organiza essas ações sabe disso.
Pode traçar um paralelo entre o Egito e o Iraque?
A Igreja copta é infinitamente mais forte hoje do que a iraquiana, mais radicada no país e com profundos laços na diáspora. Falamos de 6 a 8 milhões de pessoas. Em Detroit e em muitas outras cidades norte-americanas, ela conta com comunidades coesas e muito ligadas ao país natal, capazes de condicionar até a política de Washington em algumas ocasiões. Ainda no tempo do presidente Anwar Sadat, foi justamente a mobilização dos coptas norte-americanos que o obrigou a libertar o Papa Shenuda, que havia relegado a prisão domiciliar. É verdade que, no Egito, eles são fortemente limitados na política. Mas não na economia. Por exemplo, Naguib Sawiris, proprietário da Mobinil, a companhia de telefonia nacional mais difundida, é copta. Nada a ver com os cristãos iraquianos, que, em poucos anos, desde 2003, tornaram-se a sombra de si mesmos. Em sua maioria emigrados, fugitivos, uma comunidade perseguida.
O que Mubarak pode fazer para defender os cristãos?
Deverá fazer isso procurando manter um baixo perfil. Senão, os salafitas se aproveitarão disso, por serem especialistas em mobilizar as praças, acusando os cristãos de serem agentes do Ocidente e Mubarak de ser seu servo.
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Os novos alvos da Al Qaeda. Entrevista com Gilles Kepel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU