30 Mai 2007
“Moradas nietzscheanas” é o novo livro da filósofa argentina Mônica Cragnolini. Na obra, Mônica indaga sobre a possibilidade de aproveitar o pensamento nietzscheano para pensar a alteridade sob uma radical diferença. Assim, Mônica lança um novo olhar sobre a subjetividade nietzschiana, se aproxima de problemas como xenofobia e intolerância.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail e com exclusividade à IHU On-Line, Mônica descreve a relação com o outro a partir das idéias de Nietzsche e, ainda, fala da construção da subjetividade, autonomia e alteridade. “Creio que o pensamento de Nietzsche permite dar uma nova luz a estas questões, já que permite a estranheza, sem querer assimilá-la ao `próprio`”, conta a filósofa.
Mônica Cragnolini é Doutora em Filosofia e professora adjunta da Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Baseada nas idéias de Nietzsche, como entende a relação com o outro?
Mônica Cragnolini – Em “Moradas nietzscheanas", trabalho com a idéia de que o pensamento de Nietzsche, que tem sido apresentado durante muito tempo como “individualista”, é preocupado com a alteridade. Num livro anterior a este, “Modos do estranho, alteridade e subjetividade no pensamento pós-nietzscheano", apresento o pensamento do filósofo como hospitaleiro e comunitário. Já em “Moradas", desenvolvo estas idéias a partir da noção de Zwischen. Trata-se de considerar que o pensador que criticou o modo moderno de conceber a subjetividade não poderia pensar o “além-do-homem” (Übermensch) como uma sorte do “super sujeito” representativo e dominador (como interpretou, em parte, Heidegger), mas sim de um modo diferente. Em minha interpretação, a idéia da vontade de poder como estruturação-desestruturação das forças permite a constituição da subjetividade ao modo de um “entre” que chamamos de “mesmo” e o que chamamos de “alteridade”. Por outro lado, o pensamento de Nietzsche “dá lugar” ao estranho, e essa é, segundo meu parecer, a atitude básica para dar acolhida à alteridade; é pensar nos modos do “outro” e não nos modos “do mesmo”.
IHU On-Line – Como a filosofia deste pensador abre o espaço para a construção da subjetividade, da alteridade e da autonomia na contemporaneidade?
Mônica Cragnolini – Eu diria que o pensamento nietzscheano abre um espaço à questão do outro desde a noção de “entre”, que é o modo com que eu interpreto a constituição da subjetividade-alteridade em Nietzsche. Se bem que Nietzsche não utiliza o termo “entre” para referir-se a isto. Creio que a interpretação se torna plausível desde a idéia do desejo de poder como o contínuo movimento de unificação e desagregação das forças, movimento no qual, em virtude da crítica realizada por Nietzsche à noção da subjetividade moderna, já não é possível pensar nos termos de uma “interioridade” (o eu) e uma “exterioridade” (o outro, os outros), sem um “entre” (Zwischen) das forças.
Desde o ponto de vista da crítica da subjetividade moderna, Nietzsche é um crítico da “autonomia” do sujeito (quer dizer, a idéia do sujeito agente que pode programar e calcular a realidade), o que ele pensa por meio dos termos do acaso. O amor fati (amor ao destino) é um modo de declaração do amor à vida e ao acaso e é a tônica vital do “além-do-homem” (Übermensch). Este amor que permite o retorno, que diz “sim” à vida em todos os seus aspectos, inclusive aos mais terríveis, faz a diferença. O pensamento do eterno retorno, no que Nietzsche ressalta a expressão “do mesmo”, é pensamento do suposto "mesmo" que faz a diferença, quebra e rompe a presença. Para se levar em conta a diferença, é necessário romper com a metafísica da presença que domina o pensamento ocidental. Se bem que os animais de Zaratustra anunciam a simples circularidade "do mesmo" no que retorna. É essa circularidade “sem diferença” que dá lugar à prédica da caixa de Pandora (Schopenhauer) e que assinala que “Tudo é vazio, tudo é idêntico, tudo foi”. Desse modo, a decisão de afirmar o retorno é a decisão de quebrar com o "mesmo" (fazer um corte, uma ruptura).
O amor à vida supõe aceitar essa disrupção, essa quebra do mesmo da presença. O “voltar outra vez” que afirma Zaratustra patenteia o caráter paradoxal do eterno retorno: afirma o retorno “do mesmo” justamente para indicar a ruptura da “mesmidade”. A decisão quebra a cadeia da repetição. No entanto, esta “decisão” não é o operar de um sujeito agente que delibera, projeta, ordena e então atua, destino que é o modo de atuar desse Selbst, que Nietzsche caracteriza como um devenir de forças que estão relacionadas em relação ao acaso que acontece. Por isso não existe “autonomia” da decisão no sentido moderno, de modo que a liberdade nietzscheana é a da aceitação do acaso: essa aceitação produz a diferença.
IHU On-Line – Podemos afirmar que a relação de alteridade apresentada em Nietzsche tem o conceito do “inimigo respeitável” à maneira grega? Por quê?
Mônica Cragnolini – Se pensamos na figura do amigo, que Nietzsche caracteriza tão bem em “Assim falou Zaratustra", esta figura supõe uma peculiar tensão entre o amor e o ódio. Afastando-se de toda “identificação” que homologa o outro em si mesmo, Nietzsche explica que a idéia de amizade é uma tensão (que não se resolve, à maneira dialética) entre o amor e o ódio. Devemos “odiar” o amigo, ao mesmo tempo em que o amamos, uma vez que o ódio preserva a distância que impede a homologação. Desse modo, o outro pode permanecer “estranho”, diferente, e portanto, não apropriado nem dominado.
IHU On-Line – Considerando sua interpretação de Nietzche, como interpreta a xenofobia e a intolerância com as diferenças? Como nós podemos entender o paradoxo disso com o alargar-se das possibilidades para sermos diferentes? Deixamos de lado o respeito por quem está se opondo?
Mônica Cragnolini – Creio que o pensamento de Nietzsche permite dar uma nova luz a estas questões, já que permite a estranheza sem querer assimilá-la ao "próprio". Um dos grandes problemas na relação com os estrangeiros tem origem do feito de querer “assimilá-los” aos modos de ser próprios do país no qual são hóspedes. Esta assimilação supõe deixar de lado as “diferenças” para chegar a uma igualdade que sempre é forçada, já que não respeita as particularidades. Existe em “Aurora” um belo parágrafo, o 319, que assinala a importância de manter a estranheza na hospitalidade. Disse Nietzsche: “A hospitalidade – O sentido do costume da hospitalidade é o de paralisar a hospitalidade do estranho. Desde o momento em que o estranho deixa de se sentir como um inimigo diminui a hospitalidade; esta mofa enquanto mofa seu pressuposto malvado”. Aqui, basicamente, se está assinalando que o elemento de hostilidade deve ser mantido para poder seguir sendo hospitaleiro com as diferenças, no lugar de tentar “homologá-las” com as diferenças.
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Nietzsche: uma nova luz sobre a problemática da xenofobia e da intolerância. Entrevista especial com Mônica Cragnolini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU