16 Janeiro 2017
Reforma trabalhista apresentada por Temer em dezembro altera CLT, dá força de lei aos acordos coletivos concretiza reivindicações históricas do empresariado nacional. Centrais sindicais divergem sobre os impactos para os trabalhadores.
A reportagem é de André Antunes, publicada por EPSJV/Fiocruz, 13-01-2017.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, falou em “modernização das relações do trabalho”. Ives Gandra, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), preferiu jogar para a torcida e falou em “golaço” do presidente Michel Temer. O chefe do Executivo, por sua vez, falou em “presente de Natal” para o governo. O alvo de tantos elogios? A proposta de reforma trabalhista do governo, apresentada ao Congresso no apagar das luzes de 2016, durante cerimônia realizada no dia 22 de dezembro em Brasília.
Depois de anunciar a intenção de encaminhar a reforma por meio de uma medida provisória,manobra considerada antidemocrática por centrais sindicais, parlamentares de oposição e juristas, Temer voltou atrás e resolveu apresentar a proposta que introduz mudanças na CLT e em outras leis trabalhistas brasileiras como o projeto de lei 6.787/16, que deverá ser votado pelos parlamentares em regime de urgência. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (PMDB/RJ) já sinalizou, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo no início de janeiro, que a proposta deverá ser aprovada ainda no primeiro semestre, assim como outra prioridade da polêmica agenda do governo para lidar com a crise, a reforma da Previdência.
Entre as principais propostas estão algumas pautas históricas do empresariado nacional representado por entidades como a própria Fiesp e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), como a possibilidade de que as convenções coletivas de trabalho prevaleçam sobre o que diz a legislação, o chamado negociado sobre o legislado. A medida é uma das propostas contidas no documento ‘Ponte para o Futuro’, divulgado pelo PMDB no auge da crise política que culminou na deposição da presidente Dilma Rousseff.
A ideia é que os acordos coletivos possam se sobrepor ao que diz a CLT quando tratarem de algumas questões, como por exemplo a jornada de trabalho. Na legislação atual, a jornada não pode ultrapassar oito horas diárias e 44 semanais; a proposta do governo é que o limite de 44 horas semanais seja mantido, mas o limite diário seja ampliado para 12 horas. A distribuição das horas de trabalho ao longo da semana seria pactuada entre trabalhadores e patrões por meio dos acordos coletivos.
Outro ponto da legislação que seria flexibilizado é o do intervalo para o almoço: hoje a CLT permite que os acordos coletivos estabeleçam a duração do intervalo desde que ele não seja menor do que uma hora; caso seja aprovada no Congresso, a reforma trabalhista proposta pelo governo reduziria para 30 minutos o intervalo mínimo.
Mais um ponto passível de ser estabelecido por meio de acordo coletivo é o parcelamento das férias em até três vezes, com pagamento proporcional às parcelas, e o parcelamento do pagamento da participação nos lucros e resultados das empresas. O projeto ainda amplia os contratos temporários de 90 para 120 dias, prorrogáveis por mais 120. O trabalho parcial, limitado a 25 horas semanais na legislação atual, passaria a ter um limite máximo de 30 horas por semana, sem hora extra, ou 26 horas por semana mais seis horas extras.
A reforma é controversa. No mesmo dia em que o projeto foi apresentado, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), divulgou uma nota em que chamou de “afrontas constitucionais” a prevalência do negociado sobre o legislado. “Isso é uma grande tragédia”, sentencia o presidente da entidade, Germano Siqueira, que argumenta que no modelo de unicidade sindical vigente no Brasil, a medida pode significar a perda de direitos hoje garantidos aos trabalhadores pela CLT. “A unicidade parte de um pressuposto de que na base de um município não pode haver mais de um sindicato por categoria. Só que isso gera alguns sindicatos de perfil apenas cartorial, inativos no sentido político”, explica Siqueira, e completa: “Nesses casos o sindicato fica fragilizado, e com a possibilidade de que o negociado se sobreponha ao legislado poderemos ter convenções coletivas que estabeleçam condições de trabalho inferiores ao que diz a lei. Isso já acontece muito hoje. A aprovação desse projeto significa a redução do status jurídico de proteção dos trabalhadores”, alerta ele.
Mas nem todos pensam dessa forma. Para João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, que junto com a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a Nova Central e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) vem sendo uma das principais bases de apoio do atual governo dentro do movimento sindical, a possibilidade de que os acordos coletivos se sobreponham a legislação é uma medida que fortalece os sindicatos. “Com essa proposta nós estamos saindo da tutela da Justiça do Trabalho. Não é à toa que milhões de processos estão aí. A reforma está dando poder ao sindicato, ao trabalhador, para decidir o que é melhor para ele. Tem gente que vai choramingar falando dos nossos direitos, mas a realidade é que a Justiça é que vai perder poder. Quem vai ter poder é o sindicato. E o sindicato que errar vai ser cobrado pelos trabalhadores”, afirma Juruna.
Segundo ele, a negociação sobre a redução do tempo de alimentação pode servir de exemplo. “Os trabalhadores da nossa base de metalúrgicos têm buscado o sindicato para negociar que o almoço seja de meia hora para que aquela meia hora que sobra durante a semana seja descontada no sábado, para que os trabalhadores não precisem trabalhar no sábado. Têm acordos que foram feitos com o sindicato e a empresa, mas o Ministério Público tem se negado a assinar esses documentos, a fiscalização do trabalho se nega a assinar”, conta.
Germano Siqueira, no entanto, argumenta que atualmente os acordos já permitem eliminar a jornadas aos sábados. “Já existem acordos coletivos há décadas em que você pega as quatro horas do sábado e dilui durante a semana. Então reduzir de uma hora para 30 minutos não tem nada a ver com o sábado”, rebate o presidente da Anamatra. Segundo ele, a CLT estabeleceu o intervalo de uma hora entendendo que esse é o mínimo necessário para que o trabalhador se recupere e possa retornar ao trabalho sem riscos de sofrer um acidente. “Há estudos médicos que dizem que quando você se alimenta, enquanto não se cumpre todo o processo digestivo, seu cérebro não vai funcionar adequadamente, você vai estar com o raciocínio mais lento, os seus reflexos não vão estar recuperados plenamente. A possibilidade de você ter um acidente de trabalho é maior”, aponta. E critica: “Essa lógica de que você tem que retornar ao trabalho o mais rápido possível é a lógica do lucro, da produtividade máxima, em detrimento da proteção à saúde ocupacional. Isso é discurso de patrão. É lastimável que algumas centrais sindicais o comprem”.
O presidente da Anamatra também não concorda com o argumento de que há uma tutela da Justiça do Trabalho sobre os sindicatos. “O direito do trabalho foi construído na ideia de que há um sujeito economicamente mais frágil, que é o trabalhador, e que a intervenção do Estado é importante para superar essa desigualdade. Isso tem sido feito de uma forma muito adequada”, avalia. Segundo Siqueira, o alto número de processos tramitando na Justiça do Trabalho, em sua maioria, diz respeito à falta de pagamento de indenizações devidas aos trabalhadores pelos empregadores no momento da demissão e também pelo não pagamento de horas-extras.
Para o presidente da Anamatra, a proposta de que a jornada de trabalho seja definida em convenção coletiva esconde uma tentativa de reduzir o número de horas-extras devidas aos trabalhadores. “Com isso eu posso administrar a demanda por trabalho na minha empresa e estabelecer, por exemplo, quatro dias de 10 horas e mais um de oito horas, com isso somo 48 horas na semana e pago apenas quatro horas-extras, quando o certo seria pagar as duas horas diárias dos quatro dias anteriores. Isso é uma supressão de horas-extras evidente. Qual é a consequência disso? Uma transferência de renda do trabalho para o capital”, critica.
Siqueira também discorda do argumento muitas vezes usado para defender a reforma das leis trabalhistas sob a justificativa de que ela traria segurança jurídica para as relações de trabalho, repetido pelo presidente do TST, Ives Gandra, na cerimônia de lançamento da proposta. “O presidente do TST não tinha nada que estar ali, e muito menos para dizer que o presidente da República estava fazendo um golaço. O gol feito lá foi um gol contra”.
O juiz avalia que as reformas planejadas pelo governo terão um efeito rebote para a estrutura da Justiça do Trabalho. “A possibilidade de haver um aumento de demanda é muito maior, ainda mais com a aprovação da reforma da Previdência e a ampliação da terceirização. A quantidade de acidentes de trabalho tende a aumentar, a desproteção previdenciária tende a aumentar e, consequentemente, a quantidade de ações na Justiça do Trabalho tende a crescer”, avalia.
A secretária nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Graça Costa, também teme o que a aprovação da proposta pode significar para os direitos dos trabalhadores, especialmente num período de crise econômica. “Nossa Constituição já diz que se o negociado for melhor do que diz a lei prevalece aquilo que é melhor para o trabalhador. Se o empresariado não cumpre nem com a Constituição, vamos flexibilizar para quê? Para fortalecer a negociação?”, questiona, e responde em seguida: “Claro que não. É para tirar direito. E num período de recessão, com o desemprego em alta, de que jeito esses trabalhadores vão chegar à mesa de negociação? Na defensiva, óbvio”.
Na opinião da sindicalista, analisada em conjunto com outras medidas defendidas pelo governo e pelo Legislativo para retomar o crescimento econômico, a proposta de reforma trabalhista desenha um futuro sombrio para a classe trabalhadora brasileira. “O que está em curso é a desregulamentação de toda a legislação de proteção ao trabalho que começou a ser construída oficialmente em 1943 com a CLT”, diz Graça Costa, que não concorda com o argumento de que a reforma trará uma modernização da legislação trabalhista e mais se assemelha a uma ponte para o passado.
“Além desta proposta de ampliação da jornada diária de trabalho, temos hoje vários projetos que nos colocam no caminho para o trabalho escravo: a reforma da Previdência, que estabelece uma idade mínima de 65 anos para aposentadoria, a regulamentação da terceirização, a discussão sobre a flexibilização da Norma Regulamentadora 12 da CLT, que trata da proteção dos trabalhadores com relação a acidentes envolvendo máquinas, o que pode aumentar a quantidade de casos e causar uma subnotificação de acidentes de trabalho. Somando todas essas maldades, estamos caminhando para antes de 1888, para a revogação da Lei Áurea”, sustenta.
No mesmo dia em que foi anunciado o envio da proposta de reforma trabalhista para o Congresso, o governo anunciou outras duas medidas: uma foi uma medida provisória prorrogando até o final de 2017 o prazo de adesão ao Programa de Proteção ao Emprego (PPE), renomeado como Programa Seguro-Emprego. Criado ainda no governo Dilma Rousseff, em 2015, o programa permite que as empresas reduzam em até 30% a jornada de trabalho e o salário de seus empregados mediante uma compensação de 50% do valor da redução salarial paga pelo governo. A outra foi a liberação do saque de contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) inativas até dezembro de 2015. A justificativa foi a de aquecer a economia: o governo projeta que os saques devem injetar na economia cerca de R$ 30 bilhões.
Para o secretário-geral da Força Sindical, as medidas são positivas. “Acho que o PPE ajudou a evitar várias demissões, evitou que as pessoas fossem retirar o Fundo de Garantia, seguro-desemprego. Então tem toda uma conta que foi feita que revelou que é mais positivo fazer esse tipo de acordo para os trabalhadores e para o governo porque mantém o trabalho, mantém os impostos que são cobrados”, avalia Juruna, que também vê como positiva a possibilidade de efetuar saques de contas inativas do FGTS. “Esse dinheiro fica parado lá, rendendo muito pouco. Com esse dinheiro as pessoas podem pagar suas contas, podem colocar esse dinheiro para circular na economia do país”, defende.
Germano Siqueira, contudo, é mais cauteloso. Para ele, a liberação do FGTS é mais uma medida do governo para agradar ao setor empresarial. “Evidentemente é uma medida de proteção ao setor empresarial. O que está se protegendo ai é o mercado de crédito, está se liberando ai um valor muito expressivo para gerar possibilidade de quitação de passivos, de dívidas. Não é tanto pensando no trabalhador, mas sim nos segmentos que têm passivos a receber”, ressalta.
Com relação à prorrogação do PPE, renomeado como Programa Seguro-Emprego, também há críticas por parte de sindicalistas. Em nota, a Intersindical alertou que o programa, que acusou de ser a “versão piorada do PPE”, serve para proteger e assegurar “os interesses do capital em ter cada vez mais condições de diminuir salários e direitos dos trabalhadores”. Para a central, o programa não impediu que as demissões continuassem, uma vez que “os patrões demitiram milhares, antes de aderir ao Programa, ou seja, demitiram, reduziram salários e continuam a demitir”.
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Direitos trabalhistas na berlinda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU