23 Mai 2016
As Bem-aventuranças são os caminhos elevados que nos levam ao Reino dos céus. Percursos ideais e concretos, paradoxais para o senso comum, baseados não em pedidos, mas em promessas, viáveis para todos os pés, até mesmo para os passos do homem e da mulher que vivem no vale e não apenas aos dos escaladores.
A opinião é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 22-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É uma colina com vista para o mesmo panorama que Jesus, há dois mil anos, tinha diante dos olhos. À frente, de fato, estende-se aquele lago de Tiberíades que foi o pano de fundo da primeira fase do seu ministério público na região norte da Terra Santa, a Galileia.
Naquele lago, ele tinha navegado; nas enseadas das suas costas ele tinha falado às multidões, no centro de Cafarnaum, a principal ligação viária para a Síria; tinha estado como hóspede da casa do seu discípulo Pedro; nos prados circundantes tinha atraído tanta gente faminta de pão, mas também de palavras novas; nas colinas que incumbem sobre esse espelho d'água, localizado 212 metros abaixo do nível do mar, ele tinha se retirado totalmente sozinho para rezar.
Em uma dessas alturas, em uma localidade solenemente denominada hoje como Monte das Bem-aventuranças, eleva-se, desde 1937, por iniciativa da associação nacional para ajudar os missionários italianos, que adquiriu também uma ampla área abaixo e organizou um ambulatório para peregrinos (agora transformado e modernizado), um santuário com uma planta octogonal (projetado pelo arquiteto romano Antonio Barluzzi), com o mesmo número de lados das Bem-aventuranças segundo o Evangelho de Mateus.
Na realidade, como veremos, elas são aparentemente nove, mas a última provavelmente é o comentário mais expandido da oitava. Ao basalto preto típico desse território, usado para esse edifício sagrado, contrapõem-se as colunas de travertino de um deambulatório que cerca o templo e que permite que se contemple o panorama abaixo, enquanto as arcadas dessa tribuna em pórticos são de pedra branca de Nazaré.
Quisemos recompor essa paisagem, que é topográfica e espiritual ao mesmo tempo, no rastro dos peregrinos que desejaram identificar esse momento inominado indicado por Mateus (5, 1), como pano de fundo do primeiro dos cinco grandes discursos proferidos por Jesus naquele Evangelho, discurso chamado justamente como "da montanha" (Mt 5-7).
Na realidade, como teremos ocasião de explicar, esse marco geográfico parece ser mais simbólico do que físico. Trata-se do contraponto em relação a outro monte, capital na história bíblica, o Sinai. Assim como daquele cume tinha descido a palavra de Deus que se tornaria a Torá, a Lei por excelência de Israel, assim também desse pico paralelo desce a palavra de Cristo e a sua releitura da Torá.
O cristão "bem-aventurado", portanto, é aquele que eleva o olhar para o alto, para o eterno e o infinito, e escuta uma mensagem contra a corrente, desconcertante e até provocatória. Com muita liberdade, quase se poderia pensar no fim de um filme de Charlie Chaplin, O Grande Ditador (1940), quando o protagonista convida a doce Anna a fixar o céu do qual desce a sua voz: "Anna, você pode me ouvir? Onde quer que você esteja, tenha confiança... Olhe para o alto, Anna".
E as Bem-aventuranças são precisamente os caminhos elevados que nos levam ao Reino dos céus. Percursos ideais e concretos, paradoxais para o senso comum, baseados não em pedidos, mas em promessas, viáveis para todos os pés, até mesmo para os passos do homem e da mulher que vivem no vale e não apenas aos dos escaladores.
Metáforas à parte, uma mensagem destinada para todos. Certamente, no marco inicial da narrativa inicial do texto de Mateus, são os discípulos que cercam Jesus, e essa é a cena retratada de modo delicado e intenso pelo Beato Angelico no afresco do Convento de São Marcos em Florença (imagem acima).
Mas, no fim do Discurso, é toda a multidão que aplaude estupefata (Mt 7,28), como teremos ocasião de dizer. Ou, melhor, um importante teólogo alemão, Thomas Söding, ressaltou que "Jesus não leva em consideração oito ou nove grupos diferentes, mas sempre olha para o mesmo grupo a partir de angulaturas diferentes: é o grupo daqueles que tomam o caminho da fé e se orientam, portanto, a Jesus, que vive as Bem-aventuranças antes de anunciá-las".
É por isso que o Papa Francisco escolheu justamente as Bem-aventuranças como base das três edições da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). A diocesana de 2014 teve como tema a primeira bem-aventurança: "Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus" (Mt 5, 3); em 2015, entrou em cena a sexta bem-aventurança, a dos "puros de coração, porque eles verão a Deus" (Mt 5, 8); por fim, no coração da JMJ de Cracóvia em 2016 domina a quinta bem-aventurança, dedicada aos "misericordiosos, que encontrarão misericórdia" (Mt 5, 7). Ainda em 2013, no Rio de Janeiro, o Papa Francisco exortou os jovens a reler as Bem-aventuranças "com todo o coração", transformando-as em um verdadeiro programa de vida, em uma espécie de estrela-guia que, do lato, orienta os passos no caminho da vida, muitas vezes repleto de pedras ou íngreme nas suas subidas.
E, na Mensagem para a 29º Jornada Mundial da Juventude de 2014, ligada às dioceses individuais, ele tinha reiterado que "as Bem-aventuranças de Jesus são portadores de uma novidade revolucionária, de um modelo de felicidade oposto ao que normalmente é comunicado pela mídia, pelo pensamento dominante".
O evangelista Lucas também conserva as Bem-aventuranças, colocando-as como arquitrave de um discurso mais breve e, tendencialmente, monotemático em relação ao de Mateus (Lc 6, 17-49).
Surpreendentemente, porém, o marco topográfico é outra, o de uma das várias planícies que se abrem ao longo das costas do lago de Tiberíades ou na região da Galileia (Lc 6, 17). Também surpreende o fato de que as Bem-aventuranças, de 8 + 1 como são em Mateus, se comprimem aqui em quatro, bastante homogêneas entre si.
Outro fato chama ainda mais a atenção: elas são associadas com o mesmo número de maldições expressadas através de um "Ai de vós...!" veemente. Para os exegetas, Lucas conserva elementos mais diretamente relacionáveis com o Jesus histórico, tanto em nível da formulação concreta das palavras de Cristo, quanto pelas coordenadas do espaço no qual foram proferidas, isto é, em uma área campestre plana.
Esse é um testamento da qualidade viva da memória de Jesus e sobre Jesus por parte dos evangelistas: eles não a conservaram como uma pedra preciosa fria, mas como uma semente depositada no terreno da história, que brotou, depois, em caule e espiga, especialmente depois da experiência pascal vivida por eles.
Nesse sentido, podemos dizer que ambos os contextos, o monte e a planície, assim como as diferentes formulações da substância das Bem-aventuranças por parte de Mateus e de Lucas, devem ser consideradas como verdadeiros e genuínos no seu significado de base.
E é isso que descobriremos através da nossa viagem textual dentro das 107 palavras gregas (incluindo os artigos e as partículas) da página de Mateus e das 116 (73 para as Bem-aventuranças e 43 para as maldições) do paralelo de Lucas.
A montanha de Mateus, portanto, permanece em todo o realismo da sua força emblemática, tendo sido justamente o símbolo de um componente decisivo na nossa leitura da realidade. É o que poeticamente confessava o escritor Luigi Santucci na sua obra Pellegrini in Terrasanta [Peregrinos na Terra Santa] (1987): "Homem alpino que eu sou, quero continuar acreditando no monte de Jesus. Essa rapsódia revolucionária, que nos exalta nas suas cadências ainda antes que nos conteúdos, para mim, tem ar e sabor de montanha. Quando eu a ouço de novo, na verdade, sinto no fundo um murmúrio de coros de montanha (…) As Bem-aventuranças que Ele proclama levitam só até uma certa altura; e, por isso, Ele subiu, creio eu, para anunciá-las 'no monte'. Aqui nasceram mais inspiradas essas 'regras' da felicidade, porque Jesus mesmo, quando subia aqui em cima, em vista do Seu lago, também encontrava para si a própria bem-aventurança. Bem-aventurados somos nós que, olhando em volta as águas, o campo, as aglomerações humanas que Ele queria bem, vivemos em poucos instantes o anúncio que inverte os homens da confusão à alegria".
Escutemos, então, a mensagem das Bem-aventuranças. A chave musical-espiritual que governa, idealmente, a sua partitura está naquele adjetivo grego makárioi, "bem-aventurados", que abre um horizonte ao qual o nosso coração anseia constantemente, o da felicidade.
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Bem-aventuranças, caminhos de montanha ou de planície que levam ao céus. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU