19 Mai 2020
O escritório de paz e justiça do Vaticano está convidando as comunidades católicas de todo o mundo a se unirem a um movimento de base para trabalhar gradualmente rumo à “sustentabilidade total” na próxima década, um caminho que incluiria a neutralidade de carbono, estilos de vida mais simples e o desinvestimento em combustíveis fósseis.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada em National Catholic Reporter, 17-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A iniciativa foi revelada no dia 16 de maio pelo Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral como parte de um “ano especial de aniversário” planejado para a encíclica social do Papa Francisco, Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum, de 2015.
As notícias foram divulgadas no primeiro dia da Semana Laudato Si’, um evento promovido pelo Vaticano que termina no dia 24 de maio, data de aniversário da encíclica. Agora, a semana dará o pontapé inicial em um calendário completo de eventos até o dia 24 de maio de 2021.
Como parte desses planos, o dicastério esboçou uma “Plataforma de Ação Laudato Si’” plurianual, que, em estágios graduais, convidará dioceses, ordens religiosas, escolas e outras instituições católicas a se comprometerem publicamente com uma jornada de sete anos rumo à conversão ecológica e à “sustentabilidade total”. A esperança é que, começando pequeno, o movimento acabe alcançando uma “massa crítica”, em que cada vez mais partes da Igreja participem ao longo do tempo.
A plataforma de ação está enquadrada em sete “Objetivos Laudato Si’”, fundamentados no conceito de ecologia integral, levantado pela encíclica. Os objetivos holísticos refletem a gama de ensinamentos sociais católicos, e cada um lista exemplos de vários marcos a serem alcançados.
Entre as cerca de duas dezenas de marcos, estão o fato de se tornar neutro em carbono, de defender todas as formas de vida, de adotar estilos de vida simples, de promover celebrações litúrgicas e currículos educacionais ecologicamente centrados e de desinvestir em combustíveis fósseis e em outras atividades econômicas prejudiciais ao planeta ou às pessoas.
A plataforma de ação começaria no início de 2021, convidando um número não especificado de participantes iniciais. O lançamento oficial está agendado para maio do ano que vem. Nesta fase, a plataforma continua sendo um convite, e nenhum participante foi anunciado.
Os participantes representariam sete categorias (famílias, dioceses, escolas, universidades, hospitais, empresas, fazendas, ordens religiosas) e se comprometeriam a cumprir os objetivos em sete anos. O dicastério disse esperar que o número de participantes em cada grupo dobre a cada ano sucessivo. O desenrolar do projeto continuaria até 2030.
“Dessa forma, esperamos chegar a uma ‘massa crítica’ necessária para a transformação social radical invocada pelo Papa Francisco na Laudato si’”, afirma o documento do dicastério.
O padre salesiano Joshtrom Kureethadam, coordenador do setor de Ecologia e Criação do dicastério, disse ao EarthBeat em um e-mail no dia 17 de maio que eles decidiram por uma abordagem de base para a plataforma de ação como uma maneira de refletir a visão da ecologia integral descrita na Laudato si’.
“O nosso horizonte mais amplo é a próxima década e além, quando esperamos inspirar um movimento popular de baixo para cuidar da criação, no espírito da ecologia integral da Laudato si’ e inspirado na liderança do Papa Francisco”, disse Kureethadam.
Não ficou claro imediatamente a partir do documento em que nível o Estado da Cidade do Vaticano participaria da plataforma de ação.
A questão das possíveis participações financeiras do Vaticano em combustíveis fósseis tem repercutido entre católicos e outros ativistas climáticos. Até agora, o banco vaticano não abordou a questão diretamente. Nesse período, mais de 160 instituições católicas, incluindo a Caritas Internationalis, se comprometeram a desinvestir na indústria de combustíveis fósseis.
Os líderes climáticos católicos falam há muito tempo sobre o enorme potencial de a Igreja ser uma força importante no combate ao aquecimento global, mobilizando o 1,2 bilhão de católicos no mundo, aproximadamente 15% da população global, e alavancando o alcance das suas redes. Com a Plataforma de Ação Laudato Si’, o Vaticano parece convidar a Igreja a fazer exatamente isso – e em um estágio crítico para o futuro do planeta.
Os cientistas climáticos têm afirmado que as emissões globais de gases do efeito estufa devem diminuir 45% nesta década, a fim de limitar o aumento médio da temperatura a 1,5ºC, o objetivo central do Acordo de Paris adotado pelas nações apenas alguns meses após a publicação da sua encíclica.
Nos planos para o ano de aniversário da Laudato si’, o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, liderado pelo cardeal Peter Turkson, afirma que as múltiplas “rachaduras no planeta” – o derretimento das calotas polares no Ártico, os incêndios na Amazônia e na Austrália, as condições climáticas extremas e a perda de biodiversidade – “são evidentes e prejudiciais demais para serem mais ignoradas”.
E acrescenta: “Esperamos que o ano de aniversário e a década seguinte sejam de fato um tempo de graça, uma verdadeira experiência de um kairós e um tempo de ‘Jubileu’ para a Terra, a humanidade e todas as criaturas de Deus”.
No livro do Levítico, um ano jubilar ocorria a cada 50 anos, ou “sete vezes sete anos”, e era um período sagrado de restauração, com a libertação dos presos, o perdão das dívidas e o descanso da terra, livre de semeadura ou colheita. “A terra dará seus frutos, comereis a fartar e habitareis em segurança” (Levítico 25,19).
A Plataforma de Ação Laudato Si’ e seus objetivos relacionados se assemelham aos próprios Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. A agenda da ONU estabelece um plano para a comunidade global até 2030 para alcançar 17 objetivos, abordando uma série de questões, entre elas: pobreza, desigualdade, paz, fome, acesso à água, igualdade de gênero, energia limpa e ação climática.
Os sete objetivos Laudato Si’ abordam uma variedade de áreas relacionadas à sustentabilidade e à conversão ecológica:
1. Resposta ao grito da Terra: trabalhar em prol da neutralidade do carbono mediante um maior uso de energia renovável limpa e um uso reduzido de combustíveis fósseis; apoiar os esforços para proteger e promover a biodiversidade e garantir o acesso à água para todos.
2. Resposta ao grito dos pobres: defender a vida humana desde a concepção até a morte e todas as formas de vida na Terra, dando atenção especial aos grupos vulneráveis, como as comunidades indígenas, os migrantes e as crianças em risco de tráfico e escravidão.
3. Economia ecológica: produção sustentável, comércio justo, consumo e investimentos éticos, investimentos em energia renovável, desinvestimento em combustíveis fósseis e limitação de qualquer atividade econômica prejudicial ao planeta ou às pessoas.
4. Adoção de estilos de vida simples: reduzir o uso de energia e de recursos, evitar um único uso dos plásticos, adotar uma dieta mais baseada em vegetais, reduzir o consumo de carne e aumentar o uso do transporte público em vez de alternativas poluentes.
5. Educação ecológica: redesenhar os currículos em torno da ecologia integral, criar consciência e ação ecológicas, promover a vocação ecológica junto a jovens e professores.
6. Espiritualidade ecológica: recuperar uma visão religiosa da criação de Deus, promover celebrações litúrgicas centradas na criação, desenvolver catequese e orações ecológicas, e incentivar mais tempo junto à natureza.
7. Ênfase no envolvimento comunitário e na ação participativa em torno do cuidado à criação em todos os níveis da sociedade, promovendo campanhas de defesa e de base.
Durante meses, o dicastério explorou formas de marcar o aniversário de cinco anos daquela que é considerada a encíclica “divisora de águas” do papa sobre o ambiente e a ecologia humana .
Na Laudato si’, Francisco lançou um “desafio urgente” ao mundo inteiro “para proteger a nossa casa comum”. Ele incentivou o cultivo de uma relação mais profunda com a criação de Deus, junto com ações para enfrentar a multiplicidade de crises ecológicas diante do planeta, incluindo as mudanças climáticas, o desmatamento e as ameaças à biodiversidade que comprometem a sobrevivência de mais de um milhão de espécies de plantas e animais.
A publicação dos planos do dicastério foi atrasada em parte pela pandemia do coronavírus. O documento diz que o aniversário de cinco anos chega “no meio de outro momento divisor de águas”, a pandemia, acrescentando: “A encíclica pode realmente fornecer a bússola moral e espiritual para a jornada para criar um mundo mais cuidadoso, fraterno, pacífico e sustentável”.
“De fato, temos uma oportunidade única para transformar os atuais gemidos e dores de parto nos sinais do nascimento de uma nova forma de viver juntos, unidos no amor, na compaixão e na solidariedade, e de uma relação mais harmoniosa com o mundo natural, nossa casa comum”, diz o documento.
Citando a encíclica, o documento acrescenta: “Na verdade, a Covid-19 deixou claro como todos estamos profundamente interligados e somos interdependentes. Enquanto começamos a imaginar um mundo pós-Covid, precisamos acima de tudo de uma abordagem integral, pois ‘tudo está intimamente relacionado, e os problemas atuais requerem um olhar que leve em conta todos os aspectos da crise mundial’”.
O Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral esboçou um calendário completo de eventos para o ano especial de aniversário da Laudato si’.
Em junho, o dicastério planeja divulgar diretrizes operacionais para outros escritórios vaticanos para implementar a encíclica. No dia 18 de junho, aniversário da publicação da Laudato si’, será realizado um seminário online para avaliar o impacto do texto e o seu rumo futuro.
Outros destaques incluem a “Estação da Criação” (1º de setembro a 4 de outubro), que apresentará uma série de webinars. O encontro “Economia de Francisco” para jovens economistas, originalmente marcado para março, foi reagendado para novembro. O Vaticano também espera realizar a sua terceira mesa redonda no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça. E está planejando ainda um encontro de líderes religiosos na primavera de 2021.
O ano de aniversário terminará com um congresso em Roma e uma performance musical pública do compositor Julian Revie, que combina um coro infantil com trechos da encíclica e cantos de pássaros gravados em partes do mundo que sofrem com a devastação ambiental.
O Vaticano também planeja apresentar a primeira edição dos Prêmios Laudato Si’, que homenagearão as lideranças individuais e comunitárias na vivência da mensagem da encíclica. Os prêmios serão entregues a instituições educacionais, paróquias, dioceses, comunidades religiosas e famílias, além de reconhecer iniciativas de defesa e de ação, de economia, saúde e comunicação.
Projetos adicionais nas obras para o ano de aniversário incluem um documentário sobre a Laudato si’; colaborações com o Plastic Bank; uma rede emergente de institutos acadêmicos sobre a Laudato si’; a Iniciativa Laudato Tree, um projeto com sede na África para plantar um milhão de árvores na região do Sahel; e um concurso de mídia social em torno da leitura da Bíblia.
Também está planejada uma instalação de arte “Laudato Si’ Living Chapel”, que combina plantas raras e metais descartados de carros e barris de petróleo, para promover os valores da paz, do cuidado da criação e da biodiversidade.
O dicastério descreve a sua lista de iniciativas como “aberta” e encoraja as comunidades a conceberem suas próprias ideias ao longo do ano de aniversário.
“Convidamos todos a se unirem a nós”, afirma o documento. “A urgência da situação exige respostas imediatas, holísticas e unificadas em todos os níveis – local, regional, nacional e internacional. Precisamos, acima de tudo, de um ‘movimento popular’ a partir de baixo, uma aliança de todas as pessoas de boa vontade".
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Vaticano convida Igreja a caminhar rumo à “sustentabilidade total” na próxima década - Instituto Humanitas Unisinos - IHU