"É um cenário preocupante em plena pandemia da covid-19, pois se trata de acesso a recursos hídricos, elemento crucial para a população brasileira que se vê à mercê de precários índices referentes à água potável, somando-se a isso a ineficiência do setor de saneamento básico em relação aos índices de perdas do referido líquido", escreve Adrimauro Gemaque, Analista do IBGE, Administrador (graduado em Administração Pública) e Consultor em Política Pública e Articulista, em artigo publicado por EcoDebate, 10-06-2021.
Um dos maiores desafios dos gestores públicos tem sido garantir acesso da população à água potável. Números de 2019 mostram perda de 40%. Caso esse índice venha a ser reduzido para 25% todas as favelas do país poderão receber o precioso líquido por quase três anos.
O cálculo, divulgado dia 31 de maio de 2021, é resultado de um novo estudo do Instituto Trata Brasil em parceria com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento (Asfamas), elaborado pela Consultoria GO Associados e denominado “Perdas de água potável (2021, ano base 2019: desafios para a disponibilidade hídrica e ao avanço da eficiência do saneamento básico”.
O estudo foi feito a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), ano base 2019, contemplando análise das 27 unidades federativas e das cinco regiões do país, bem como das cem maiores cidades – os mesmos municípios do Ranking do Saneamento Básico.
É um cenário preocupante em plena pandemia da covid-19, pois se trata de acesso a recursos hídricos, elemento crucial para a população brasileira que se vê à mercê de precários índices referentes à água potável, somando-se a isso a ineficiência do setor de saneamento básico em relação aos índices de perdas do referido líquido.
A análise do estudo diz em um dos seus pontos: “Em pleno século 21, e no maior país da América Latina, o Brasil ainda registra grande ineficiência na distribuição da água potável pelas cidades. Quase 40% (39,2%) de toda água potável captada não chega de forma oficial as residências do país, o que representa um volume equivalente a 7,5 mil piscinas olímpicas de água tratada desperdiçada diariamente ou sete vezes o volume do Sistema Cantareira – maior conjunto de reservatórios para abastecimento do Estado de São Paulo. Mesmo considerando apenas os 60% deste volume que são de perdas físicas (vazamentos), estamos falando de uma quantidade suficiente para abastecer mais de 63 milhões de brasileiros em um ano, equivalente a 30% da população brasileira em 2019. Esse volume seria, portanto, mais que suficiente para levar água aos quase 35 milhões de brasileiros que até hoje não possuem acesso nem para lavar as mãos em plena pandemia. Poderia também atender, por quase três anos, aos mais de 13 milhões de brasileiros que habitam em favelas”.
O documento prossegue: "Além de atender a este enorme contingente de brasileiros, no que se refere ao impacto ambiental, o volume de água que poderia ser economizado da natureza certamente ajudaria a manter mais cheios os rios e reservatórios espalhados pelo país. Como é de conhecimento de todos, em várias localidades brasileiras estamos vivendo escassez de chuvas e, de acordo com o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), a precipitação deste ano pode ser o menor dos últimos 91 anos colocando em risco os reservatórios de água para abastecimento, mas também os voltados à geração de energia elétrica.
Uma redução dos atuais 40% de Índice Perdas de Faturamento Total para índices próximos a 25%, meta prevista pela Portaria Nº 490 do Ministério do Desenvolvimento Regional, permitiria a economia de um volume da ordem de 2,2 bilhões de m³. Significa que, mesmo se conseguirmos uma redução não tão ambiciosa nas perdas de água, já seria volume suficiente para atender a aproximadamente 39 milhões de brasileiros num ano – número equivalente aos brasileiros historicamente sem acesso”.
Com base no índice de Perdas na Distribuição (IPD), podemos observar que desde 2015 o país vem piorando. De 2015 a 2019 houve um aumento de 2,5 p.p., muito significativo, uma vez que deveria ter baixado, foi o que revelou o estudo.
Evolução do IPD de 2015 a 2019 (Fonte: SNIS 2019 – Elaboração GO Associados)
O estudo também apontou que os indicadores de perdas de água por região não diferem de outros indicadores de acesso ao saneamento quando olhamos regionalmente. A região norte do país, detentora dos piores índices de saneamento, também é onde se registra o maior IPD, com 55,2%, isto é, a região perde mais da metade da água potável produzida. Não muito atrás, a região Nordeste também aponta indicador alto, com 45,7%.
(Fonte: SNIS 2019 – Elaboração GO Associados)
Também foi objeto de investigação do estudo o Indicador de Perda por Ligação. Normalmente, esse indicador nos dá uma análise mais minuciosa da quantidade de litros de água perdida por ligação/dia. No entanto, ele não é necessariamente comparável entre regiões, uma vez que tende a aumentar quanto maior for o volume de água produzido ou quão maior for a taxa de ocupação das residências (número de habitantes por ligação). Por esta razão é importante olhar o conjunto de indicadores das regiões para melhor compreender a real situação das perdas.
Índice de Perdas de Ligação (2019) por regiões (Fonte: SNIS 2019 – Elaboração GO Associados)
Vê-se que o índice de perdas da região Centro-Oeste apresenta o melhor desempenho; a região Norte, o pior. As três demais regiões, bem como o Brasil inteiro, apresentaram índices que oscilam entre 300-350 l/ligação/dia.
Com relação à evolução do indicador de perdas na distribuição, a região que mais apresentou piora no período 2015-2019 foi o Norte com aumento de 0,09 ponto percentual. Novamente uma melhora na região Centro-Oeste, com redução de 0,01 ponto percentual nos anos avaliados.
Índice de perdas na distribuição de 2015 a 2019 por regiões (Fonte: SNIS 2019 – Elaboração GO Associados)
O estudo também abordou os indicadores de perdas de água por estados. Foram analisados dois indicadores, Índice de Perdas na Distribuição e Índice de Perdas por Ligação. Observa-se que o estado de Goiás foi o que apresentou a menor perda, e o Amapá, a maior. 15 unidades da federação apresentam indicadores piores que a média nacional, o que é muito ruim, considerando que a média do Brasil já é preocupante.
Índice de perda na distribuição (%) nas UFs (2019) (Fonte: SNIS 2019 – Elaboração GO Associados)
Esta posição que o Amapá ocupa em último lugar no Ranking no Índice de Perda na Distribuição de Água entre as unidades federativas já foi objeto de análise em março de 2018 no artigo “A solução da água no Amapá pode vir da redução das perdas”. Nele abordei sobre o abastecimento de água no estado e as perdas que ocorriam no processo de abastecimento por meio de redes de distribuição. Naquele ano as perdas chegavam a 70%, ou seja, a cada dez litros produzidos sete ficavam pelo meio do caminho. Como constatamos em 2019, um ano depois, passou para 74%.
Neste contexto, o estudo destaca os ganhos econômicos com a redução das perdas de água potável. Para isso, foram definidos na média nacional três cenários a serem alcançado em 2034, que são: 15% (otimista), 25% (realista), 35% (pessimista). É importante destacar que mesmo a primeira dessas metas ainda se situa acima de índices já alcançados por países como Estados Unidos e Austrália, ou municípios como Nova Iorque, Toronto, Tóquio, Copenhague e Cingapura. Portanto, entende-se que, embora bastante desafiador, é possível alcançar indicadores iguais ou inferiores a 15%. Exceto pelo cenário pessimista, tais objetivos são mais ambiciosos do que o estabelecido pelo Plano Nacional de Saneamento (Plansab) em 2013, que previa um índice de perdas de 31% em 2033. Já o cenário realista tido como base foi estabelecido pela Portaria Nº 490 de 2021 do Ministério de Desenvolvimento Regional – MDR.
Sumário do impacto da redução de perdas (Fonte: SNIS 2019 – Elaboração GO Associados)
Para Édison Carlos, presidente executivo do instituto responsável pela pesquisa, “O Trata Brasil já há alguns anos estuda a situação das perdas de água potável e estamos cada vez mais preocupados, pois os números só pioram. Ao não atacar o problema, as empresas operadoras de água e esgotos precisam buscar mais água na natureza, não para atender mais pessoas, mas para compensar a ineficiência. Em momentos de pandemia e pouca chuva, isso cobra um preço altíssimo à sociedade”.
Portanto, os gestores públicos vivem momentos desafiadores com relação ao abastecimento de água potável. Pois, se a água é um bem essencial, a falta dela terá impactos sociais, econômicos e ambientais. Quanto mais pessoas, há mais consumo de água. Desta forma, daqui a uns anos, o aumento da população sinaliza uma crise hídrica grave. Como vimos, a água má distribuída gera perdas na distribuição e na ligação. A região Norte, mais rica em água, é a que possui os piores indicadores de abastecimento. Então, faz-se necessário um grande investimento na ampliação de abastecimento de água, principalmente em tecnologias visando reduzir as perdas que são muitos significativas.
Ranking do Saneamento Instituto Trata Brasil 2021 (SNIS 2019). Disponível aqui.
GEMAQUE, Adrimauro. A solução da água no Amapá pode vir da redução das perdas. Disponível aqui.