Movimento indígena questiona eficácia das cotas étnico-raciais da USP

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10 Julho 2017

Crítica aponta que avaliação para ingresso na Universidade não contempla educação básica dos povos originários.

Professor Danilo Silva, na Casa de Cultura Indígena, no Instituto de Psicologia. Foto: Marcos Santos/USP.

A reportagem é de José Eduardo Bernardes e publicada por Brasil de Fato, 07-07-2017.

As cotas étnicos-raciais aprovadas pelo Conselho Universitário da USP (Universidade de São Paulo) na última terça-feira (4) contemplaram uma reivindicação histórica do movimento indígena. A partir de 2018, todos os cursos e unidades da Universidade serão obrigados a dedicar, de maneira gradativa até 2021, 50% das vagas de ingresso pelo vestibular da Fuvest para indígenas e também para pretos e pardos (PPI).

Os militantes em defesa dos direitos das etnias indígenas na Universidade, no entanto, apontam que a aprovação das cotas étnico-raciais está longe de resolver os problemas de inclusão na USP. Segundo lideranças do Núcleo de Assuntos Indígenas do Instituto de Geociências da USP (IGC), o método de avaliação para ingresso na instituição, por meio de vestibular, ainda exclui os indígenas, principalmente aqueles que estão nas aldeias.

“A aprovação das cotas na USP é muito importante, mas ela ainda tem suas falhas, porque quando falamos em cotas para indígenas, estamos pensando muito mais nos parentes aldeados, [mas] eles têm o português como segunda língua. Competir pelo PPI geral é totalmente injusto”, afirma Laís Guarani Maxakali, 22 anos, indígena e estudante de Ciências Sociais na Universidade.

Segundo a jovem - que carrega as heranças de povos originários dos avós por parte de sua mãe: avó Guarani e avô Maxakali - a educação indígena é diferente da educação tida como tradicional. “Acho fundamental a reserva de vagas para PPI na Fuvest. Mas elas não são suficientes, nós precisamos de um vestibular diferenciado, para que nossos parentes aldeados também entrem na USP ou em qualquer outra universidade”, afirma a jovem.

“Ainda há questões a serem resolvidas quando se trata da população indígena, da população quilombola e outras populações, que tem uma educação de ensino fundamental e médio diferenciado nas suas comunidades”, aponta o professor Danilo Silva Guimarães, do Instituto de Psicologia da USP, o único docente indígena da Universidade.

“Se essas pessoas que passam toda a sua vida numa educação diferenciada, no momento em que elas vão fazer o vestibular, elas serão cobradas por conteúdo e critérios que são gerais, então certamente essas pessoas vão ter uma dificuldade maior para entrar”, conta o professor, natural de Itanhém, extremo Sul da Bahia e integrante da etnia Maxakali.

Até a aprovação da medida pelo Conselho Universitário, a universidade paulista era a única do estado a não ter adotado a política de cotas para ingresso nos cursos de graduação. A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com assessoria de imprensa da reitoria da USP e a instituição afirmou que não irá se pronunciar sobre a reivindicação do movimento indígena.

Indígenas na academia

No vestibular da Fuvest de 2016, o questionário de inscrição preenchido por 11.094 estudantes, registrou que apenas 0,2% (20) dos inscritos se auto declaravam indígenas. Pardos eram 13.3% (1480), pretos 3.0% (338) e 76.4% (8473) eram brancos.

Além da pouca oportunidade nos espaços acadêmicos - em função dos processos de seleção tradicionais - os indígenas afirmam que são tratados como figuras exóticas, importantes para pesquisa, mas relativamente ignorados no momento de compartir conhecimentos e culturas. Para o professor do Instituto de Psicologia, “historicamente há uma relação muito difícil entre os povos originários do Brasil e a universidade”, diz. “As universidades, por muitos anos, trataram os indígenas como objeto de pesquisa, e não como sujeitos do conhecimento”, explica o docente Maxakali.

As comunidades, afirma Guimarães, se sentem “objetificadas” por um conhecimento acadêmico científico, que atende a valores de uma dada cultura e exclui concepções indígenas. “As ciências iam às comunidades indígenas, iam fazer seus estudos, coletando dados dessas populações, dessas pessoas, e as comunidades não sentiam, muitas vezes, que havia um retorno desse conhecimento para que isso trouxesse alguma melhoria para a vida dessas comunidades”, completa.

Para a estudante Laís Guarani Maxakali, “a visão sobre os povos indígenas é sempre feita sob análises neocolonialistas, mesmo que eles digam que não. Pegam a visão de mundo europeia e analisam os povos indígenas sob essa ótica, e isso é totalmente errado”, reforça a estudante.

Ocupar os espaços da universidade, seja como estudante, como pesquisador, como professor, é adentrar esse mundo exclusivamente europeu, afirma Guimarães. “Tem sido uma reivindicação dos movimentos indígenas, de um lado, entrar em contato com esse conhecimento que é produzido nas universidades e, de outro, também poder incluir outras concepções no campo de reflexões da universidade”.

Guimarães é um dos criadores da Rede de Atenção à Pessoa Indígena. O projeto, que segundo o professor, teve todo o respaldo do Instituto de Psicologia da USP, foi criado em 2012, para fazer visitas às comunidades e escutar as questões e as dificuldades das populações indígenas do estado de São Paulo, especialmente os povos das aldeias Guarani. O projeto foi exitoso e em 2015 se tornou um serviço oferecido pelo Instituto aos indígenas.

“A gente tem entrado em contato com relatos de outros estudantes e de indígenas interessados em ingressar na universidade, que apontam as dificuldades, que são exatamente as dificuldades de acesso. A gente espera que agora comece a ter uma maior possibilidade, que esse acesso aconteça, com a aprovação das cotas”, afirma o professor.

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