24 Março 2022
O polo norte e o polo sul derretendo a toda velocidade e ao mesmo tempo. Duas ondas de calor extraordinárias aumentaram, neste mês de março, as temperaturas no Ártico e na Antártida muito acima do normal: 30 graus a mais no norte e 40 graus no sul.
A reportagem é de Raúl Rejón, publicada por El Diario, 22-03-2022. A tradução é do Cepat.
“Um novo recorde de calor atingiu a estação Concordia, a mais de 3.200 metros de altitude, no leste do continente da Antártida”, anunciava, no último final de semana, o Laboratório J. L. Lagrange, junto ao Centro Nacional de Pesquisa Científica da França e a Universidade Côte d'Azur. O termômetro marcava -11,8 graus no dia 18 de março. “Trata-se de uma temperatura extrema, que está mais de 40 graus acima do normal para esta época do ano”, informaram os cientistas franceses. Pulverizou a alta anterior em 20 graus.
Literalmente na outra ponta do globo terráqueo, no Ártico, recordes de calor também foram batidos neste mês de março. O Instituto Meteorológico da Noruega mediu uma temperatura de 3,9 graus na ilha de Hopen, e 5,5 graus em Ny-Alesund, na ilha de Spitsbergen. Em Hopen, o pico anterior era de 3,6 graus, datado em 1957. Em Ny-Alesund, o recorde era de 5 graus e havia sido medido em 1976, segundo os dados do Instituto.
Os dois registros foram obtidos no arquipélago Svalbard, um grupo de ilhas localizado acima do paralelo 74 N. O círculo polar ártico inicia em 66 N.
“Os dois episódios estão relacionados ao que se chama de rio atmosférico, que transporta ar quente e muito úmido das latitudes médias para os polos”, explica Sergi González, especialista em meteorologia polar da AEMET [Agência Estatal de Meteorologia espanhola]. Este fenômeno “é um foco principal de interesse e pesquisa para entender como esse calor e umidade são transferidos”, acrescenta o meteorologista.
A consequência direta e visível dessas ondas de calor, provocadas pelos rios atmosféricos, é a perda da calota de gelo do planeta nos polos. “A própria umidade cria nuvens muito compactas que não deixam a radiação sair e, assim, é gerada a perda de gelo”, explica González. “Muita perda de gelo”, ressalta.
A interconexão entre um polo norte derretido e a crise climática é cada vez mais sólida. Com menos neve e gelo, o mundo fica mais escuro, absorve mais radiação solar, o que aumenta as mudanças climáticas. Altera-se a corrente de jato que regula o clima no hemisfério norte e as secas, chuvas torrenciais e ondas de calor acabam se multiplicando.
Já faz parte da evidência científica que o aquecimento global da Terra, induzido pelo efeito estufa dos gases emitidos pelas atividades humanas, altera as calotas. “As regiões polares estão perdendo gelo e seus oceanos estão mudando rapidamente”, explica a avaliação sobre a criosfera do IPCC. “As consequências dessa transição polar se estendem a todo o planeta e estão afetando as pessoas de diversas formas”.
No entanto, o que se está estudando é se a própria crise climática influencia nos rios atmosféricos que provocam os picos de calor, como os registrados nos polos por esses dias. “Esta onda de calor, que acompanha a onda de inverno (austral), registrada em julho de 2021, parece indicar um aumento na intensidade desses episódios nos planaltos da Antártida”, analisa a equipe do Laboratório J. L. Lagrange.
O físico e cientista da organização Berkeley Earth, Robert Rohde, ao tomar conhecimento dos dados, chamou a onda de calor na Antártida de “evento estranhamente improvável”. Contudo, acrescentou que “ninguém sabe ainda se é o sintoma de algo a mais que está por vir”.
Sergi González concorda que “é difícil afirmar algo porque a Antártida apresenta uma grande variabilidade. Este caso é tão excepcional que, registrado uma vez, ainda não marca uma tendência”. Porém, a Antártida bateu seu recorde de temperatura total duas vezes, em três dias, durante fevereiro de 2020, ao superar os 20 graus.
Enquanto o sul aparece como uma região de grandes variações, no norte, a relação entre calor incomum durante o inverno e crise climática se fortalece. Os episódios de aquecimento “estão se tornando mais frequentes e duradouros”, segundo concluiu uma equipe da NASA.
As ondas de calor ártico, quando os termômetros sobem acima dos 10 graus negativos, são inerentes ao clima polar sobre a camada de gelo, mas a pesquisa da NASA descobriu que “ocorrem seis picos extras de calor no inverno, na região do polo norte, todos os anos, desde 1980”. A duração dos episódios extremos passou de pouco mais de dois dias para mais de dois dias e meio.
As intrusões de calor no inverno ocorrem quando se está formando a camada de gelo, tanto em extensão como em espessura, sendo assim, tais picos impedem que esse gelo aumente e se expanda, “o que acelera os efeitos do aquecimento global”, alertava a pesquisa.
É justamente em março que o Oceano Ártico se aproxima do seu máximo de gelo, em cada ano. No início deste mês, em 2022, a extensão de gelo estava abaixo da média nos mares de Barents e Okhotsk e perto da média no resto, de acordo com o Centro Nacional de Dados sobre Gelo e Neve dos Estados Unidos, no último dia 8 de março. Resta saber como será a influência da onda térmica que levou os registros de temperatura muito acima da média.
“A extensão de gelo no Ártico diminuiu significativamente desde que existem observações por satélite em 1979”, explica o centro de mudança climática da NASA. “O pior mês é setembro, sendo que os últimos 15 apresentaram os mais baixos índices de gelo, com uma queda média de 13% por década”.
Nesse exato momento, a camada de gelo na Antártida registrou o mínimo de 2022, a menor medida de todas. Caiu pela primeira vez desde que existem dados abaixo de dois milhões de quilômetros quadrados. Na linha de picos e vales, conforme o que foi descrito por cientistas acima, o continente viveu um declínio muito rápido, pois marcou sua maior extensão anual em setembro de 2021.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ondas de calor “extremas” deixam temperaturas 40 graus acima do normal no Polo Norte e na Antártida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU