21 Janeiro 2025
Como se engajar politicamente nestes tempos de destruição sem precedentes? O filósofo quebequense Alain Deneault reflete, nesta entrevista, sobre a ecoangústia que nos domina e como redirecionar essa energia para a ação. Uma pista? As biorregiões.
Alain Deneault é filósofo e leciona na Universidade de Moncton, no Canadá. Ele acaba de publicar Faire que! L’engagement politique à l’ère de l’inouï (Fazer o quê! O engajamento político na era do inédito), publicado pela Editora Lux.
A entrevista é de Hervé Kempf, publicada por Reporterre, 11-01-2025. A tradução é do Cepat.
Por que vivemos tempos inéditos?
Somos submetidos a discursos alarmantes. Os cientistas nos explicam a perda da biodiversidade ao longo de milhões de anos e as mudanças climáticas ao longo de milhares de anos, coisas que não tem paralelo na história. Nesta situação, pensar torna-se quase impossível.
Pensar é comparar, colocar em relação acontecimentos singulares mas análogos, e distingui-los uns dos outros para perceber a especificidade.
E então, não temos ponto de comparação?
Não. Quando colocamos a questão do clima e da perda de biodiversidade, dessas transformações que anunciam crises, catástrofes, abalos graves e numerosos, não sabemos como recorrer a um precedente para pensar sobre isso. Isso é inédito, nunca se tinha ouvido. E é até difícil falar sobre isso. Estamos numa situação não tanto de ecoansiedade, mas de ecoangústia.
Qual é a diferença entre ansiedade e angústia?
A ansiedade consiste em patologias que dizem respeito ao fato de investir sobremaneira em um determinado objeto. Você tem medo, por exemplo, de faltar aos compromissos, tem medo de aglomerações... Você tem ansiedade porque teme algo específico e investe tanto nesse objeto de medo que fica desestabilizado, perde o sono, o apetite...
E a angústia?
A angústia é um sentimento que não tem objeto. Estar angustiado é ser, de certa forma, invadido por afetos desestabilizadores que não têm um objeto específico. E é pior que a ansiedade, porque você não sabe a partir do que trabalhar.
Com as mudanças climáticas ou a extinção da biodiversidade, não se tem um objeto?
A ecoansiedade ocorre quando a preocupação é com algo específico. Por exemplo, um agricultor que teme perder suas sementes devido às secas repetidas, ou alguém que vive no litoral, que teme perder a sua casa.
Mas quando a cadeia alimentar é perturbada, quando perdemos um milhão de espécies, quando o clima muda substancialmente, quando o metano é liberado da crosta glacial que o mantém preso no subsolo – quando olhamos para a questão na sua generalidade, não podemos relacionar isso com nada na história que nos permita ter um parâmetro. Estamos diante do impensável.
Quais são as consequências de não ter um objeto no qual concentrar a sua angústia?
O reflexo de um sujeito pouco informado ou não encorajado será recorrer a objetos substitutos. Ele irá isolar uma questão social quando, claramente, um problema flagrante e inédito estiver bem diante de nós e diz respeito aos próprios seres vivos.
Quando ouvimos um deputado do Reunião Nacional, seja qual for o assunto, num momento ou outro, ele se volta para os migrantes como se esse fosse o único problema. Eliminaremos do campo da legitimidade política os pobres, os ambientalistas, os ativistas, os cidadãos preocupados com o destino dos habitantes de Gaza, e assim por diante.
O extremo centro e a extrema direita defendem um discurso que não consiste em envolver a população num sentido relevante, especialmente à altura deste desafio sem precedentes que é a mudança climática e a perda de biodiversidade. Pelo contrário, dizem que tudo ficaria bem se não existissem esses elementos perturbadores que prejudicam a saúde do corpo comum. Diante disso, o trabalho dos filósofos, dos intelectuais e dos cidadãos, é elaborar objetos condizentes com a época.
A ecologia oferece um objeto substituto?
A dificuldade da ecologia política hoje é precisamente a de não estar em condições de propor um objeto de pensamento que leve à ação. Enfrentamos mudanças técnicas, informáticas, culturais, de gestão e geopolíticas que se aceleram num ritmo tal que é impossível para um cérebro humano acompanhar estas realidades. Portanto, estamos em desordem. E somos solicitados a criar algo que estruture a ação.
Temos que fazê-lo, caso contrário teremos os objetos substitutos da extrema direita.
O que caracteriza o objeto que devemos nos dar? Ele deve ser ao mesmo tempo lúcido e alegre. Por que lúcido? Porque se não for lúcido, não está adaptado à gravidade dos desafios, não está adaptado ao inédito e é apenas substitutivo. Você tem que se dar um objeto que você diga para si mesmo: “ah sim, aí temos alguma coisa, é sério”, no sentido de nos medirmos em relação ao problema.
No seu livro você cita exemplos destes objetos no passado, como o cristianismo na Idade Média, o progresso científico na época do Iluminismo, o socialismo no século XIX.
Para muitas categorias sociais, no século XIX, o socialismo foi estruturante. E não propôs objetos negativos ou privativos como o anticapitalismo, o antiimperialismo, o antirracismo, o decrescimento, o anarquismo, a insubordinação... mas termos que estruturaram a ação. O que não conseguimos encontrar hoje é algo que desempenhe o mesmo papel que esses termos desempenhavam naquela época.
Então, o que fazer? Você inverte a expressão e diz “fazer o que”. Como isso nos ajudará a lidar com o inédito?
Uma situação de angústia, quando a levamos a sério, quando não recorremos ao primeiro objeto substituto que surge, suscita a pergunta: “O que fazer?” Ouvimos essa pergunta em todos os lugares; é surpreendente como ela pulula por aí.
Já não estamos mais na época em que Lênin publicou um livro que era um guia que nos dizia o que fazer de maneira programática, com diretrizes, uma arregimentação, uma autoridade, um partido. No entanto, existe um número extraordinário de livros com o título O que fazer? Como diz Jean-Luc Nancy num livro também intitulado O que fazer?, perguntar-se o que fazer já é fazer, já é comprometer-se.
“O que fazer?” é uma pergunta que anuncia uma causa, um impulso. Ao longo das décadas, a pergunta perdeu sua energia. Porque não há nada a fazer: eles são poderosos demais para nós. Eles têm o exército, o capital, a mídia, o governo.
No fundo, o que entendemos foi que essa questão, que era revigorante e estimulante, também era um empecilho. Por duas razões. É absurdo perguntar-nos o que fazer enquanto fazemos, porque isso nos inibe de nos movermos enquanto nos encontramos nesta situação. Por outro lado, há um problema na fórmula, é o estatuto do “que” que é um pronome interrogativo que convoca um complemento do objeto direto, um objeto, mas que é dado diretamente, como uma instrução.
Então, o que fazer? Isso! A inversão da fórmula “o que fazer” para “fazer o que” tem a virtude de modificar o estatuto do “que”, que passa a ser uma conjunção subordinativa.
Já não estamos mais no tempo de dar receitas, mas do convite: fazer com que aconteça um novo mundo?
Estamos no movimento quando “fazemos o que”. Não há pergunta. Estamos engajados em alguma coisa.
O que estou fazendo contribui para onde queremos ir.
É isso. O modo subjuntivo é o modo das aspirações, das projeções, da esperança. Porque não sabemos exatamente o que esperar. Nós o descobrimos ao mesmo tempo em que tendemos para ele.
Você também tem estado angustiado?
Sim, e muito, a ponto de abandonar as cidades. É preciso ressaltar que ser ecoansioso ou ecoangustiado é um sinal de saúde mental. É importante superar isso. Como? Dando-nos um objeto que nos estimule. Sair da angústia significa mobilizar essa energia que evolui em vão e que nos perturba em benefício de um objeto que vale a pena.
Contornar essa energia negativa?
Sim, é assim que a energia psíquica é gasta. Isto pode ser concretizado numa associação, num coletivo, num jornal. A ideia é colocar essa energia a serviço de um propósito. E na minha opinião, a noção de biorregião é um vetor para essa ação.
O que é uma biorregião?
É um modo de pensamento político que consiste em situar a política nos seres vivos, numa reflexão sobre as dinâmicas específicas do território. Como diz Peter Berg [um teórico das biorregiões], a biorregião se reconhece caminhando e observando sua dinâmica intrínseca. Há um planalto? Existe uma floresta? Montanhas? Um litoral? E as bacias hidrográficas?
A ideia é que uma vez reconhecida toda esta geografia viva, a forma como vive o território e quais são os seus equilíbrios e interações, nos integraremos a ele. Qual é o seu modo de existência?
A biorregião será uma resposta à conjuntura que vai prevalecer. Há um imperativo que consiste numa contração geopolítica da escala da globalização ultraliberal para aquela da região. Ela corre o risco de se impor de forma brutal, como em Valência, na Espanha, onde ocorreram grandes enchentes e as pessoas ficaram entregues à própria sorte.
Então, temos que compreender o território que habitamos, temos que valorizá-lo porque agora dependemos dele. Não dependem mais de um regime de produção extremamente complexo onde as amêndoas são trazidas da Califórnia, ou as uvas da África do Sul.
Tomando novamente o exemplo de Valência, talvez se tivessem tido a concepção da biorregião, não teriam coberto de asfalto conjuntos habitacionais e zonas industriais repletas de locais onde a água, de repente, já não poderia correr. Eles teriam levado em conta a vida do rio.
Claro, porque teriam cuidado melhor do lugar onde vivem, porque teriam compreendido até que ponto dependem dele. Se você vive num espaço do qual sabe que depende, no qual convive, que reabilita, sabe que está ligado a pessoas que conhece. E o que você descobre? Que você é interdependente das pessoas ao seu redor e do solo que habita, porque, em última análise, é ele que lhe oferece as condições de vida.
Não se pode associar a biorregião à ideia de autonomia?
O conceito de biorregião adapta-se ao que a história nos fará passar. Vamos passar por momentos difíceis em todo o mundo. Vamos viver tempos exigentes e é importante que uma vanguarda esteja informada destes conceitos, desta história, que seja capaz de mobilizá-los no momento certo. Isto é, numa situação de crise, quando a maioria dos nossos concidadãos terá a atenção necessária para ouvir falar do assunto. E isto, para que não seja o neofascismo provinciano a vencer.
Porque a angústia, o pânico, o desânimo são terrenos férteis para diferentes formas fascistas. O importante é, portanto, formar uma vanguarda. Uma vanguarda radicalmente nova, que consiste simplesmente em estar pronto quando chegar a hora de despertar a ajuda mútua, de suscitar o respeito, de despertar o cuidado, criando um espaço que será aquele ao qual nos descobriremos reduzidos.