04 Outubro 2024
Condenados a longuíssimas penas de prisão pelos crimes cometidos durante a ditadura Pinochet, um grupo reduzido de oficiais desfruta de várias regalias numa prisão que mais parece um clube de campo, tendo a seu serviço alguns jovens soldados. Quando um dos oficiais dá uma entrevista, suas declarações causam furor e eles correm o risco de serem transferidos para uma prisão comum - o que gera inquietação entre eles. Nos cinemas.
O comentário é de Neusa Barbosa, publicado por Cineweb, 16-09-2024.
O infinito e necessário acerto de contas com as memórias da ditadura Pinochet no Chile instigam o drama Prisão nos Andes, filme de estreia do diretor Felipe Carmona. O cenário é uma prisão que é praticamente um retiro bucólico para cinco oficiais de alta patente, condenados a longuíssimas sentenças por seus crimes cometidos contra os direitos humanos entre 1973 e 1990.
Esta incrível prisão exclusiva realmente existiu em dependências do exército chileno, com direito a churrascarias e piscinas, como no filme. Mas Carmona, que escreve o roteiro juntamente com Alejandro Fadel, permite-se a liberdade de imaginar instalações ainda mais luxuosas para os cinco envelhecidos militares, o que, cinematograficamente, permite estabelecer melhor os privilégios de que estes impenitentes criminosos desfrutam, contando com a fotografia precisa do brasileiro Mauro Veloso.
Como aposentados em férias, os detentos fazem ginástica ao ar livre, cuidam de pássaros, passeiam por bosques, leem suas revistas preferidas e regalam-se com alimentos e bebidas refinadas - das quais nenhum presídio convencional disporia, mas a eles são entregues regularmente. Os soldados que, em tese, os vigiam, comportam-se muito mais como subordinados a serviço de seus caprichos. Dos prisioneiros, só se exige que permaneçam ali mas até mesmo uma breve saída eventual pode ser permitida com licenças especiais.
Toda essa ordem quase surreal, construída numa atmosfera de absurdo que toma emprestado um toque de Luis Buñuel, é repentinamente ameaçada quando um dos militares, numa entrevista à TV, desnuda candidamente o mundo de privilégios em que ali vivem - além de reiterar a total ausência de arrependimento de qualquer crime cometido, já que ele insiste que apenas cumpriram ordens.
Embora nada surpreendente, dados os precedentes de todos estes personagens, a entrevista repercute mal lá fora. Por isso, os oficiais temem perder sua gaiola dourada, sendo transferidos a uma temida prisão sem os mesmos privilégios. A revolta pela sinceridade inoportuna da entrevista leva a uma surda disputa entre os detidos, que veem emergir uns contra os outros instintos ferozes que eles reservavam aos que consideravam inimigos do regime.
Este clima de pesadelo é a metáfora perfeita para um retrato de chacais, permitindo uma incômoda intimidade com aqueles que se pode perfeitamente descrever como monstros.
Coprodução entre o Brasil e o Chile, o filme serve como reflexão sobre os rescaldos de uma guerra suja ainda tão recente sobre cujas memórias e consequências ainda há tanto que esclarecer. Mas sobre os alvos do filme de Carmona não há nenhuma metáfora, já que ele recorreu a nomes reais, inclusive de alguns oficiais ainda vivos, para batizar seus personagens.
Ficha técnica:
Nome: Prisão nos Andes
Nome original: Penal Cordillera
Ano: 2023
País: Chile
Gênero: Drama
Duração: 105 minutos
Classificação: 16 anos
Cor da filmagem: Colorido
Direção: Felipe Carmona
Elenco: Andrew Bargsted , Hugo Medina , Bastián Bodenhöfer
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Prisão nos Andes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU