21 Outubro 2023
"O que aconteceria se a temperatura global aumentasse 1,5 graus centígrados, de que aliás estamos perto? Tais ondas de calor serão muito mais frequentes e mais intensas. Se se superarem os 2 graus, as calotas glaciais da Groenlândia e de grande parte da Antártida derreter-se-ão completamente, com consequências enormes e muito graves para todos", escreve Luigi Togliani, físico italiano, em artigo publicado por Settimana News, 17-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na conclusão do Tempo da Criação 2023, oito anos e meio após a publicação da encíclica Laudato si', o Papa Francisco com sua exortação apostólica Laudate Deum convida-nos urgentemente a refletir novamente sobre a nossa relação com a “casa comum”. Por quê? Porque “não estamos reagindo de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura” e “não há dúvida que o impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos” (LD 2).
O Papa parte das consequências da crise climática global, facilmente observáveis por qualquer um: “Por muito que se tente negá-los, escondê-los, dissimulá-los ou relativizá-los, os sinais da mudança climática impõem-se a nós de forma cada vez mais evidente. Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenômenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis de uma doença silenciosa que nos afeta a todos. [...]. Mas é possível verificar que certas mudanças climáticas, induzidas pelo homem, aumentam significativamente a probabilidade de fenômenos extremos mais frequentes e mais intensos. Pois, sempre que a temperatura global aumenta 0,5 grau centígrado, sabe-se que aumentam também a intensidade e a frequência de fortes chuvas e inundações em algumas áreas, graves secas em outras, de calor extremo em algumas regiões e fortes nevascas ainda em outras. […] O que aconteceria se a temperatura global aumentasse 1,5 graus centígrados, de que aliás estamos perto? Tais ondas de calor serão muito mais frequentes e mais intensas. Se se superarem os 2 graus, as calotas glaciais da Groenlândia e de grande parte da Antártida derreter-se-ão completamente, com consequências enormes e muito graves para todos" (LD 5).
Essas declarações são a transcrição precisa do sexto relatório do IPCC publicado em 2021 e intitulado “The Physical Science Basis”. No ponto A.1 do relatório afirma-se que “é inequívoco que a influência humana tenha aquecido a atmosfera, os oceanos e a terra”: a figura 1 mostra a temperatura média global registada de 1850 a 2020 e a temperatura que se teria sem causas antrópicas.
Figura 1. Tendência da temperatura média global. (IPCC, Relatório 2021)
E em B.2.2: “Cada aumento de 0,5°C na temperatura média global provoca aumentos tangíveis na intensidade e frequência de extremos de calor, incluindo ondas de calor, precipitações intensas, bem como secas agrícolas e ecológicas em algumas regiões”.
O relatório apoia cada afirmação com uma série de dados científicos obtidos a partir de medições precisas, a partir dos quais é possível construir cenários futuros sobre a evolução do clima em comparação com o período de referência 1850-1900.
Na figura 2 podem se ver as distribuições regionais do aumento da temperatura e as variações percentuais da precipitação no caso de um aumento na temperatura média de: 1,5°C, 2°C, 4°C. Como se pode verificar, a zona mediterrânea aquecerá mais e terá períodos de seca mais longos do que a média terrestre, enquanto as geleiras polares tenderão a derreter. A recomendação e esperança é não exceder um aumento médio global de 1,5°C em comparação com o período de referência.
Figura 2. Cenários relativos a temperatura e precipitações. (IPCC, Relatório 2021)
O desequilíbrio climático baseia-se num grave desequilíbrio social: “uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre de toda a população mundial e que a emissão pro capite dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres” (LD 9) .
A agência da ONU PNUA, no seu “Emissions Gap Report 2022”, afirma que as emissões de gases com efeito de estufa (GHG emissions) são altamente desiguais nos vários países do mundo. A Figura 3 mostra as emissões de GHG per capita nos 7 países que mais emitem no mundo, expressas em toneladas equivalentes de CO2, com os EUA e a Rússia emitindo mais do dobro da média mundial e a China quase atingindo esse valor.
Figura 3. Os sete países com as maiores emissões per capita em 2020. (UNEP, Emissions Gap Report 2022)
As emissões levam a um aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera que provoca o aquecimento global: “manteve-se estável até ao século XIX: abaixo das 300 partes por milhão em volume. Mas a meados daquele século, em coincidência com o progresso industrial, as emissões começaram a aumentar. Nos últimos cinquenta anos, o aumento sofreu uma forte aceleração, como atesta o observatório de Mauna Loa que efetua, desde 1958, medições diárias do dióxido de carbono. Eu estava escrevendo a Laudato si', quando se atingiu o máximo histórico – 400 partes por milhão – chegando, em junho de 2023, a 423 partes por milhão. Considerando o total líquido das emissões desde 1850, mais de 42% ocorreu depois de 1990" (LD 11).
Os dados médios mensais fornecidos pelo Laboratório de Monitoramento Global (GML) de Mauna Loa (Havaí) e pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) são mostrados na figura 4: o aumento na concentração de CO2 é inequívoca e acompanha o aumento da temperatura média global.
Figura 4. Concentração de CO2 na atmosfera de 1958 até hoje. (GML-NOAA, Mauna Loa)
A crise climática agravou-se particularmente nas últimas décadas: “nos últimos cinquenta anos, a temperatura aumentou a uma velocidade inédita, sem precedentes nos últimos dois mil anos. No referido período, a tendência foi um aquecimento de 0,15 graus centígrados por decênio, o dobro do registado nos últimos 150 anos. De 1850 até hoje, a temperatura global aumentou 1,1 graus centígrados, fenômeno que se amplifica nas áreas polares. A este ritmo, é possível que, dentro de dez anos, tenhamos alcançado o limite máximo global de 1,5 graus centígrados. O aumento não se verificou apenas na superfície terrestre, mas também a vários quilômetros de altura na atmosfera, na superfície dos oceanos e mesmo a centenas de metros de profundidade. Isso aumentou também a acidificação dos mares e reduziu os seus níveis de oxigênio. As geleiras retraem-se, a cobertura de neve diminui e o nível do mar aumenta constantemente. É impossível esconder a coincidência desses fenômenos climáticos globais com o crescimento acelerado das emissões de gases com efeito estufa, sobretudo a partir de meados do século XX [...].
Vejo-me obrigado a fazer essas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja Católica. Mas não podemos continuar a duvidar que a razão da insólita velocidade de mudanças tão perigosas esteja nesse fato inegável: os enormes progressos conexos com a desenfreada intervenção humana sobre a natureza nos últimos dois séculos. Os elementos naturais típicos que provocam o aquecimento, como as erupções vulcânicas e outros, não são suficientes para explicar a percentagem e a velocidade das alterações registadas nos últimos decênios. A evolução das temperaturas médias da superfície não pode ser sustentada sem a influência do aumento de gases com efeito estufa." (DL 12, 13, 14).
Conceitos afirmados no Synthesis Report 2023 do IPCC. No ponto A.2 diz-se que: “Estamos assistindo a mudanças generalizadas e rápidas na atmosfera, nos oceanos, na criosfera e na biosfera. As alterações climáticas causadas pelo homem já estão provocando fenômenos meteorológicos e climáticos extremos em todas as regiões do mundo. Isso tem causado impactos adversos e consequentes perdas e danos às pessoas. As comunidades vulneráveis que historicamente menos contribuíram para as alterações climáticas sendo atingidas de maneira desproporcional”.
O Papa acrescenta: “Já são irreversíveis, pelo menos durante centenas de anos, algumas manifestações desta crise climática, como o aumento da temperatura global dos oceanos, a acidificação e a redução do oxigênio. As águas dos oceanos possuem uma inércia térmica, sendo necessário séculos para normalizar a temperatura e a salinidade, com consequências para a sobrevivência de muitas espécies. Este é um sinal, entre muitos, do fato que as outras criaturas deste mundo deixaram de ser nossas companheiras de viagem para se tornar nossas vítimas. […] O fenômeno do degelo dos polos não poderá ser invertido durante centenas de anos. Quanto ao clima, há fatores que perduram durante longo tempo, independentemente dos eventos que os desencadearam. Por este motivo, já não podemos deter os danos enormes que causamos. Temos tempo apenas para evitar danos ainda mais dramáticos” (LD 15,16).
Na base dessa degradação do ambiente, como já observado na Laudato si', existe o paradigma tecnocrático, “um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar, como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia. Daqui passa-se facilmente à ideia de um crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia” (LD 20; LS 101-106).
Em vez disso, é preciso perceber que “um ambiente saudável é também o produto da interação humana com o meio ambiente, como sucede nas culturas indígenas e aconteceu durante séculos em várias regiões da terra. Muitas vezes os grupos humanos “criaram” o meio ambiente, remodelando-o de algum modo sem o destruir nem pôr em perigo. O grande problema atual é que o paradigma tecnocrático destruiu esta relação saudável e harmoniosa” (LD 28).
Se não quisermos avançar para uma degradação irreversível do nosso ecossistema, temos que inverter o rumo e promover ações concretas, fortes e rápidas para mitigar, tanto quanto possível, as alterações climáticas e, ao mesmo tempo, adaptar-nos às condições climáticas que estão se determinando. São importantes tanto a conduta individual como a coletiva das pessoas, adotando estilos de vida sustentáveis com o ambiente e solidários com a grande parte da humanidade que sofre dramaticamente com as violências exercidas pelo homem na terra, quanto os acordos entre os governos das nações numa perspectiva de um novo multilateralismo que surge de baixo (DL 37-38).
As conferências internacionais sobre o clima, que se realizam desde 1992, conduziram a progressos e fracassos, muitas vezes causados pela falta de acordos vinculantes para salvaguardar o ambiente. O sonho é que a próxima COP28 marcada para novembro de 2023 no Dubai “leve a uma decidida aceleração da transição energética, com compromissos eficazes que possam ser monitorizados de forma permanente. Esta Conferência pode ser um ponto de virada, comprovando que era sério e útil tudo o que se realizou desde 1992; caso contrário, será uma grande desilusão e colocará em risco quanto se pôde alcançar de bom até aqui” (LD 54).
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A base científica da “Laudate Deum”. Artigo de Luigi Togliani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU