26 Julho 2023
"Pode-se e deve-se olhar para a velhice de uma maneira nova. É o tempo da liberdade, dos relacionamentos gratuitos, o tempo do amor e da amizade desinteressada, o tempo para acertar as contas com a nossa fraqueza e ajudar até mesmo aqueles que não são idosos a não ter medo dela".
O artigo é de Marco Impagliazzo, presidente da Comunidade de Santo Egídio, em artigo publicado por Avvenire, 23-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O profeta Isaías indica-nos um ideal de vida: “Não haverá mais nela criança que viva somente alguns dias, nem velho que não complete os seus dias. Porque morrer aos cem anos será morrer ainda jovem". A plenitude da vida - nessa passagem da Escritura - é alcançada quando idosos, aos cem anos de idade.
Hoje é possível chegar a essa idade cronológica, mas nem sempre é acompanhada pela plenitude (que sem dúvida inclui a paz) que a palavra bíblica exprime. A longa vida, na Bíblia, isso é uma bênção. Não é assim em nossa cultura. Poderá tornar-se assim se a pessoa amadurecer uma consciência comum, a ser traduzida em programa social: não é apenas uma questão religiosa e cultural. Sem tudo isso, a bênção dos cem anos pode se transformar numa maldição.
O III Dia Mundial dos avós e dos idosos, criado pelo Papa, que hoje se celebra, tem um título significativo: "De geração em geração a sua misericórdia". A bondade do design de Deus se manifesta a cada geração e é transmitida de geração em geração. É por isso que Francisco recorda com frequência a riqueza inerente ao encontro entre jovens e idosos. É um lembrete decisivo para o futuro de nossas sociedades que envelhecem e, muitas vezes, deixam sozinhos os idosos. Que na Itália são um povo inteiro, quatorze milhões de pessoas com mais de 65 anos, nove dos quais vivem sozinhos ou como casal. Para muitos deles, a sociedade falha em fornecer respostas adequadas.
Os investimentos sociais e humanos são escassos e o risco de passar os últimos anos de vida longe de casa, na amarga solidão das instituições, é alto.
No contexto contemporâneo, a vida longa nem sempre é uma bênção, enquanto no passado a longa experiência de vida representava um grande valor. Os idosos eram considerados sábios. Hoje se pensa que são as outras idades da vida que devem ser valorizadas, e a pergunta sobre como entender e reafirmar o valor da velhice constitui uma das grandes questões humanas e sociais da contemporaneidade. A prova dessa necessidade parece vir também de contextos mais distantes, como o continente africano, onde por muitas gerações o idoso foi considerado o guardião da sabedoria e da história da comunidade, elemento indispensável de equilíbrio e garantia: “Quando morre um idoso, queima-se uma biblioteca”, diziam. Hoje tal consciência parece esmorecer.
Nas metrópoles, assim como nos vilarejos, os idosos, cada vez mais numerosos apesar das carências dos sistemas de assistência social e sanitária daqueles países, começam a ser considerados estranhos, estrangeiros, até mesmo perigosos. O que muitos não conseguem ver é que na velhice não se vive de menos, mas se vive de maneira diferente. A terceira e a quarta idade podem ser o tempo de disponibilidade, uma dimensão muito rara em nossas vidas tão ocupadas, ou seja, o tempo para se dedicar aos outros, mesmo que apenas aos familiares mais jovens. Há muitas coisas que podem ser feitas pelos outros, desde o menor gesto até a maior dedicação. Gratuitamente.
Arrigo Levi escreveu algumas palavras esclarecedoras sobre o assunto há alguns anos: “Há mais tempo para amar, na terceira idade e na velhice. Mais do que já tivemos antes. Há talvez ainda mais necessidade de amar e ser amados. Alguns laços de amor, se os revezes de destino assim quiserem, se quebram, e pode parecer que não vale mais a pena viver. Mas se oferecem, até de forma inesperada, novas oportunidades de dar provas de amor aos que estão perto e é preciso pegá-las. Na mente e no coração, na verdade, há mais espaço para o amor – e também para reavivar amor – do que jamais houve antes.”
O Papa Francisco falou da velhice como uma época de dom e diálogo. Uma época em que viver a dimensão da gratuidade e, portanto, da inteligência do coração. Ele vê os idosos “portadores não só de necessidades, mas também de novas instâncias, ou ecoando a Bíblia, de sonhos – que os idosos sejam sonhadores – sonhos, porém, cheios de memória, não vazios, vãos, como aqueles de algumas propagandas; os sonhos dos idosos são impregnados de memória e, portanto, fundamentais para o caminho dos jovens, porque são as raízes". Gratuidade, dom, mas também diálogo entre as gerações.
A mensagem é precisamente esta: pode-se e deve-se olhar para a velhice de uma maneira nova. É o tempo da liberdade, dos relacionamentos gratuitos, o tempo do amor e da amizade desinteressada, o tempo para acertar as contas com a nossa fraqueza e ajudar até mesmo aqueles que não são idosos a não ter medo dela. É a idade que restitui o primado do ser sobre o ter e que tem muito a ensinar às nossas sociedades, globalizadas, mas ao mesmo tempo tão pobres de pontos de referências.
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O terceiro tempo da gratuidade. A verdadeira riqueza da velhice - Instituto Humanitas Unisinos - IHU