Em seu discurso em italiano, o papa, iniciando um novo ciclo de catequeses sobre a velhice, centrou a sua reflexão no tema “A graça do tempo e a aliança das idades da vida” (leitura: Gálatas 3,1-2.5).
O discurso foi publicado pela Sala de Imprensa da Santa Sé, 24-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Caros irmãos e irmãs, bom dia!
Terminamos as catequeses sobre São José. Hoje, começamos um caminho de catequeses que busca inspiração na Palavra de Deus sobre o sentido e o valor da velhice. Façamos uma reflexão sobre a velhice.
Há algumas décadas, essa idade da vida diz respeito a um verdadeiro “novo povo” que são os idosos. Nunca fomos tão numerosos na história humana. O risco de sermos descartado é ainda mais frequente: nunca foram tão numerosos quanto agora, nunca houve o risco de serem descartado como agora. Os idosos são vistos muitas vezes como “um peso”.
Na dramática primeira fase da pandemia, foram eles que pagaram o preço mais alto. Eles já eram a parte mais fraca e negligenciada: não os olhávamos muito como vivos, nem sequer os vimos morrer. Encontrei também esta “Carta pelos direitos dos idosos e os deveres da comunidade”: foi editada pelos governos, não foi editada pela Igreja, é uma coisa secular: é boa, é interessante para saber que os idosos têm direitos. Fará bem lê-la.
Junto com as migrações, a velhice está entre as questões mais urgentes que a família humana é chamada a enfrentar neste tempo. Não se trata apenas de uma mudança quantitativa. Está em jogo a unidade das idades da vida: ou seja, o verdadeiro ponto de referência para a compreensão e a apreciação da vida humana na sua inteireza.
Perguntemo-nos: existe amizade, existe aliança entre as diversas idades da vida ou prevalecem a separação e o descarte? Todos vivemos em um presente em que convivem crianças, jovens, adultos e idosos. Mas a proporção mudou: a longevidade tornou-se massiva, e, em amplas regiões do mundo, a infância está distribuída em pequenas doses.
Também falamos do inverno demográfico. Um desequilíbrio que tem muitas consequências. A cultura dominante tem como único modelo o jovem-adulto, isto é, um indivíduo que se faz por si mesmo e permanece sempre jovem.
Mas é verdade que a juventude contém o sentido pleno da vida, enquanto a velhice representa simplesmente o seu esvaziamento e a sua perda? Isso é verdade? Só a juventude tem o sentido pleno da vida, e a velhice é o esvaziamento da vida, a perda da vida? A exaltação da juventude como única idade digna de encarnar o ideal humano, unida ao desprezo pela velhice vista como fragilidade, como degradação ou deficiência, foi o ícone dominante dos totalitarismos do século XX.
Esquecemos isso? O prolongamento da vida incide de maneira estrutural sobre a história dos indivíduos, das famílias e das sociedades. Mas devemos nos perguntar: a sua qualidade espiritual e o seu senso comunitário são objeto de pensamento e de amor coerentes com esse fato? Será que os idosos devem pedir desculpa pela sua obstinação em sobreviver às custas dos outros? Ou podem ser honrados pelos dons que trazem ao sentido da vida de todos?
De fato, na representação do sentido da vida – e precisamente nas chamadas culturas “desenvolvidas” – a velhice tem pouca incidência. Por quê? Porque é considerada uma idade que não tem conteúdos especiais a oferecer, nem significados próprios para viver. Além disso, falta o encorajamento das pessoas para procurá-los, e falta a educação da comunidade para reconhecê-los.
Em suma, para uma idade que já é uma parte determinante do espaço comunitário e se estende a um terço da vida inteira, há – às vezes – planos de assistência, mas não projetos de existência.
Planos de assistência, sim; mas não projetos para fazê-los viver em plenitude. E isso é um vazio de pensamento, de imaginação, de criatividade. Sob esse pensamento, o que gera o vazio é que o idoso e a idosa são material de descarte: nessa cultura do descarte, os idosos entram como material de descarte. A juventude é belíssima, mas a eterna juventude é uma alucinação muito perigosa.
Ser velho é igualmente importante – e belo – quanto ser jovem. Lembremo-nos disso. A aliança entre as gerações, que restitui ao humano todas as idades da vida, é o nosso dom perdido e devemos retomá-lo. Ele deve ser encontrado, nesta cultura do descarte e nesta cultura da produtividade.
A Palavra de Deus tem muito a dizer a propósito dessa aliança. Há pouco escutamos a profecia de Joel: “Os vossos anciãos terão sonhos, os vossos jovens terão visões” (3,1). Pode-se interpretar assim: quando os idosos resistem ao Espírito, sepultando os seus sonhos no passado, os jovens não conseguem mais ver as coisas que devem ser feitas para abrir o futuro.
Por outro lado, quando os velhos comunicam os seus sonhos, os jovens veem bem o que devem fazer. Os jovens que não interrogam mais os sonhos dos velhos, mirando de cabeça baixa para visões que não vão além dos seus narizes, custarão a carregar o seu presente e a suportar o seu futuro. Se os avós se curvarem sobre as suas melancolias, os jovens se curvarão ainda mais sobre os seus smartphones. A tela pode até permanecer ligada, mas a vida se apaga antes do tempo.
O contragolpe mais grave da pandemia não está justamente na desorientação dos mais jovens? Os velhos têm recursos de vida já vivida aos quais podem recorrer a qualquer momento. Ficarão olhando para os jovens que perdem a sua visão ou os acompanharão aquecendo os seus sonhos? Diante dos sonhos dos velhos, o que os jovens farão?
A sabedoria do longo caminho que acompanha a velhice até à sua partida deve ser vivida como uma oferta de sentido da vida, não consumida como inércia da sua sobrevivência. A velhice, se não for restituída à dignidade de uma vida humanamente digna, está destinada a se fechar em um desânimo que tira o amor de todos.
Esse desafio de humanidade e de civilização requer o nosso empenho e a ajuda de Deus. Peçamos isso ao Espírito Santo. Com estas catequeses sobre a velhice, gostaria de encorajar todos a investirem pensamentos e afetos nos dons que ela traz consigo e para as outras idades da vida. A velhice é um dom para todas as idades da vida. É um dom de maturidade, de sabedoria.
A Palavra de Deus nos ajudará a discernir o sentido e o valor da velhice. Que o Espírito Santo conceda também a nós os sonhos e as visões de que precisamos. E gostaria de enfatizar, como escutamos na profecia de Joel, no início, que o importante não é apenas que o idoso ocupe o lugar de sabedoria que tem, de história vivida na sociedade, mas também que haja um colóquio, que ele dialogue com os jovens. Os jovens devem dialogar com os idosos, e os idosos com os jovens. E essa ponte será a transmissão da sabedoria na humanidade.
Espero que estas reflexões sejam úteis para todos nós, para levar adiante esta realidade que dizia o profeta Joel, de que, no diálogo entre jovens e idosos, os idosos possam dar os sonhos, e os jovens possam recebê-los e levá-los adiante.
Não esqueçamos que tanto na cultura familiar quanto na cultura social os idosos são como as raízes da árvore: eles têm toda a história ali, e os jovens são como as flores e os frutos. Se a seiva não vier, se não vier esse “soro” – por assim dizer – das raízes, elas nunca poderão florescer.
Não nos esqueçamos daquele poeta que eu já citei muitas vezes: “Tudo o que a árvore tem de florido vive do que ela tem de enterrado” (Francisco Luis Bernárdez). Tudo o que é belo em uma sociedade está em relação com as raízes dos idosos.
Por isso, nestas catequeses, gostaria que a figura do idoso seja posta em evidência, que se entenda bem que o idoso não é um material de descarte: é uma bênção para a sociedade.