"Eis a Igreja que virá: a Igreja do enamoramento por Jesus!", afirma Armando Matteo na conferência proferida no evento Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em 15-06-2023.
Segundo o teólogo, "o Papa Francisco nos chama à urgência de imaginar o cristianismo de novo. Esse é o sentido daquela mudança de mentalidade pastoral aqui desejada. Insisto na palavra 'mentalidade'. A ação pastoral nada mais é do que o conjunto de tudo o que os discípulos do Senhor fazem para levar Jesus a todos e para levar todos a Jesus. E tal ação sofre com o passar do tempo, à medida que os 'todos' mudam. Somos uma espécie em evolução: modificamos constantemente a nossa estrutura na Terra".
A Opção Francisco, segundo Matteo, nada mais é do que dizer esta tarefa: "a tarefa de credenciar junto aos adultos e às adultas de hoje uma nova imagem do cristianismo e precisamente a imagem daquele cristianismo e daquela Igreja da Evangelii gaudium que é o coração do magistério do Papa Francisco".
Armando Matteo é professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Urbaniana, de Roma. Desde 2019, é editor do Jornal da Universidade Urbaniana. Escreveu vários ensaios, incluindo: Come Strestieri: por que o cristianismo se tornou estranho aos homens e mulheres de nosso tempo (2008), A primeira geração incrédula: a difícil relação entre os jovens e a fé (Paulinas, 2010), A fuga dos quarenta anos: a difícil relação das mulheres com a Igreja (2012), Todos morrem muito jovens: como a longevidade está mudando nossas vidas e nossa fé (2016) e Todos jovens, sem jovens: as expectativas não cumpridas da primeira geração incrédula (2018).
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A todos e a todas vocês, uma calorosa saudação de Roma!
Estou muito contente por participar desta série de encontros dedicados ao tema da Opção Francisco e estou muito contente por poder dar a minha contribuição. No entanto, devo anunciar desde já que algumas das análises que apresentarei não se adaptarão exatamente ao seu belíssimo país. Espero poder oferecer, em todo o caso, algumas indicações úteis.
Devo dizer desde já que gosto muito da ideia da “Opção Francisco”, que obviamente remete ao livro de Rob Dreher “A Opção Bento”, pois estou pessoalmente convencido de que nunca antes na história nós, fiéis das Igrejas que vivem no Ocidente, encontramo-nos diante de uma encruzilhada, de uma escolha, da urgência de fazer uma opção, justamente.
Por um lado, existe a possibilidade de continuar fazendo o que sempre se fez no campo do anúncio do Evangelho, esperando obter resultados diferentes daqueles que colhemos pelo menos nas últimas três décadas. Refiro-me ao grande fracasso atual da iniciação cristã e, portanto, ao distanciamento cada vez mais evidente de gerações inteiras de jovens em relação ao universo eclesial. Recentemente, alguns jovens europeus foram questionados se eram pessoas religiosas ou mais genericamente espirituais, e a resposta mais generalizada foi: “Não, eu sou normal!”. A esse respeito, infelizmente, não podemos deixar de registar uma espécie de crescente desnatalidade eclesial. Há muito tempo, no Ocidente, as nossas práticas de iniciação à fé dos mais jovens não dão mais à luz novos cristãos e novas cristãs.
Por outro lado, destaca-se justamente a “Opção Francisco”, que consiste em colocar novamente no centro dos interesses dos fiéis a retomada das condições que asseguram o caráter materno/gerativo da Igreja. Do meu ponto de vista, é precisamente esse o cerne do magistério do Papa Francisco, e por isso é bom falar de “Opção Francisco”. Seguindo as linhas de pensamento do Papa Francisco, de fato, a Igreja não pode deixar de ser mãe, e, portanto, não pode deixar de dar ao mundo novos filhos e novas filhas, e, portanto, não pode deixar de trabalhar com todas as suas forças para dar ao mundo novos discípulos e novas discípulas do Senhor, capazes de contagiar com o Evangelho cada mínimo fragmento de humanidade.
E aqui realmente há uma urgência: uma decisão, uma tomada de iniciativa, que não pode nos deixar indiferentes. Não podemos deixar as coisas assim como estão, e isso por um motivo muito simples, que o próprio Papa Francisco nos indicou corajosamente desde o início de seu pontificado: rompeu-se a correia na transmissão geracional da fé. Esta foi, durante séculos, não sem ambivalências, a condição de fundo do agir pastoral mesquinho das Igrejas ocidentais. Escutemos com atenção esta dramática passagem do número 70 da Evangelii gaudium:
Também não podemos ignorar que, nas últimas décadas, se produziu uma ruptura na transmissão geracional da fé cristã no povo católico. É inegável que muitos se sentem desiludidos e deixam de se identificar com a tradição católica, que cresceu o número de pais que não batizam os seus filhos nem os ensinam a rezar, e que há um certo êxodo para outras comunidades de fé.
Dito sem rodeios, o cristianismo doméstico no Ocidente está profundamente em crise. Muitíssimos pais e mães que se declaram católicos já não são mais capazes de transmitir a fé. Mas dizer que o cristianismo doméstico está em crise significa dizer que é precisamente o caráter materno da Igreja que está em crise. Permitam-me dar um exemplo concreto do que estou dizendo. Há algum tempo, eu mesmo fiz uma pesquisa entre alguns jovens em Roma. E perguntei: “Vocês já viram sua mãe e seu pai rezando?” E, quanto mais aqueles jovens ficavam calados, mais aumentava o meu desespero. Em certo ponto, um deles se levantou e me disse: “Na verdade, quando o Roma [o time de futebol] joga fora de casa, meu pai se aproxima da televisão, e acho que ele reza!” Encorajada por tal revelação, uma jovem acrescentou que sua mãe, todos os domingos de manhã, antes de subir na balança, rezava um Glória ao Pai!
E aqui encontro um ponto de conexão com “A Opção Bento” de Dreher. Também para ele, na verdade, a questão principal é justamente como passar o Evangelho às novas gerações, e não por acaso ele conta que a ideia do livro lhe surgiu em concomitância com o nascimento do primeiro filho.
Eis o ponto central: como passar o Evangelho para as novas gerações. A esse respeito, agora, parece-me que posso traçar no magistério do Papa Francisco um feliz mapa para enfrentar essa tarefa e, finalmente, dar origem a uma nova etapa evangelizadora. Obviamente, feliz não significa fácil. De fato, o ponto de chegada desse itinerário não é outro senão o imperativo de imaginar o cristianismo de novo. Esse é o desafio da Igreja. Imaginar o cristianismo de novo, e o Papa Francisco nos adverte de que não se trata de imaginar um novo cristianismo, mas sim de imaginar um cristianismo diferente daquele que até agora foi difundido, justamente para permitir o desenvolvimento de um clima cristão dentro dos contextos familiares. E é aqui que se impõe a outra ideia de que fala o título deste nosso encontro: a ideia da Igreja que virá. Pois bem, nós devemos encontrar uma ideia de Igreja do futuro, devemos imaginar uma Igreja do futuro, devemos encontrar uma nova imaginação do cristianismo futuro.
Mas, para fazer tudo isso, devemos partir concretamente daquilo que o Papa Francisco nos pede há anos: isto é, devemos partir de uma mudança radical de mentalidade pastoral, ou seja, devemos partir de tudo o que os fiéis realizam para levar Jesus a todos e a todas.
Assim, somos solicitados pelo magistério do Papa Francisco a realizar uma operação particularmente desafiadora: não basta mover algumas peças na mesa do nosso planejamento pastoral. Somos chamados a propiciar uma imagem completamente nova do cristianismo junto aos homens e às mulheres do nosso tempo, particularmente junto aos adultos e às adultas do nosso tempo. E, portanto, do sentido de por que confiar a própria existência às palavras e aos gestos daquele jovem rabino de Nazaré, morto como malfeitor às portas da Cidade Santa e, mesmo assim, reconhecido e anunciado ainda hoje pelos seus como Filho de Deus e Salvador do mundo. A pergunta que nos desafia hoje é a seguinte: como dar razão da fé, da esperança e do amor cristãos aos adultos e às adultas de hoje?
Para dar corpo a esse primeiro ponto da minha fala, eu gostaria de me apoiar em um discurso do Papa Francisco que, para mim, junto com a Evangelii gaudium, representa um ponto de referência decisivo para entender o que o Santo Padre tem a nos dizer sobre o tema da missão dos cristãos hoje.
Então, voltemos ao dia 21-12-2019, quando o Papa Francisco, ao desejar seus votos natalícios à Cúria Romana, fez um discurso de grande força e clarividência. Destaco três passagens dele, dedicadas essencialmente a três grandes temas: a mudança de época, o fim da cristandade, a necessidade da conversão pastoral.
A propósito do primeiro tema, ele afirma:
O que estamos vivendo não é simplesmente uma época de mudanças, mas é uma mudança de época. Estamos, portanto, em um daqueles momentos nos quais as mudanças não são mais lineares, mas epocais; constituem escolhas que transformam rapidamente o modo de viver, de se relacionar, de comunicar e elaborar o pensamento, de se relacionar entre as gerações humanas e de compreender e de viver a fé e a ciência.
Essa primeira passagem é a decisiva: estamos verdadeiramente diante de uma mudança epocal que já propiciou uma transformação radical do sentido da vida, que afetou de modo particular a população adulta das latitudes ocidentais (estamos falando dos pais dos Millennials e dos jovens da Geração Z). A referência específica, portanto, é aos adultos pertencentes à geração nascida após a Segunda Guerra Mundial e à geração posterior: substancialmente, àqueles que pertencem à geração dos Boomers (1946-1964) e à Geração X (1964-1980). E me parece importante lembrar a todos nós que o cristianismo é propriamente uma religião para adultos. Certamente, o cristianismo é para as crianças, para os jovens e para os idosos. Mas o cristianismo é acima de tudo para os adultos.
Mas agora é muito importante perceber o fato de que, ao falar de mudança de época, estamos falando na verdade de uma transformação do sentido da vida. Para sermos concretos, devemos reconhecer que – no Ocidente – a diferença entre nós, adultos atuais, e os nossos pais e avós não está unicamente no simples acúmulo de coisas que eles não possuíam (pensemos nos celulares, nos carros híbridos, na Netflix, nos meios de transporte de alta velocidade ou em certos formatos televisivos). Certamente, está aí também. Mas a diferença de verdade está no fato de que nós, adultos de hoje, fazemos os gestos da cotidianidade humana – aqueles gestos que também eram deles, como trabalhar, amar, pensar no futuro, educar, comer e dormir – de um modo qualitativamente diferente do deles. Não vivemos simplesmente de outras coisas, mas vivemos o humano de sempre de uma forma radicalmente outra! Essa é a questão. Os novos objetos de hoje, portanto, são um sintoma, um indício de uma verdade mais profunda: é o modo de ser no mundo como humanos que mudou profundamente.
Gostaria de dar pelo menos um pequeno exemplo desse modo diferente de ser no mundo por parte dos cidadãos ocidentais atuais. Refiro-me à total remoção da velhice. Quando nos tornamos velhos hoje? Para nós, italianos, por exemplo, tornamo-nos velhos aos 83 anos! Mas nós, italianos, temos uma expectativa média de vida ao nascer de 82 anos e meio. Portanto, nós, italianos, pensamos que nos tornamos velhos seis meses depois da nossa morte! E, assim, não é por acaso que, na versão italiana da Wikipédia, a palavra “velho” foi deletada.
Retomemos o nosso discurso e o façamos com outro pensamento do Papa Francisco, em discurso dirigido em 2017 à Pontifícia Academia da Vida, que alude justamente a esta nova presença de espírito do sujeito humano na mudança de época. Escutemos:
A criatura humana parece hoje se encontrar em uma passagem especial da própria história que se cruza, em um contexto inédito, com as antigas e sempre novas perguntas sobre o sentido da vida humana, sobre a sua origem e sobre o seu destino. O traço emblemático dessa passagem pode ser reconhecido sinteticamente na rápida difusão de uma cultura obsessivamente centrada na soberania do ser humano – como espécie e como indivíduo – em relação à realidade. Há quem fale até de egolatria, ou seja, de um verdadeiro culto do ego [...].
Neste ponto, tentemos compreender melhor tal soberania do ser humano em relação à realidade de que o Papa Francisco fala aqui.
Pois bem, o primeiro traço decisivo dessa soberania – que é obviamente também o primeiro traço do adulto ocidental médio – tem a ver com a longevidade que caracteriza hoje os habitantes do Ocidente. Calculou-se que as gerações do pós-guerra desfrutam de cerca de 30 anos a mais de expectativa de vida do que seus antecessores na cadeia das gerações humanas. E não se trata de um simples prolongamento da velhice; trata-se de anos a mais que, justamente graças aos desenvolvimentos da medicina e da pesquisa farmacêutica, ao bem-estar generalizado, ao fato de termos casas quentes no inverno e frescas no verão, ao desaparecimento de trabalhos decisivamente desgastantes, desenham um horizonte totalmente diferente da existência humana, a ponto de podermos muito bem nos aposentar e ainda sermos belos e saltitantes, com muita vontade de fazer experiências e desfrutar da vida. Assim, libertamo-nos do pesadelo de uma vida curta, de uma velhice precoce cheia de doenças e do terror de uma morte repentina e súbita. Dispersa-se a memória da própria mortalidade. A esse respeito, recordo com uma certa nostalgia que, quando eu era um pequeno seminarista, antes de ir dormir, era convidado a recitar esta oraçãozinha: “Dai-nos, Senhor, uma morte santa e rápida!”.
Um segundo traço distintivo da nova condição de soberania do indivíduo – e, portanto, dos adultos e das adultas de hoje – tem a ver com aquele enorme ganho de tempo de que dispomos, que foi possibilitado hoje pelo advento em grande estilo da técnica e de suas descobertas. Apenas em nível de economia doméstica, já nos livramos subitamente de todo aquele fardo de tempo e de esforço ligado a lavar as roupas, a conservar os alimentos, a cozinhá-los, a lavar a louça e a limpar a casa. Como não falar, ainda, sobre como os tempos de trabalho mudaram nos campos, nas oficinas e nas plantas industriais e também nos escritórios e nos outros campos de trabalho com a chegada das novas máquinas, dos computadores e da facilitação da comunicação digital? O homem e a mulher de hoje desfrutam de mais tempo à sua disposição e podem, assim, dedicar-se ao cuidado do próprio corpo e a todas aquelas atividades lúdicas e relaxantes com as quais os nossos pais e os nossos avós jamais poderiam ter sonhado.
Uma terceira característica da nossa inédita soberania diz respeito à decisiva contenção da experiência do sofrimento e da dor. Quem tem alguns anos a mais sobre os ombros sabe muito bem como, há apenas 40 anos, poderia ser muito dolorosa uma simples visita ao dentista. Hoje, eles podem lhe extrair um siso, e você quase não se dá conta de nada, graças aos poderosíssimos anestésicos utilizados. Pode-se até operar o cérebro de um paciente que, enquanto isso, toca o trompete ou o violão com toda a tranquilidade! E não nos esqueçamos da proliferação de especialistas em saúde mental nas terras do Ocidente. Com seus prodigiosos desenvolvimentos, então, a medicina, a pesquisa farmacêutica e as diferentes abordagens psicoterapêuticas oferecem hoje uma progressiva e às vezes imediata libertação de toda dor, de todo tipo de trauma, de toda experiência de sofrimento.
Acessamos o quarto traço da nova soberania do adulto ocidental contemporâneo que diz respeito à melhoria econômica. Há um bem-estar tão generalizado que nos levou, quase na velocidade da luz, do tempo em que as nossas avós tinham o problema de pensar e preparar o almoço e o jantar até ao tempo em que suas netas (e também seus netos) têm hoje o seriíssimo problema de escolher qual é a dieta mais eficaz para se chegar preparado para o inevitável encontro com a roupa de praia para a temporada de verão! E sabemos que isso aqui é um assunto de importância capital no tempo em que nos coube viver. A atual libertação do problema atávico da fome e, portanto, da desnutrição de gerações inteiras de crianças é, na realidade, uma conquista extraordinária, mas muito recente, da qual dificilmente nos damos conta na nossa era do bem-estar. Como não lembrar os tempos antigos em que as nossas mães, para nos fazerem comer também aquelas coisas que não gostávamos, utilizavam injunções no mínimo terroristas: “Ou você toma a sopa ou eu jogo você pela janela”?
A questão é que a maioria de nós, adultos ocidentais, não sabe mais o que é a fome – o maior problema que a espécie humana já encontrou ao longo de seus seis milhões de anos de presença no planeta e que, em muitas regiões do mundo, persiste de forma dramática.
A última característica da nova soberania do adulto ocidental está ligada ao advento da comunicação digital. Nunca como hoje cada cidadão ocidental – sem nenhuma distinção de idade, de grau de instrução e de orientação política, existencial, religiosa ou de outra natureza – tem a possibilidade de tomar a palavra. O anonimato possível ou, melhor, a sempre possível cifragem da própria identidade torna o espaço da comunicação digital uma espécie de terreno livre para que qualquer pessoa exerça, cultive e ponha em circulação seu próprio “ponto de vista pessoal”. Em palavras e fotos. De fato, são pouquíssimos os casos de censura e de limitações no mundo da internet, e muitas vezes elas chegam quando o estrago já foi feito. E é justamente essa inédita e muito empolgante liberdade de expressão que manda embora, como um sopro, eras inteiras de sujeição cultural, política, religiosa, geracional e de gênero. Aqui somos finalmente todos adeptos do singular culto ao próprio “eu”, e a internet torna-se algo simplesmente irresistível. Não só para os jovens, mas também para todos nós.
Permitam-me uma pequena anedota pessoal. Quando eu era jovem e ia a cursos de formação ou a retiros espirituais em algum convento ou casa religiosa, a primeira coisa que me indicavam era a localização da capela e, portanto, do Santíssimo Sacramento. Há algum tempo, assim que atravesso a soleira de um convento ou de uma casa religiosa, a primeira coisa que me é comunicada é a senha do wi-fi! Uma senha que muitas vezes coincide – infelizmente! – com o nome do fundador ou da fundadora daquele instituto ou daquela congregação. Pobres fundadores e pobres fundadoras: uma vida inteira no seguimento do Evangelho para depois se tornarem uma senha! E é assim que, além de desejarmos que os nossos nomes sejam escritos no céu, devemos desejar também que se tornem a senha do wi-fi de algum convento ou de alguma casa religiosa. Eis até aonde vai o impacto do digital!
Chegou a hora de nos perguntarmos qual é a cifra abrangente de toda essa mudança de época que o Papa Francisco nos pede para reconhecer como elemento estruturante do nosso mundo atual.
Para usar uma imagem suficientemente forte, pode-se condensar tudo isso dizendo que passamos muito rapidamente de um “vale de lágrimas” – precisamente aquele mencionado na belíssima oração da Salve-Rainha e que, de forma muito plástica, dizia a vida cheia de limites dos nossos pais e avós – à planície luxuriante do sorriso onipresente da Amazon, figura eloquente daquele bem-estar físico, econômico, psíquico que distingue a nossa existência soberana de cidadãos ocidentais do século XXI.
Assim, libertamo-nos mais do que rapidamente de tantos obstáculos e de tantos limites que caracterizaram a experiência da espécie até pouco antes do nosso advento e fomos, cada vez mais rapidamente, projetados para uma liberdade de pensamento, de decisões, de ações, de gozo, de experiências, de viagens, rumo a um estado de poder e de soberania geral que também pode levar a saudar o atual estado da espécie quase como um verdadeiro salto evolutivo. E é precisamente a partir do conjunto desses elementos que ocorre a mais extraordinária “revolução copernicana” relativa ao sentido da existência humana à qual a nossa obra de evangelização deve corresponder!
De fato, o ponto crítico ao qual gostaria de chamar a atenção de vocês é que hoje não mudou apenas a condição dos adultos e das adultas presentes no mundo; o que mudou mais radicalmente foi o imaginário do ser adulto: ou seja, o significado e o valor próprios da categoria de “adulto”.
Assim, passamos de considerar o ingresso na condição adulta como o resultado normal do processo de humanização de cada filhote humano ou como a assunção exitosa daquele traço de cuidado que define a nossa espécie, mas no qual, em todo o caso, realiza-se a plena humanidade de cada um (só o adulto tem o pleno título de “humano”) a considerar que só a juventude pode garantir tal promessa. Esta última, no imaginário atual, consequentemente, não indica mais um tempo de breve passagem para explorar as possibilidades, concretas e poucas, à disposição do sujeito em crescimento antes de seu ingresso pela porta estreita da vida adulta, mas se situa como sentido próprio da existência humana. Compreenda-se bem: do sentido próprio da existência humana hoje concretamente à disposição dos adultos das duas gerações antes citadas.
É assim que ocorre uma espécie de “revolução copernicana” das idades da vida: o “corpo celeste” em torno do qual girava, até 40 anos atrás, cada fase da existência humana era a idade adulta, da qual provinha o próprio sentido do estar no mundo dos homens e das mulheres e, em particular, de seus filhotes; esse lugar central, luminoso e iluminador, destinado a dar sentido à existência dos terrestres, é hoje ocupado pela juventude. Pelo mito da juventude, que conquistou o coração dos adultos. Uma conquista fortemente endossada pelo sistema capitalista imperante.
Em nenhum outro lugar, a figura de tal revolução copernicana do sentido da vida foi mais bem compreendida do que em uma rápida passagem presente no parágrafo 182 da exortação pós-sinodal do Papa Francisco Christus vivit. Ali, o Papa Francisco fala de:
[...] uma adoração da juventude, como se tudo o que não é jovem aparecesse detestável e caduco. O corpo jovem torna-se o símbolo deste novo culto e, consequentemente, tudo o que tenha a ver com este corpo é idolatrado e desejado sem limites, enquanto o que não for jovem é olhado com desprezo.
Eis a cifra da nova condição humana no Ocidente: um falso e nefasto culto da juventude, que faz de tudo o que é jovem o sentido de toda plenitude, de toda beleza, de toda humanidade possível; e, de tudo o que não é jovem, a fossa de tudo o que é repugnante e desprezível.
Em suma, Peter Pan é o primeiro santo do calendário do cidadão médio ocidental. E esse fato nos restitui o destino da idade adulta no nosso tempo: ninguém mais hoje, nesta parte do mundo, quer crescer, tornar-se adulto, responsável, maduro, mas simplesmente deseja e se compromete cinicamente a gozar até ao fim dessa sua nova soberania sobre o real que hoje conquistou. Ao contrário, cada um se sente e se percebe como sujeito da liberdade, do poder, do gozo, da exaltação da vida sensível além de todos os limites. Contra todos os limites.
Em suma, o cidadão médio ocidental estabeleceu que, para si mesmo, fora da juventude não há salvação, comprometendo todas e cada uma das suas energias para gozar da própria existência na forma jovem da liberdade, do poder de vida e, sobretudo, do gozo ilimitado da vida.
Voltemos agora ao discurso do Natal de 2019 e verifiquemos o que significa para o cristianismo a chegada da mudança de época ou dessa revolução copernicana das idades da vida. Eis o que diz o papa:
As populações que ainda não receberam o anúncio do Evangelho não vivem de forma alguma apenas nos continentes não ocidentais, mas habitam por toda a parte, especialmente nas enormes concentrações urbanas que requerem, elas mesmas, uma pastoral específica. […] Irmãos e irmãs, não estamos na cristandade, não mais! Hoje, não somos mais os únicos que produzem cultura, nem os primeiros, nem os mais ouvidos.
Dizer que a cristandade acabou significa reconhecer que não estamos mais na presença de um adulto naturaliter chistianus. Os nossos adultos – os primeiros titulares dessa nova soberania mencionada anteriormente – são substancialmente pós-cristãos. São católicos, mas pós-cristãos!
E é assim que ocorre, além disso, a ruptura intergeracional na transmissão da fé! O corpo dos adultos não fala mais evangelicamente. Aquilo para o qual eu gostaria de chamar a atenção de vocês diz respeito precisamente à falta de aptidão para a oração pessoal e para o aprofundamento do conhecimento do Evangelho exatamente por parte da população adulta. Para os adultos – repito – fora da juventude não há salvação! E essa é a única religião da qual eles podem dar testemunho credível aos seus pequenos.
E aqui tomo a liberdade de citar a passagem decisiva do discurso de Natal de 2019 do Papa Francisco:
Precisamos, portanto, de uma mudança de mentalidade pastoral, o que não significa passar para uma pastoral relativista. Não estamos mais em um regime de cristandade, porque a fé – especialmente na Europa, mas também em grande parte do Ocidente – não constitui mais um pressuposto óbvio da vida comum, pelo contrário, muitas vezes é até negada, zombada, marginalizada e ridicularizada.
Eis, então, o verdadeiro cerne da Opção Francisco: como dizia antes, o Papa Francisco nos chama à urgência de imaginar o cristianismo de novo. Esse é o sentido daquela mudança de mentalidade pastoral aqui desejada. Insisto na palavra “mentalidade”. A ação pastoral nada mais é do que o conjunto de tudo o que os discípulos do Senhor fazem para levar Jesus a todos e para levar todos a Jesus. E tal ação sofre com o passar do tempo, à medida que os “todos” mudam. Somos uma espécie em evolução: modificamos constantemente a nossa estrutura na Terra.
E nós ainda vemos em uso uma mentalidade pastoral muito adequada ao vale de lágrimas dos nossos pais. Essa mentalidade pastoral e, consequentemente, as formas relativas à transmissão da fé, de fato, encontram seu fulcro no reconhecimento do oneroso destino conectado à vida adulta, um reconhecimento que tinha mais do que boas razões até anos bem recentes.
É nisso que se situa a grande aposta dos agentes de pastoral que nos precederam: será que precisamente tal destino oneroso da condição adulta já não pode, por si só, abrir a uma possível apreciação das palavras e das promessas da religião cristã? Esta última, exatamente, não poderá e não deverá assumir a tarefa de dar alguma luz de esperança, de consolação e de verdade aos adultos?
A aposta era precisamente esta: só o cristianismo – com uma acentuada ênfase na promessa da vida eterna e do paraíso, no exemplo de Cristo sofredor, no imperativo de sermos bons diante de um Deus que é misericordioso, mas sobretudo justo, nos sentimentos de culpa etc. – pode garantir a vivência da experiência adulta sem histerias, frustrações e arrependimentos excessivos.
Consequentemente, a mentalidade pastoral que herdamos e que ainda governa as economias do agir paroquial contemporâneo deriva da fixação e da ilustração do valor agregado que a religião cristã oferece à vida adulta exatamente em relação a seus elementos de maior criticidade e, digamos também, de mais intenso sofrimento e frustração. Era e é uma pastoral do acompanhamento, da consolação, do luto, do trauma! Aqui é preciso mudar. Somos pessoas superalérgicas aos traumas!
Nosso tempo é o de imaginar o cristianismo de novo. Não há mais a necessidade de um cristianismo da consolação, pelo menos para os adultos e as adultas ocidentais atuais, aquele que ainda visa à contenção do “trauma” ligado ao ingresso na idade adulta.
É preciso imaginar um cristianismo da alegria, que favoreça o encontro e o “cruzamento” com Jesus, que ainda hoje é capaz de revelar plenamente o ser humano ao próprio ser humano.
A Opção Francisco pede-nos, então, um grande trabalho para dar carne e sangue a um cristianismo que ponha no centro o evangelho da Graça; a um cristianismo que cultive práxis e sonhos de fraternidade para todos; a um cristianismo que saiba habitar as periferias e fazer comunhão com quem as habita; a um cristianismo que tenha a parrésia profética de denunciar uma razão capitalista que mata, que produz pobreza e descarte, e que consome o planeta sem parar; a um cristianismo, enfim, que saiba retornar sempre e de novo aos olhos de Jesus, ao olhar de Jesus, e que se esforce para levar esse olhar ao mundo inteiro.
Uma Igreja assim – uma Igreja da Graça, uma Igreja da fraternidade, uma Igreja da comunhão com as periferias, uma Igreja da parrésia, uma Igreja alimentada pelo olhar de Cristo e uma Igreja que leve esse olhar a todos – será verdadeiramente a Igreja que virá.
O Papa Francisco, portanto, nos desafia: como fiéis, imaginamos bem um cristianismo para os tempos das “vacas magras”; não somos capazes de imaginá-lo de novo para os tempos das “vacas gordas” (pelo menos em boa parte do Ocidente e para a grande maioria da população)? O que realmente queremos oferecer aos adultos e às adultas de hoje? Com que imagem de Igreja vamos ao encontro deles? Com a imagem da Igreja de ontem – a Igreja da consolação – ou com a imagem da Igreja que virá?
Imaginar o cristianismo de novo – esta é a tarefa que, no fim das contas, nos é atribuída pela assunção da Opção Francisco – significa, portanto, sonhar de olhos abertos com um tempo em que os adultos e as adultas de hoje, ao passaram diante de uma das nossas comunidades, possam espontaneamente imaginar algo assim: “Aqui neste lugar fala-se de Jesus, fala-se do Evangelho, fala-se de um sentido da vida baseado na proximidade e no cuidado totalmente outro em relação à narrativa atual da Razão comercial, e estes fiéis aqui são tão entusiasmados e convincentes que poderiam até me contagiar com essas ideias... Na verdade, são apaixonados por Jesus”.
Só assim, enfim, podemos esperar na retomada da transmissão da fé entre as gerações e dar um novo impulso ao cristianismo doméstico.
Dizer Opção Francisco, então, nada mais é do que dizer esta tarefa: a tarefa de credenciar junto aos adultos e às adultas de hoje uma nova imagem do cristianismo e precisamente a imagem daquele cristianismo e daquela Igreja da Evangelii gaudium que é o coração do magistério do Papa Francisco.
Porque a Igreja que virá, em síntese, é a Igreja de quem – em Jesus, com Jesus e graças a Jesus – descobre que o que realmente preenche a vida dos homens e das mulheres é a alegria de dar alegria.
Programação do Ciclo de Estudos Opção de Francisco