“Os desafios em termos de justiça socioambiental diante dos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas incluem a vulnerabilidade diferencial de comunidades marginalizadas, o acesso desigual a recursos e oportunidades, o deslocamento forçado e a falta de medidas de adaptação e resiliência equitativas”, sublinha o engenheiro ambiental
Se, por um lado, o Brasil assumiu a meta de recuperar 12 milhões de hectares de floresta até 2030 e neutralizar as emissões de carbono até 2050 para cumprir o Acordo de Paris sobre o Clima, por outro, pesquisas indicam que o desmatamento segue aumentando na floresta amazônica, assim como as emissões de CO2.
Segundo Celso H. L. Silva-Junior, entre 2013 e 2021, 96 milhões de toneladas de CO2 foram emitidas como consequência do desmatamento em terras indígenas. "Esse dado é importante porque descobrimos uma quantidade significativa de CO2 emitido que não deveria ocorrer. (...) As florestas ajudam a mitigar as mudanças climáticas por removerem da atmosfera o carbono em excesso que aumenta o efeito estufa e, consequentemente, a temperatura do planeta. A partir do momento que essa floresta é removida, ela deixa de desempenhar esse papel e acaba emitindo mais carbono que estava estocado nas árvores".
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Silva-Junior destaca que o país tem dois desafios para cumprir as metas climáticas assumidas em 2015. "A primeira é frear o desmatamento e a segunda é evitar também a degradação das florestas. As florestas degradadas são florestas que foram perturbadas pelo fogo e extração seletiva de madeira. Embora estejam em pé, a saúde das árvores está comprometida. A mortalidade de parte dessa vegetação acaba por emitir gases do efeito estufa para a atmosfera. Já sabemos que as áreas degradadas são maiores que as áreas desmatadas e o carbono que já foi emitido também é maior que o carbono emitido por desmatamento. Um plano nacional de combate ao desmatamento e degradação florestal baseado em evidências científicas é urgentemente necessário", afirma.
Celso H. L. Silva-Junior (Foto: Arquivo pessoal)
Celso H. L. Silva-Junior é engenheiro ambiental formado pela Universidade Ceuma – UniCEUMA, especialista em Geoprocessamento pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE e doutorando na mesma área. Leciona no Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.
IHU – Segundo pesquisa realizada pelo senhor e outros pesquisadores, o desmatamento em terras indígenas na Amazônia brasileira provocou a emissão de 96 milhões de toneladas de CO2 entre 2013 e 2021. O que esse dado representa em termos de emissões e impactos?
Celso H. L. Silva-Junior – Esse dado é importante porque descobrimos uma quantidade significativa de CO2 emitido que não deveria ocorrer. As terras indígenas são conhecidas por proteger a floresta e evitar o desmatamento e sua emissão associada. Entretanto, nos últimos anos, com o enfraquecimento da fiscalização ambiental e das instituições ligadas às questões indígenas, o desmatamento aumentou.
IHU – Que impactos o desmatamento causa nas comunidades indígenas?
Celso H. L. Silva-Junior – Junto do desmatamento, há os conflitos e mortes de indígenas causados por madeireiros e garimpeiros ilegais. Além disso, o desmatamento é um vetor de doenças para os indígenas.
IHU – O estudo também mostra que 11% das áreas analisadas reduziram o desmatamento, especialmente em comunidades indígenas do Maranhão. Que ações foram realizadas nesses territórios?
Celso H. L. Silva-Junior – Na verdade essas terras indígenas também sofreram com o desmonte das instituições de fiscalização ambiental no país. Elas são altamente pressionadas pela ação de madeireiros ilegais. No entanto, uma de nossas hipóteses é que iniciativas de combate a ilegalidades dos próprios indígenas (guardiões da floresta, por exemplo) possam ter contribuído para essa redução.
CO2, de problema a recurso:
IHU – Pode explicar a importância da floresta para a mitigação das mudanças climáticas e em que consiste o serviço de “sequestrador de carbono” operado pelas florestas? Por que o desmatamento impede a realização desse processo?
Celso H. L. Silva-Junior – As florestas ajudam a mitigar as mudanças climáticas por removerem da atmosfera o carbono em excesso que aumenta o efeito estufa e, consequentemente, a temperatura do planeta. A partir do momento que essa floresta é removida, ela deixa de desempenhar esse papel e acaba emitindo mais carbono que estava estocado nas árvores.
IHU – Quais os principais desafios do Brasil no cumprimento das metas ambientais assumidas no Acordo de Paris para diminuir os impactos das mudanças climáticas? Que políticas são necessárias neste sentido?
Celso H. L. Silva-Junior – O Brasil tem dois desafios para cumprir as metas climáticas assumidas. A primeira é frear o desmatamento e a segunda é evitar também a degradação das florestas. As florestas degradadas são florestas que foram perturbadas pelo fogo e extração seletiva de madeira. Embora estejam em pé, a saúde das árvores está comprometida. A mortalidade de parte dessa vegetação acaba por emitir gases do efeito estufa para a atmosfera. Já sabemos que as áreas degradadas são maiores que as áreas desmatadas e o carbono que já foi emitido também é maior que o carbono emitido por desmatamento. Um plano nacional de combate ao desmatamento e degradação florestal baseado em evidências científicas é urgentemente necessário.
Amazônia. A devastação da floresta pelo agronegócio e mineração:
IHU – Como conciliar o desenvolvimento tecnocientífico e o saber dos povos originários tanto para enfrentar as mudanças climáticas quanto para pensar projetos de desenvolvimento para o país, num contexto de novo regime climático? Como o senhor tem pensado a articulação dessas questões?
Celso H. L. Silva-Junior – A ciência precisa se esforçar para aprender com os povos tradicionais, incluindo os povos indígenas. Esses povos têm manejado as florestas e outras vegetações nativas de forma sustentável há séculos. Dessa forma é importante incluí-los em todas as tomadas de decisão.
IHU – Uma das preocupações em relação às mudanças climáticas é o efeito que os eventos extremos causam no modo de vida dos povos. Quais são os desafios em termos de justiça socioambiental a partir dessa realidade e dos prognósticos para o futuro?
Celso H. L. Silva-Junior – Os desafios em termos de justiça socioambiental diante dos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas incluem a vulnerabilidade diferencial de comunidades marginalizadas, o acesso desigual a recursos e oportunidades, o deslocamento forçado e a falta de medidas de adaptação e resiliência equitativas. Esses desafios perpetuam as disparidades socioeconômicas e representam uma injustiça socioambiental. Os prognósticos futuros indicam que os eventos extremos podem se tornar mais frequentes e intensos, agravando ainda mais esses desafios.