20 Mai 2023
O nosso substrato humano, o corpo, que a inteligência viva usa para criar o pensamento é importante: a "plataforma" faz a diferença.
O comentário é de Paolo Benanti, frei franciscano da Terceira Ordem Regular, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida. Em português, é autor de “Oráculos: entre ética e governança dos algoritmos” (Unisinos, 2020).
O artigo foi publicado por Corriere della Sera, 19-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A pergunta acima não tem uma resposta simples porque a inteligência tem muitos significados e não tem uma definição única e compartilhada. Podemos, em uma primeira aproximação, definir a inteligência como o conjunto de faculdades psíquicas e mentais que permitem entender as coisas e os conceitos e organizar o próprio comportamento para resolver problemas e alcançar objetivos.
Com uma definição tão ampla, baseada em saber organizar o comportamento em relação a um objetivo, essa não é uma característica exclusiva do ser humano, mas é reconhecível em diversos seres vivos, como os animais e as plantas, embora em formas diferentes e menos complexas.
Os animais mostram inteligência quando são capazes de aprender com experiências passadas, comunicar-se entre si, usar instrumentos, cooperar ou competir por comida ou reprodução.
As plantas mostram inteligência quando são capazes de perceber o estado do ambiente ao seu redor, modificar a própria forma ou o próprio metabolismo com base nas condições externas, enviar sinais químicos para outras plantas ou insetos (podemos chamar esse mundo plural e complexo de “inteligência viva” ou IV).
A inteligência artificial, por sua vez, é a disciplina que estuda se e de que modo podem ser desenvolvidos sistemas de informática inteligentes capazes de simular a capacidade e o comportamento do pensamento humano. A inteligência artificial pode ser restrita ou fraca, quando se limita a executar operações específicas para as quais foi programada, ou geral ou forte, quando é capaz de aprender e entender qualquer tarefa intelectual que um ser humano possa aprender.
Neste momento, existem apenas sistemas de inteligência artificial restrita.
Os pesquisadores propuseram diversos modelos de inteligência para construir a inteligência artificial, mas nenhum foi capaz de obter o consenso de toda a comunidade científica. Por esse motivo, alguns especialistas preferem falar de inteligências artificiais, no plural, para sublinhar a diversidade e a especificidade dos sistemas que mostram atividades inteligentes e como cada um deles é apenas um fragmento daquilo que chamamos de inteligência humana.
Os medievais, diante de problemas muito complexos e difíceis, tentavam um caminho negativo: pode-se intuir o que é algo começando por dizer o que ele não é. Então, nesta nova Idade Média digital, na qual construímos novos bestiários com máquinas em vez de monstros, que lugar ocupa a inteligência artificial?
No ser humano, a inteligência viva se manifesta por meio de processos cognitivos como a aprendizagem, a reflexão, a compreensão, a memória, o raciocínio, a criatividade, o pensamento crítico e a resolução de problemas, e não é uma propriedade fixa e imutável, mas depende de muitos fatores, como o contexto, a cultura, a educação, as experiências, as motivações, as emoções e as relações sociais.
As inteligências artificiais que construímos, para nos serem úteis, uma vez treinadas, devem ser estavelmente assim para serem confiáveis: a primeira coisa que uma inteligência artificial não tem é justamente a vida, ou seja, a capacidade de crescer e evoluir como nós através dos limites do fato de sermos corpóreos. O substrato humano – o corpo – que a inteligência viva usa para criar o pensamento é importante.
Uma das pedras angulares da computação é o teorema, a hipótese de Church-Turing, que defende que, dados o tempo e o espaço infinitos, todos os processos computacionais são equivalentes. O problema é o tempo e o espaço ilimitados, que absolutamente não são a realidade do ser humano.
Aquilo que somos, os processos cognitivos de que somos capazes, a esperança pela qual vivemos, tudo ocorre em um espaço (o nosso corpo) e em um tempo (a nossa vida) limitados.
Portanto, não há possibilidade de equivalência entre humano e computação em silício: a “plataforma” que estamos “vivendo” faz a diferença. Poderá alguma vez ser equivalente?
A única forma seria executar a inteligência artificial no mesmo tipo de “hardware” em que nós estamos executando. Então, o que há de realmente inteligente na inteligência artificial? O fato de que uma inteligência viva – nós – a criamos para tentar realizar tarefas que poderiam ser perigosas ou desgastantes para a nossa parte frágil, o corpo.
Por outro lado, a inteligência ética de tornar a inteligência artificial incapaz de prejudicar a inteligência viva continua sendo uma propriedade do ser humano.
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IA: o que há de realmente inteligente nos sistemas que construímos? Artigo de Paolo Benanti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU