13 Mai 2023
Uma nova visão sobre o avanço da mudança climática está sendo oferecida por Jason Hickel nas salas de aula, em conferências e em seu recente livro Menos es Más (Penguin). Sua proposta inclui as receitas conhecidas e estabelecidas há anos: redução das emissões de gases e aceleração da transição energética. Contudo, sua abordagem é fundamentalmente direcionada ao modo como alcançar esse objetivo. Esse modo de abordar a crise climática de forma planejada, pensada, harmoniosa, que só pode ser pelo “decrescimento”, e não necessariamente populacional.
A reportagem é de Mariela León, publicada por Cambio 16, 11-05-2023. A tradução é do Cepat.
Hickel é um antropólogo econômico, cuja pesquisa se concentra na economia ecológica, desigualdade global, imperialismo e economia política. É professor do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambientais, da Universidade Autônoma de Barcelona, e professor de Justiça Global e Meio Ambiente, na Universidade de Oslo.
Também é conhecido por outro de seus livros: The Divide: A Brief Guide to Global Inequality and its Solutions, classificado como livro do ano pelo Financial Times e pela New Scientist.
Como podemos reverter a crise atual e criar um futuro sustentável? Hickel argumenta que o mundo, finalmente, acordou para a realidade do colapso climático e ecológico. Agora, devemos enfrentar sua causa principal.
“O capitalismo exige uma expansão perpétua, que está devastando o mundo, e só há uma solução que levará a uma mudança significativa e imediata: o decrescimento. Se quisermos ter uma chance de parar a crise, temos que desacelerar e restabelecer o equilíbrio. Mudar nossa forma de ver a natureza e nosso lugar nela. Passar de uma filosofia de dominação e extração a outra baseada na reciprocidade e regeneração. Temos que evoluir para além dos dogmas do capitalismo rumo a um novo sistema adequado ao século XXI”, destaca.
Mas o que acontece com o emprego? E a saúde? E o progresso? Jason Hickel (Suazilândia, 1982, agora Essuatíni) aborda essas questões e desenvolve uma visão de como poderia ser uma economia pós-capitalista e o alcance do decrescimento na abordagem da mudança climática. Uma economia mais justa, mais solidária e que não apenas nos tirará da crise atual, mas que nos devolverá o sentido de conexão com um mundo repleto de vida. Tomando menos, podemos chegar a ser mais. O antropólogo mostra como podemos devolver o equilíbrio com o mundo vivo à nossa economia e construir um futuro melhor.
“(…) Comecemos pelo desafio mais imediato que enfrentamos. Segundo o IPCC, se quisermos manter o aquecimento global abaixo de 1,5 ou mesmo 2 graus, temos que reduzir o consumo global de energia. Por quê? Porque quanto menos energia usarmos, mais fácil será alcançar uma transição rápida para as energias renováveis”, reflete o escritor. “É claro que os países de baixa renda ainda precisam aumentar seu consumo de energia para atender às necessidades humanas de sua população. Portanto, é nos países de alta renda que precisamos nos concentrar nessa área; em países que consomem muito mais do que precisam”.
Não se trata apenas de modificar comportamentos individuais, como desligar as luzes quando saímos de uma sala, aponta. Sim, essas coisas são importantes (e, obviamente, temos que começar a usar lâmpadas de LED, melhorar o isolamento térmico das casas). Mas o que realmente temos que fazer é mudar a forma como a economia funciona.
Uma das ideias centrais que emergem da pesquisa sobre o decrescimento e a mitigação da mudança climática é que os serviços públicos universais são cruciais para uma transição justa e eficaz.
O capitalismo, segundo Jason Hickel, baseia-se em manter uma escassez artificial de bens e serviços essenciais (como moradia, saúde, transporte), por meio de processos de cercamento e mercantilização. “Sabemos que o cercamento permite que os monopolistas aumentem os preços e maximizem seus lucros. Analise o mercado de aluguel, o sistema de saúde dos Estados Unidos e o sistema ferroviário britânico. Mas, também tem outro efeito. Quando os bens essenciais são privatizados e ficam mais caros, as pessoas precisam de mais renda para acessá-los”.
E para obtê-la, acrescenta, veem-se forçadas a aumentar seu trabalho para produzir coisas novas que podem não ser necessárias (com maior uso de energia, uso de recursos e pressão ecológica). Simplesmente, para acessar coisas que são claramente necessárias e que, muitas vezes, já estão aí.
Afirma que a escassez artificial também cria dependências de crescimento. Dado que a sobrevivência é mediada pelos preços e salários, quando as melhoras na produtividade e as recessões levam ao desemprego, as pessoas perdem o acesso a bens essenciais. Mesmo quando a produção desses bens não se vê afetada, é necessário crescimento para criar novos postos de trabalho e resolver a crise social. Mas, em sua opinião, há uma saída para essa armadilha: ao desmercantilizar os bens e serviços essenciais, podemos eliminar a escassez artificial e garantir a abundância pública.
Dessa forma, é possível desvincular o bem-estar humano do crescimento e reduzir as pressões desse crescimento. Um decrescimento conseguirá parar a mudança climática.
O autor de Menos es más considera que com serviços universais e uma garantia emancipatória do trabalho, é possível se proteger contra qualquer precariedade econômica e garantir uma transição justa. “Não há contradição necessária entre os objetivos ecológicos e sociais. Os dois podem e devem ser perseguidos juntos”, afirma.
Por serviços universais, refere-se não apenas ao atendimento médico e educação, mas também à moradia, trânsito, alimentos nutritivos, energia, água e comunicações. Em outras palavras, “uma desmercantilização do setor social central: os meios de sobrevivência cotidianos”. E aponta para “serviços universais atraentes, de alta qualidade, geridos de forma democrática e adequada, não a sistemas deliberadamente de merda, que vemos nos Estados Unidos e em outros países neoliberais.
Com o que isso se parece? Como chegamos lá? O princípio fundamental é que o atendimento médico deve ser gratuito no ponto de uso, idealmente por meio de um provedor público, sem a intermediação de seguradoras privadas caras. Do mesmo modo, a educação pública deve ser gratuita, do ensino fundamental ao universitário.
O transporte público também deve estar disponível de forma gratuita ou muito barata. Barcelona oferece um bom exemplo. As locomoções em metrô e bonde, através do sistema brilhante, limpo e eficiente da cidade, custam apenas um euro. E as bicicletas elétricas custam uma fração. Contudo, quase 100 cidades de todo o mundo vão além e oferecem transporte público gratuito. Em lugares onde a infraestrutura de transporte público existente é inadequada, deve ser desenvolvida até o ponto de as pessoas não precisarem regularmente de carros.
Em seu livro, Jason Hickel desenvolve a tese do decrescimento global das economias e modos de vida para reduzir consumos de água, eletricidade e outros, que favorecem a mudança climática.
Entre os serviços universais, está também o alimento. “Muitas pessoas não podem pagar ou ter acesso a alimentos nutritivos, mesmo nas nações mais ricas do mundo. Os supermercados tendem a ser controlados por algumas grandes corporações, que priorizam alimentos processados lucrativos. Possuem cadeias de fornecimento que dependem de embalagens plásticas e transporte de longa distância. Este modelo é intensivo em energia e monocultura, com vastas extensões de terra apropriadas para a produção industrial de carne: desmatamento, emissões, esgotamento do solo e perda de biodiversidade”.
No entanto, o antropólogo destaca a energia e a água. São essenciais para a sobrevivência humana. A energia e a água devem ser administradas como serviços públicos, com um sistema de preços de dois níveis: uma parte da energia e da água deve estar disponível de forma gratuita para todos os domicílios. Já o uso adicional de energia e água para além do estabelecido pode ser cobrado com uma taxa progressiva, para desestimular o excesso.
Especifica que o sistema público de energia pode ser usado para reduzir o uso de combustíveis fósseis em um programa baseado na ciência e em priorizar uma rápida transição para as energias renováveis. Ao mesmo tempo, as regras que regem o sistema público de água podem ser usadas para evitar a extração excessiva por empresas privadas.
E no que diz respeito às comunicações, alerta que o acesso à Internet e os dados do celular são necessários para a vida cotidiana e devem ser tratados como serviços públicos. Já os dados adicionais, a preços de mercado.
O decrescimento, enfatiza Hickel, consiste em “reduzir os fluxos de materiais e energia da economia para colocá-los novamente em equilíbrio com o mundo vivente, ao mesmo tempo em que a renda e os recursos são distribuídos de forma mais justa. Liberta-se as pessoas do trabalho desnecessário e se investe nos bens públicos que necessitam para viver uma vida próspera. É o primeiro passo para uma civilização mais ecológica”.
Claro, admite, “essas medidas podem fazer o PIB crescer mais devagar, parar de crescer ou até decrescer. Se isso ocorrer, não significa nada, porque o que importa não é o PIB. Em circunstâncias normais, isso poderia causar uma recessão. O decrescimento é algo completamente diferente e tem um fio condutor que inibiria os fatores que levam à mudança climática. Consiste em realizar uma transição para um tipo de economia totalmente diferente: uma economia que não necessite do crescimento já de entrada. Uma economia que se organize em torno da prosperidade humana e da estabilidade ecológica, não em torno da acumulação constante de capital”.
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Jason Hickel: economia ecológica e decrescimento contra a mudança climática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU