03 Mai 2023
"Minha modesta opinião é que esse novo mundo vai nos oferecer duas saídas: um Comunismo 2.0 ou a destruição em massa da humanidade. Não vai haver terceira opção. Estes são apenas alguns pontos. O debate é infinito e cheio de meandros".
O comentário é de Rodrigo Petronio, publicado em sua página pessoal do Facebook, 22-04-2023.
Escritor e filósofo, Rodrigo Petronio é professor titular da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. Desenvolve pós-doutorado no Centro de Tecnologias da Inteligência e Design Digital – TIDD/PUC-SP sobre a obra de Alfred North Whitehead e as ontologias e cosmologias contemporâneas. É também doutor em Literatura Comparada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ.
Possui dois mestrados: em Ciência da Religião, pela PUC-SP, sobre o filósofo contemporâneo Peter Sloterdijk, e em Literatura Comparada, pela UERJ, sobre literatura e filosofia na Renascença. Entre suas publicações poéticas, destacamos História natural (Gargântua, 2000), Assinatura do sol (Gêmeos R, 2005) e Pedra de luz (A Girafa, 2005). Atualmente divide com Rodrigo Maltez Novaes a coordenação editorial das Obras Completas de Vilém Flusser pela Editora É.
Pelo IHU, Petronio publicou Mesoceno. A Era dos Meios e o Antropoceno, Cadernos IHU ideias número 339; Yuval Noah Harari: pensador das eras humanas, Cadernos IHU ideias número 329; e Desbravar o Futuro. A antropotecnologia e os horizontes da hominização a partir do pensamento de Peter Sloterdijk, Cadernos IHU ideias número 321.
Algumas impressões bem preliminares sobre ChatGPT:
O importante quando se fala de IAs é discriminar inteligência, senciência e consciência. Inteligência é uma forma de discriminar e quantificar dados de modo exponencialmente cada vez mais eficaz. Todos os seres vivos possuem inteligência, pois todos processam algoritmos da natureza. A senciência diz respeito à sensibilidade à dor e ao prazer. Uma IA pode ser senciente? Sim.
Quando se fala de IA, em geral imaginamos máquinas. Mas há um vasto campo a ser explorado da computação biológica. Quando informações operáveis foram inscritas em genes, a fronteira artificial-natural deve se dissolver ainda mais. A biocomputação pode gerar IAs sencientes e autônomas, que não sejam apenas espelhos de nossos sentimentos.
E a consciência? Consciência pressupõe intencionalidade, algo cuja definição é praticamente impossível. Nada impede que um computador universal futuro compute todos os processos dos seres vivos, incluindo os humanos. Mas para computar a experiência que conduziu a esses dados sutis conscientes, ele precisaria rebobinar, quantificar e qualificar todas as informações do universo desde a sua origem. Portanto, as IA por enquanto são apenas sistemas inteligentes. A senciência e a consciência são ainda pura mistificação.
É importante tratar o GPT como apenas uma tecnologia entre outras? Mais ou menos. Do machado como extensão das mãos à engenharia hidráulica como extensão do sistemas circulatórios e aos computadores como extensões do sistema nervoso central: todas as tecnologias se limitaram a imitar estruturas materiais humanas e meta-humanas. As IAs gerativas não aspiram à materialidade. Aspiram ao simbólico. Elas não imitam: hackeiam. E hackeiam algo que é uma propriedade singular dos seres vivos: a replicabilidade do DNA. Não imitam. Criam a partir de dados. E criam a partir de uma singularidade humana: a linguagem. Há aqui uma mudança de natureza, não de grau. É preciso estar atento às consequências disso.
Devido a essa mudança de natureza, não podemos em hipótese nenhuma menosprezar o seu impacto negativo ou mesmo devastador na sociedade, sobretudo no caso de um desemprego estrutural e irreversível. Esse impacto só pode ser corrigido por meio de políticas públicas, não por meio de ladainhas neoliberais autorreguladoras. Contar que estas políticas vão existir é contar com o ovo antes da galinha. Então o debate sobre GPT precisa obrigatoriamente ser político-econômico, não apenas tecnológico.
Um desserviço que deve ser evitado: dizer que as IAs são burras. Qualquer teste empírico simples com esses sistemas deixaria um Slavoj Zizek constrangido.
Um dos maiores perigos das IAs gerativas é a deep fake: a falsificação profunda. Contudo, preparem-se, pois se não houver um colapso planetário antes, o futuro será holográfico. Feito de mundos dentro de mundos, como matrioskas. O GPT é apenas um balão de ensaio.
Os debates em torno de GPT estão ocultando uma revolução de maior impacto ainda: a computação quântica. Outra mudança de natureza, não de grau. E uma mudança escalável e exponencial. O GPT é o jardim de infância da computação quântica. Fiquemos atentos.
A carta de suspensão das atividades com o GPT é um bom documento sobre a necessidade de debate. Mas oculta um misto de inoperosidade e de cinismo. Uma disputa entre quem vai largar na frente e ganhar bilhões com a tecnologia. Isso revela o abismo entre ética e tecnologia. Não é possível legislar antes do impacto. E legislar depois do impacto pode ser tarde demais. Nesse abismo a cadela do fascismo gera seus filhotes. Diante desse dilema, minha visão é sempre consequencialista: liberar o uso e ir regulando os efeitos de modo pragmático. Por isso, a importância dos governos, de políticas de proteção de dados, de uma legislação severa.
As IAs gerativas tendem a se acomodar e a ser mais uma tecnologia dentre outras tecnologias. Mas, como disse, deve-se politizar o debate. Se unirmos as IAs à possibilidade de desemprego estrutural, mutação ambiental, narrativas produzidas por deep fake, neofascismos, refugiados climáticos, deterioração do estado de direito, decrescimento econômico, dentre outros, quando montamos o quebra-cabeça a imagem que surge é monstruosa.
Minha modesta opinião é que esse novo mundo vai nos oferecer duas saídas: um Comunismo 2.0 ou a destruição em massa da humanidade. Não vai haver terceira opção. Estes são apenas alguns pontos. O debate é infinito e cheio de meandros.
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ChatGPT: “Comunismo 2.0 ou a destruição em massa da humanidade”. Comentário de Rodrigo Petronio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU