01 Abril 2023
Dez anos se passaram desde aquele 13-03-2013, quando Jorge Mario Bergoglio, "o papa que veio do fim do mundo", foi eleito 266º sucessor de São Pedro.
Todo mundo fala sobre isso. Nós também queremos falar sobre isso, simplesmente porque o Papa Francisco e seu pontificado nos interessam.
E é uma satisfação ver que não interessa apenas a nós.
A reportagem é publicada por La Barca e il Mare, 24-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Armando Matteo é um teólogo que merece ser lido e ouvido. Alguns de seus livros (por exemplo, em especial, em “La prima generazione incredula”, de 2009; “La fuga delle quarantenni”, de 2012; “Tutti muoiono troppo giovani”, de 2016; “Pastorale 4.0. Eclisse dell’adulto e trasmissione della fede alle nuove generazioni”, de 2020) têm suscitado um grande debate e constituído tema de confronto, inclusive polarizado, sobre assuntos que de outra forma seriam deixados à margem.
Ex-assistente da FUCI nacional, professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Urbaniana, de Roma, foi nomeado pelo Papa Francisco primeiro como subsecretário adjunto do Dicastério para a Doutrina da Fé e depois, a partir de abril de 2022, secretário da seção doutrinal do mesmo dicastério.
Nas últimas semanas chegou às livrarias com um novo livro cujo título – “Opzione Francesco: per una nuova immaginazione del cristianesimo del futuro” (Opção Francisco: por uma nova imaginação do cristianismo do futuro; San Paolo 2023” – imita (deliberadamente?) o tão discutido texto de Rod Dreher (A opção beneditina: uma estratégia para cristãos em um mundo pós-cristão; Ecclesiae, 2021). Um livro que corajosamente imagina o futuro da Igreja à luz do magistério do Papa Francisco.
Opzione Francesco: per una nuova immaginazione del cristianesimo del futuro, de Armando Matteo | Foto: divulgação
Dez anos de pontificado. Qual é a sua opinião?
Creio que foram anos realmente repletos de estímulos e perspectivas para a vida da Igreja, sobretudo em vista daquela nova etapa evangelizadora que nos cabe hoje e que o Papa Francisco nos indicou desde os tempos da Evangelii gaudium. Obviamente, não se trata de estímulos e perspectivas de empenho simples. De fato, somos chamados a uma verdadeira e própria "conversão pastoral", com todas as implicações que tal expressão possui, e talvez seja por esta razão que a resposta dos crentes e de muitos pastores às solicitações papais tem sido até agora mínima. E corremos o risco de perder também um tempo precioso se não entrarmos resolutamente na dinâmica central do pontificado de Francisco.
Quais são, na sua opinião, as grandes linhas e as escolhas deste pontificado que marcarão a Igreja do futuro?
Não tenho dúvidas sobre isso. Para o Papa Francisco, a reativação do caráter materno da comunidade crente está no centro de tudo. Estamos aqui para formar novos cristãos e novas cristãs. Estamos aqui para levar Jesus a todos e todos a Jesus. Estamos aqui para que a chama da fé continue passando de geração em geração. Estamos aqui para levar a todos a oferta de amizade que Jesus faz e para encorajar todos a responder positivamente a essa oferta de amizade.
Tudo o mais que a comunidade faz – mesmo em relação à sua longa história – só tem sentido se estiver correlacionado a esse propósito primário. Nesse horizonte, a constituição Predicate Evangelium, com o qual um novo status é oferecido à Cúria Romana, tem um poder e uma força simbólica sem precedentes.
Você escreveu recentemente um livro intitulado "A opção Francisco" para ressaltar uma proposta de cristianismo significativa para o homem de nosso tempo. Você pode resumir a proposta?
Para o Papa Francisco, como crentes, somos chamados a aceitar o fato de que nós, cidadãos ocidentais deste tempo, vivemos nosso estar no mundo de uma maneira totalmente diferente daquela que caracterizou a vida de nossos pais e nossos avós. Na verdade, somos protagonistas de uma espécie de salto evolutivo na história da espécie, possibilitado pelas mudanças culturais, científicas, tecnológicas, médicas, econômicas e digitais das últimas décadas. Somos os seres da liberdade, do poder, do prazer, da experiência. Em suma, com a velocidade da luz, passamos do vale de lágrimas de nossas mães e pais para a planície do onipresente sorriso da Amazon de nosso cotidiano.
Essa mudança radical em torno da condição elementar de estar no mundo, por parte do cidadão ocidental médio, guarda no sótão a pastoral do passado: aquela pastoral que visava oferecer uma visão e uma versão da experiência cristã substancialmente como uma experiência de consolação e contenção da angústia de ter vindo a um mundo que apresentava – penso sobretudo nos adultos – mais desafios do que recursos, mais ocasiões de dificuldade do que de alegria.
Para o Papa Francisco é tempo de redescobrir e centrar a experiência de crer como experiência de alegria.
E eis, então, o cerne da opção Francisco: vamos para o outro lado, vamos mudar a pastoral. Para o Papa Francisco é tempo de redescobrir e centrar a experiência de crer como experiência de alegria, como experiência daquela alegria que nasce ao dar espaço ao cuidado, à proximidade, à atenção para que outros tenham alegria, contentamento, felicidade.
É a experiência daquela alegria à qual nos abre o encontro com Jesus, a assimilação do nosso olhar e dos nossos sentimentos ao seu olhar e aos seus sentimentos. Assim, passa para o primeiro plano o grande tema da alegria de dar alegria, que pode entrar em feliz correlação – mesmo contendo os excessos individualistas causados pelo assalto que sofre diariamente das artimanhas da Razão comercial – com a nova condição dos homens e das mulheres de hoje.
Disso decorre que, na época da Amazon, precisamos de um cristianismo da alegria, que seja capaz de fazer emergir e reativar o caráter verdadeiramente "samaritano" da espécie: somos até capazes de perder "tempo e dinheiro" para prestar atenção para que outros vivam bem.
No entanto, o Papa Francisco tem, dentro da Igreja, uma oposição muito forte. Como você a julga e interpreta?
A conversão pastoral à qual o Papa Francisco nos chama não é uma operação indolor. Ele mesmo diz que precisamos transfigurar tudo se realmente quisermos recolocar no centro do nosso empenho pastoral a possibilidade, para qualquer um, de se encontrar com Jesus e deixar fluir dele o poder do caráter samaritano da espécie.
“Conversão pastoral” significa realmente abandonar muito do passado e abrir espaço para muito de novo em nossas atividades pastorais. Significa reduzir drasticamente o número de paróquias (não criar unidades pastorais), significa reduzir o número de missas aos domingos, eliminar a missa pré-festiva, abolir completamente o atual sistema de festas de primeira comunhão e de crisma.
Mas significa também transformar o espaço eclesial num lugar onde se celebra a Palavra, se lê o Evangelho com paixão com as crianças e os adolescentes, se iniciam ao gesto de oração jovens e adultos, se oferece a todos a possibilidade da uma escuta e de uma confissão de vida, se vive a fraternidade mística, se atua na caridade (não na Caritas), se experimenta um caráter de festa, que depois encontra o seu ponto máximo de força na liturgia da beleza e na beleza da liturgia. Em muitas paróquias cheguei a ouvir as canções da missa da minha primeira comunhão… e às vezes você sai de certas celebrações e se pergunta se somos crentes porque estamos deprimidos ou deprimidos porque somos crentes…
Perante essa empreitada ("transfigurar tudo"), é fácil compreender tanto a resistência de quem, por um lado, não quer largar o presente, mesmo empregando pequenos remendos, quanto quem, pelo outro, busca a segurança de experiência do cristianismo de nossos pais e avós. A opção Francisco exige coragem, que por sua vez exige a reativação daquele sentimento de dívida do Evangelho para com todos, que é a base do discipulado cristão. Não estamos aqui para nos salvar e salvar o cristianismo. Estamos aqui para levar Jesus a todos e todos a Jesus.
Você concordará que na Igreja não parece fácil rever os paradigmas. Como trabalhar para tornar possível a "opção Francisco" em nossas cansadas comunidades cristãs hoje?
A coisa é simples: vamos retomar nas mãos a Evangelii gaudium. É um manual de pastoral aplicada que realmente está à altura da situação. Tem tudo e muito mais. Não devemos pensar no futuro do cristianismo. Devemos colocar a mão e o coração no cristianismo do futuro, que, pelo menos no Ocidente, é chamado a ser um cristianismo da Evangelii gaudium.
Medo, ressentimento, tendência de voltar para trás. São esses três obstáculos que você aponta como formas de defesa contra este pontificado…
Refiro-me ao que defino como o “medo ruim”, como atitude paralisante perante o novo e que nos desafia a sair do que é conhecido. Refiro-me ainda àquele sentimento de vazio decorrente da perda da posição central que a Igreja e a própria fé tinham no imaginário popular até poucos anos atrás e que corre o risco de nos tornar rancorosos em relação à história. E, finalmente, refiro-me à tentação de salvaguardar o cristianismo do nosso tempo, opondo-se frontalmente à própria ideia de conversão pastoral.
Devemos fazer o que os discípulos de Jesus sempre fizeram ao longo dos séculos: mudar.
Na verdade, devemos historicizar a crise que vivemos hoje – que é uma crise de decréscimo eclesial – e fazer o que os discípulos de Jesus sempre fizeram ao longo dos séculos: mudar. Mudar as formas de levar a boa nova do Evangelho aos homens e às mulheres da geração a que pertenciam, quando os métodos herdados para o propósito resultavam aquém do limiar mínimo de eficiência. Deixemos então espaço para o sentimento de dívida evangélica para com todos e não teremos mais medo de mudar, saberemos superar o ressentimento e ouviremos repetir as palavras de Jesus que nos prometem fazer, junto com Ele, coisas maiores do que aquelas que ele mesmo realizou.
Como você acha que o Papa Francisco será lembrado?
É muito cedo para esta pergunta. O nosso é o tempo de cumprir as primeiras palavras que nos dirigiu no dia da sua eleição. As palavras de encorajamento para caminharmos juntos, pastor e povo. Aqui está: o Papa Francisco percorreu um longo caminho, abriu muitas trilhas, iluminou muitos caminhos. É tempo para que, como crentes, nos mexamos. Caminhemos, enfim, juntos, povo e pastor!
Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal é o Ciclo de Estudos que o Instituto Humanitas Unsinos - IHU promove neste ano. O evento inicia no dia 10 de maio e se estenderá durante todo o ano de 2023.
No dia 15 de junho, participará do evento o Prof. Dr. Armando Matteo. Para ver toda a programação clique aqui.
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A opção Francisco: por uma nova imaginação do cristianismo futuro. Entrevista com Armando Matteo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU