24 Março 2023
Relatório síntese do IPCC reforça urgência de ações climáticas integradas no curto prazo; limitar o aquecimento global requer zerar emissões de CO2.
A reportagem é publicada por EcoDebate, 20-03-2023.
A urgência da ação climática no curto prazo e o aumento da ambição dos países para a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e para a adaptação são fundamentais para reverter a trajetória do aquecimento global e dos impactos no longo prazo. A renovação do apelo dos cientistas para a ação imediata é a principal mensagem apresentada pelo relatório síntese do Sexto Ciclo de Avaliação (AR6) publicado nesta segunda-feira (20) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O documento resume o conhecimento sobre as mudanças climáticas e seus impactos e riscos, e ações de mitigação e adaptação.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) integrou a delegação brasileira que participou da avaliação dos governos, que aprovaram linha por linha do Sumário do Relatório Síntese para Tomadores de Decisão durante a reunião na semana passada (13 a 17 de março), em Interlaken, na Suíça.
“Ações de curto prazo vão se refletir no longo prazo. Isso é muito importante, pois se a janela de oportunidades não for aproveitada, as possibilidades futuras de redução do aquecimento global e de minimização de seus impactos ficam mais limitadas”, explica Diogo Santos, especialista no tema de impactos, vulnerabilidade e adaptação do MCTI que participou da reunião de avaliação final do IPCC.
O gráfico que ilustra as trajetórias de desenvolvimento (resiliente ao clima) que o mundo deve seguir, de acordo com as decisões e ações implementadas, demonstra o momento importante em que nos encontramos. Se houver ações rápidas e integradas no curto prazo, ainda é possível entrar em um caminho de baixas emissões e melhores condições de resiliência que permitam almejar uma maior sustentabilidade global no futuro. Se as decisões forem adiadas, trajetórias mais sustentáveis não serão mais possíveis.
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Gráfico demonstra as trajetórias de desenvolvimento. (Foto: IPCC | Relatório Síntese)
“O relatório consolida as informações que foram apresentadas pelos grupos de trabalho e nos relatórios especiais. Traz as mensagens mais relevantes para subsidiar as políticas públicas, considerando os resultados dos diferentes relatórios deste sexto ciclo do IPCC, como a necessidade de integrar as agendas de mitigação (redução de emissões de GEE) e de adaptação com vistas ao desenvolvimento sustentável”, explica Santos.
O relatório também recebeu a contribuição de duas cientistas brasileiras. A ecóloga Mercedes Bustamante, que atualmente é presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), trabalhou como editora revisora do documento. A vice-presidente do IPCC para sistemas terrestres, Thelma Krug, é listada como autora e integrante do comitê diretor científico.
O documento direcionado aos formuladores de políticas está organizado em três tópicos: apresenta o estado e as tendências atuais; as mudanças climáticas, os riscos e as respostas de longo prazo; e as respostas que devem ser tomadas no curto prazo.
“O ciclo AR6 indicou os avanços da ciência na atribuição da mudança climática como vetor de eventos extremos, no aprimoramento de modelos e na avaliação de impactos, mas também de soluções”, explica Mercedes, que também participou da reunião de aprovação em Interlaken.
De acordo com a pesquisadora, o relatório síntese pode ser resumido em três componentes: urgência, gravidade e esperança. “[A urgência é que] não estamos ainda na rota para manter o 1.5°C, a gravidade [envolve] impactos distribuídos entre populações e ecossistemas, alguns com consequências irreversíveis em escala de centenas a milhares de anos”, afirma a cientista.
Segundo ela, o relatório também apresenta uma janela de esperança. “A janela de oportunidade ainda está presente com soluções que nos permitem reduzir as emissões à metade até 2030, mas para isso é preciso vontade política, cooperação, financiamento adequado e uma estrutura que considere equidade, justiça social e justiça climática.”
Emissões e a necessidade de aumento da ambição
O relatório reitera que a temperatura média global já está 1,1°C mais alta em relação aos níveis pré-industriais. As emissões médias de GEE entre 2010 e 2019 foram as mais altas em comparação com as registradas nas décadas anteriores. Em 2019, as emissões foram 12% mais altas em relação a 2010 e 54% se comparadas a 1990, muito embora a taxa de aumento tenha reduzido de 2,1% a 1,3% ao ano, entre 2010 a 2019. Os dados de 2019 indicam que 79% das emissões globais de GEE são oriundas dos setores de energia, indústria, transporte e construção, 22% têm origem em agricultura, florestas e uso da terra.
De acordo com o relatório, apesar da expansão das políticas e da legislação sobre mitigação, as emissões globais de GEE em 2030, conforme as contribuições determinadas nacionalmente (NDCs, na sigla em inglês) anunciadas até outubro de 2021, tornam provável que o aquecimento exceda 1,5°C durante o século 21, tornando mais difícil limitar o aquecimento abaixo de 2°C. As políticas atualmente em implementação podem levar a um nível de aquecimento entre 2,2°C e 3,5°C até o final do século. Outro fator pontuado pelos cientistas no relatório é que há lacunas entre as emissões projetadas das políticas implementadas e as dos NDCs e os fluxos financeiros, que ficam aquém dos níveis necessários para atingir as metas climáticas em todos os setores e regiões.
O relatório síntese apresenta com alta confiança que reduções profundas, rápidas e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa levariam a uma desaceleração perceptível no aquecimento global dentro de cerca de duas décadas, e também para mudanças discerníveis na composição atmosférica dentro de alguns anos.
Perdas são proporcionais ao aumento da temperatura média e ações de adaptação
O relatório afirma que cada incremento de aquecimento resulta em perigos que aumentam rapidamente. Ondas de calor mais intensas, chuvas pesadas mais frequentes e outros extremos climáticos elevam ainda mais os riscos para o bem-estar humano e para os ecossistemas. Em cada região, as pessoas estão morrendo de calor extremo. A insegurança alimentar e hídrica vem se agravando com o aumento do nível de aquecimento. Quando os riscos se combinam com outros eventos adversos, como pandemias ou conflitos, tornam-se ainda mais difíceis de administrar.
De acordo com o relatório, se o aquecimento global não for contido, as opções de adaptação viáveis e eficazes hoje se tornarão restritas e menos eficazes. As perdas e danos aumentarão, e os sistemas humanos e naturais atingirão os limites de adaptação possível. Os melhores resultados da adaptação podem ser obtidos por meio de planejamento flexível, multissetorial, inclusivo e de longo prazo, com a consideração de potenciais co-benefícios entre os diferentes setores e sistemas. Muito embora o planejamento e a implementação da adaptação tenham progredido, a intensificação de ações de adaptação é fundamental para reduzir a distância entre o que está sendo feito e o que é necessário fazer.
Sobre o Sexto Ciclo de Avaliação do IPCC
O IPCC publica avaliações científicas abrangentes a cada seis ou sete anos. O anterior, o Quinto Relatório de Avaliação, foi concluído em 2014 e forneceu o principal aporte científico ao Acordo de Paris. O Sexto Ciclo de Avaliação do IPCC integra seis relatórios divulgados desde 2015: três Relatórios Especiais e três contribuições dos Grupos de Trabalho do IPCC.
A contribuição do Grupo de Trabalho I para o AR6, ‘Climate Change 2021: the Physical Science Basis’ (2021). A contribuição do Grupo de Trabalho II, ‘Mudança Climática 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade’ (2022). O Grupo de Trabalho III apresentou ‘Mitigação das mudanças climáticas’
O IPCC também publicou os relatórios especiais sobre questões mais específicas durante a Sexta Ciclo de Avaliação: Aquecimento global de 1,5°C (2018); Mudanças Climáticas e Terra (2019); e Relatório especial sobre o oceano e a criosfera em um clima em mudança (2019). Os materiais foram traduzidos para o idioma português pelo governo brasileiro para facilitar o acesso à comunidade de países de língua portuguesa. Todas as publicações podem ser acessadas no Sistema de Registro Nacional de Emissões (SIRENE) do MCTI.
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Reverter impactos e riscos do aquecimento global exige mudar trajetória de desenvolvimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU