08 Março 2023
"Se não é tarefa do Sínodo 2023 propor modificações concretas no status quo eclesial, do que vai tratar? Ou talvez Roma quer continuamente adiar a consideração de propostas que comportariam o abandono de teses doutrinárias, éticas e pastorais que o magistério católico defende há séculos?".
O artigo é de Luigi Sandri, jornalista italiano, publicado por Confronti, março-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O importante encontro, organizado em fevereiro (5-12) em Praga pelo Conselho das Conferências Episcopais da Europa [CCEE] em vista da primeira sessão do Sínodo que será realizada em Roma em outubro, mostrou muitos pontos em que os bispos europeus concordam, mas também aqueles – como os ministérios femininos – sobre os quais manifestam avaliações divergentes, de modo a induzi-los, para não se dividir, a adiá-los à Assembleia Geral do outono.
O organograma para a preparação do próximo encontro – dedicado a redefinir o esboço de uma Igreja sinodal – prevê que até o final de março as Conferências Episcopais continentais enviem suas pretensões a Roma, partindo das propostas recebidas pelas Conferências nacionais.
De fevereiro a março, este é, além da Europa - e só dela, por enquanto - o plano das reuniões: Oceania, em Suva, Ilhas Fiji, em 5 de fevereiro; Oriente Médio – considerado um continente em si, inclusive pela presença de muitas Igrejas Católicas Orientais – em Beirute, de 12 a 18 de fevereiro; Ásia, em Bangkok, de 23 a 27 de fevereiro; África, em Adis Abeba, de 1 a 6 de março; América do Norte, em Orlando, Flórida, de 13 a 17 de fevereiro; América do Sul, em Bogotá, de 17 a 23 de março.
Com base no material recebido, o cardeal Mario Grech, secretário geral do Sínodo, até junho preparará o Instrumentum laboris, o texto básico a partir do qual o debate começará em assembleia em outubro; portanto, até junho enviará o documento às Conferências cujos delegados terão três meses para se preparar para a Assembleia.
As hipóteses de reformas eclesiais poderiam ser do agrado de algumas Conferências, mas não de outras, ou motivo de conflito com a Cúria. A questão é: temas determinantes – as mulheres nos “ministérios altos”, o celibato opcional para os presbíteros, o reconhecimento da plena moralidade das relações sexuais das pessoas LGBT+, a escolha dos bispos confiada a cada diocese, o compartilhamento do poder na Igreja, portanto envolvendo realmente o "povo de Deus" - será silenciado por Grech, ou destacado? Todas essas etapas oficiais – enriquecidas pelas contribuições "espontâneas" de muitos grupos e comunidades variadas que, dos cinco continentes, expressaram a ele as suas expectativas – fazem com que a Igreja Romana se assemelhe a um vulcão prestes a entrar em erupção.
De fato, para muitos fiéis parece esgotado o tempo das belas palavras; agora é a hora das decisões concretas.
No entanto, prevê-se árdua a possibilidade de que em Roma "conservadores" e "progressistas" encontrem uma feliz síntese.
O alarme da complicação foi revelado pelo próprio Bergoglio.
De fato, o Osservatore Romano de 26 de janeiro relata assim uma entrevista dele de dois dias antes à Associated Press: “Sobre o caminho sinodal alemão [Synodaler Weg] que propõe pedidos como a abolição do celibato sacerdotal, o sacerdócio feminino e outras formas possíveis de liberalização, Francisco adverte que corre o risco de se tornar prejudicialmente ‘ideológico’. O diálogo é bom, mas ‘a experiência alemã não ajuda’, salienta o papa, enfatizando que o processo na Alemanha até agora tem sido dirigido pela ‘elite’ e não envolve ‘todo o povo de Deus’. ‘O perigo é que algo muito, muito ideológico acabe entrando. Quando a ideologia é envolvida nos processos eclesiais, o Espírito Santo volta para casa’".
Declarações que, na Alemanha, desconcertaram as pessoas, inclusive os bispos, que, comprometendo-se com determinação para o sucesso de sua iniciativa de participação real eclesial, agora se veem acusadas de "ideologia" pelas reformas que propõem. Mesmo em outro tema "quente", na mesma entrevista o papa faz uma avaliação que talvez seja rejeitada pela maioria dos fiéis na Europa Central.
De fato, Francisco reiterou sim que “ser homossexual não é crime”; criticou as leis [civis] que criminalizam tal comportamento; recordou que o Catecismo da Igreja católica – emanado em 1992 pelo Papa Wojtyla – recomenda que “as pessoas com tendências homossexuais devem ser acolhidas, não marginalizadas”. No entanto, ele também confirma que a homossexualidade [praticada] é um “pecado”; e não recorda a frase incisiva do texto vaticano:
“A tradição sempre declarou que os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados. São contrários à lei natural" [§ 2357]".
O encontro de Praga contou com a presença de 156 delegados das 39 Conferências episcopais europeias; depois havia 44 convidados pela presidência do CCEE, como expoentes das realidades eclesiais mais representativas em nível europeu, escolhidos - especifica-se oficialmente - garantindo uma presença adequada de leigas e leigos, religiosos e religiosas, diáconos e presbíteros. Também havia algumas dezenas de delegados online. Convidados de Igrejas não católicas também estiveram presentes.
A assembleia decorreu em duas fases: de 5 a 9 de fevereiro envolveu todos os delegados; e de 9 a 12, apenas os presidentes das Conferências. Portanto, a reunião era “eclesial” na primeira parte, “episcopal” na segunda, e decisiva. E, do lado de fora da sala das reuniões, se posicionaram grupos – entre os quais aqueles do movimento Nós somos Igreja - que pediam aos delegados que enfrentassem com ousadia até mesmo os problemas-tabu.
O debate partiu de uma aguda consciência: “Mais uma vez sentimos a dor das feridas que marcam a nossa história recente, a começar por aquelas que a Igreja infligiu através dos abusos [sexuais] perpetrados por algumas pessoas no desempenho de seu ministério ou encargo eclesial, terminando com aquelas causadas pela violência monstruosa da guerra de agressão que cobre de sangue a Ucrânia e pelo terremoto que – nos últimos dias – devastou a Turquia e a Síria”.
E depois como foi? Esta é a opinião do cardeal luxemburguês Jean-Claude Hollerich, relator geral no Sínodo 2023: “Estou muito feliz. Todos sabemos que a Europa tem duas tradições religiosas diferentes, aquela oriental e aquela ocidental, mas permanecemos como irmãos e irmãs. A diversidade de opiniões não perturba a profunda pertença a Cristo".
E, falando de instâncias expressas por delegados do centro-norte da Europa: “A Igreja está pronta para refletir sobre esses pedidos. O papa nos disse para sermos inclusivos, não há dúvida sobre isso. Mas sobre o sacerdócio das mulheres, sobre os padres casados, é preciso rezar, refletir... É claro que as mulheres devem estar no mesmo nível dos homens. Mas se dissermos que não podem ser iguais sem serem sacerdotes, talvez estejamos caindo em um novo clericalismo. Talvez seria bom ter uma Igreja onde as mulheres têm um papel, também como guias [como proposto em Praga nas Recomendações finais], porém sem serem sacerdotes. É preciso deixar o Espírito agir, uma decisão tomada apenas sob pressão, será sempre uma má decisão”.
Palavras que ficam mais claras se vistas à luz da carta que o cardeal, junto com Grech, em 26 de janeiro havia escrito a todos os bispos do mundo: ela lembrava que o tema do Sínodo é "comunhão, participação, missão" para concretizar a "sinodalidade", e não (não!) específicas reformas eclesiais, "fora de tema" em tal contexto.
Portanto, um "pare" para o Synodaler Weg, e para aqueles que propõem hipóteses como aquelas sobre ministérios femininos.
Mas – pergunta – se não é tarefa do Sínodo 2023 propor modificações concretas no status quo eclesial, do que vai tratar? Ou talvez Roma quer continuamente adiar a consideração de propostas que comportariam o abandono de teses doutrinárias, éticas e pastorais que o magistério católico defende há séculos?
A República Democrática do Congo – 2,3 milhões de km2, com 105 milhões de habitantes – é um dos maiores e mais ricos países da África, especialmente por suas minas de cobalto, coltan, urânio, ouro e diamantes. Mas justamente essas riquezas levaram várias Potências a se apoderarem desses bens, num contexto caracterizado por: corrupção generalizada; exploração dos trabalhadores, inclusive de crianças, nas minas; bandos armados subjugando pessoas indefesas; presença, nas fronteiras com a Ruanda, de grupos guerrilheiros apoiados pelo governo de Kigali.
Portanto o grito do pontífice em Kinshasa – “Tirem as mãos da África, tirem as mãos do Congo” – foi aplaudido pela população (50% católica) que se sentiu representada por ele e consolada. Mas a viagem também foi de consolação para Francisco, cansado pelas tensões que agitam a Cúria Romana; e lá o Pastor sentiu profundamente o afeto de seus fiéis. Em seguida, falando aos padres e bispos, exortou-os a evitar o carreirismo e o clericalismo e a ter a coragem de testemunhar o Evangelho com a própria vida.
Ao contrário do Sudão, que é praticamente todo muçulmano, 60% da população do Sudão do Sul é cristã: católica, anglicana e presbiteriana. Portanto, dando um bom exemplo ecumênico, em sua visita Bergoglio se fez acompanhar pelo arcebispo de Canterbury e primaz anglicano, Justin Welby, e pelo moderador da Assembleia Geral da Igreja da Escócia, Iain Greenshields.
Exortando a se empenhar pela reconciliação, Francisco convidou a não responder ao mal com o mal, mas curar as feridas sabendo perdoar.
No Angelus de domingo, 12 de fevereiro, o Papa anunciou: “Chegam notícias da Nicarágua que muito me entristeceram e não posso deixar de recordar aqui com preocupação: o bispo de Matagalpa, monsenhor Rolando Alvarez, a quem tanto aprecio, condenado a vinte e seis anos de prisão, e também pessoas que foram deportadas para os Estados Unidos."
O Tribunal de Apelações de Manágua definiu o bispo como "terrorista" e o acusou - com que provas? – de “conspiração para minar a integridade nacional e propagação de notícias falsas através da tecnologias da informação".
O prelado (nascido em 1966, em Matagalpa desde 2011) havia se recusado a ir em exílio para os Estados Unidos juntamente com mais de duzentas pessoas, entre padres, seminaristas e pessoas contrárias ao governo.
Há anos cresce na Nicarágua a tensão entre o presidente Daniel Ortega e a Igreja Católica, cujo episcopado tem criticado o regime, cada vez mais intolerante com a oposição política. Um ano atrás o jefe ("o chefe"), deixando a Santa Sé estupefata, havia expulsado o núncio, monsenhor Waldemar S. Sommertag. E depois havia definido o Vaticano como “uma perfeita ditadura, uma perfeita tirania. Quem elege os cardeais? Quem elege o papa?”.
A guinada antidemocrática e a perseguição à Igreja Católica, cada vez mais aguda desde 2018, têm sido criticadas em especial pelo monge-poeta Ernesto Cardenal, que foi ministro da Cultura no início do governo sandinista, em 1983, e por isso suspendido a divinis pelo Papa Wojtyla (punição que foi retirada por Francisco, pouco antes de sua morte em 2020).
Ortega - afirmou o religioso - havia traído a revolução. Esquecendo que, 40 anos atrás, os sandinistas haviam ficado muito felizes que muitos católicos apoiassem com eles o fim do regime autoritário de Somoza. Agora, com outra cara, de volta ao País.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Motivos de esperança, mas incerteza diante de problemas eclesiais tabus. Artigo de Luigi Sandri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU