10 Março 2023
"Acima de tudo, é a impotência que desperta a inveja, porque torna impossível ou pelo menos dificulta o justo equilíbrio entre a necessidade de autoafirmação e o sofrimento do limite, que é a intolerância para as possibilidades de que o outro desfruta. Sim, a inveja é o tormento do impotente que, como evoca o termo in-vejar, não permite ver a grandeza do outro de quem não se gosta", escreve Enzo Bianchi, monge italiano, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 1306-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
As paixões, ou o que outrora se chamavam "vícios capitais" e eram um capítulo importante na formação do caráter e de toda a pessoa, são atestadas com diferentes frequências nas diversas épocas.
Aqueles que estão familiarizados com a kairologia, o conhecimento dos tempos, sabem reconhecer as patologias emergentes na experiência histórica e social e, como uma sentinela, são capazes de indicá-las, até mesmo predizê-las e, portanto, denunciá-las para que seja possível contê-las e combatê-los em benefício da convivência humana.
É inegável, também segundo os sociólogos, que em nossa sociedade atualmente a inveja é galopante e, consequentemente, a gratidão está cada vez menos presente e sentida.
Porque se o sentimento de gratidão for cultivado e exercitado, a inveja pode ser extinta. A gratidão é um antídoto para a inveja, que sempre se alimenta da infelicidade alheia. Spinoza observava que "para o invejoso nada é mais apreciado do que a infelicidade alheia, nada é mais irritante do que a felicidade alheia". Quase todos os dias ouvimos falar de pessoas que sentem raiva ou dor pelo sucesso alheio, a ponto de querer destruir aqueles que se beneficiam de algo que elas não possuem. A inveja é sempre um sentimento destrutivo, atormenta quem sofre dela e deve reconhecer os dons, o valor que o outro possui e que ele não consegue obter.
Acima de tudo, é a impotência que desperta a inveja, porque torna impossível ou pelo menos dificulta o justo equilíbrio entre a necessidade de autoafirmação e o sofrimento do limite, que é a intolerância para as possibilidades de que o outro desfruta. Sim, a inveja é o tormento do impotente que, como evoca o termo in-vejar, não permite ver a grandeza do outro de quem não se gosta.
Ocorre assim uma cegueira, o que significa sobretudo não se ver na sua própria realidade: uma realidade marcada pelo limite como aquela dos outros, mas também dotada de dons e qualidades que o indivíduo não sabe mais perceber exatamente na medida em que está obcecado pelo outro. Por isso, a inveja se torna ódio, um ódio contra aqueles que, só de vê-lo, incomoda e fere com sua simples presença. Assim como Caim invejoso de Abel acaba matando-o, assim também o invejoso sempre não aceita o lugar que ocupa e deseja ocupar aquele de outro.
Seu pedido é sempre um protesto contra o limite, uma rejeição da medida. Porque na realidade todos os humanos conhecem e sofrem o limite e devem aceitá-lo para se sentirem tais e viver cada relação "com medida". Não é por acaso que o ensinamento da medida se repete na Regra monástica de Bento, porque na vida comum, quando se aceita o limite e se adere às regras da "medida", pode-se viver extinguindo em si o sentimento que mata a comunhão: a inveja.
Esta última é a doença mortal que não permite o agradecimento, ao passo que quanto maior e mais profundamente enraizada for a gratidão, mais ela esmaga a inveja.
Vivemos numa sociedade em que já não se sabe mais dizer “obrigado” a ninguém: nem à terra, nem a quem caminha ao nosso lado e não nos deixa sozinhos, aliás, nos apoia. A gratidão é a virtude a ser recuperada com urgência.
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Inveja e gratidão. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU