05 Abril 2019
A declaração fornecida para as forças da ordem de Turim pelo assassino de Stefano Leo imediatamente após ter-se entregado espontaneamente nos deixam confusos: nenhum motivo, se não a felicidade de um desconhecido. É por causa dessa felicidade que sua mão se armou com uma faca e matou sua vítima desconhecida: "Eu o escolhi entre todos os outros porque me pareceu que ele tivesse uma vida feliz", estas são as poucas palavras com as quais ele tentou explicar seu gesto tresloucado. Isso teria lhe garantido alguma vitrine midiática?
O comentário é do psicanalista italiano Massimo Recalcati, professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado por La Repubblica, 02-04-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
De fato, nenhuma relação, nenhum desentendimento, nenhum ressentimento, nenhuma reivindicação suspensa entre o assassino e sua vítima. Nem mesmo alguma voz alucinada que teria ordenado a passagem para o ato. Apenas dois jovens desconhecidos, onde um dos dois decide tirar a vida de seu semelhante por ser aparentemente mais feliz que a sua. Dois homens diante de um espelho tragicamente zombeteiro? A vida do homem homicida em frangalhos, em uma crise que percebe como desprovida de qualquer possibilidade de redenção: separação de sua esposa, impossibilidade de ver seu próprio filho, ausência de trabalho, solidão. Aquela do assassinato de uma vida desconhecida, cuja única culpa, justamente, era de parecer mais feliz do que outras. Essa é a cena do crime. A inveja é a única motivação.
Enquanto o ódio responde ao conflito amigo-inimigo, ao antagonismo entre diferentes, entre radicalmente e irredutivelmente diferentes, a inveja implica uma proximidade promíscua entre o invejoso e o invejado. Não invejamos aquele que não pertence ao nosso mundo, mas somente aquele que é como nós, não muito diferentes de nós, mas mais afortunado que nós, mais rico que nós.
Enquanto o ódio se presta a ser usado politicamente, a armar a mão contra o estrangeiro, contra o antagonista, contra o desigual, a inveja anima mais dissimuladamente o ressentimento contra aquele que, como eu, tem (imerecidamente) mais do que eu. A inveja é sempre cega porque atinge aquele que, como nós, tem mais do que nós. Nunca é a inveja de algo, nem é inveja de qualidade ou de propriedade. Se forçarmos a análise do sentimento da inveja mais a fundo, como objeto de inveja não encontraremos nada além da própria vida.
A inveja é sempre, como defendia Lacan, inveja da vida, da vida do outro que tem mais vida do que a minha. Obviamente, não se pode ter inveja de uma vida miserável, deprimida e sem graça. A inveja é sempre inveja de uma vida feliz, é sempre inveja de uma vida plena. A culpa inocente do jovem assassinado na multidão foi provavelmente a de sorrir, de ter mais luz em seu rosto do que os outros. Na verdade, o desespero do invejoso não pode suportar a riqueza da vida dos outros, sofre impotente e tristemente, como recordava Tomás de Aquino, por causa do bem dos outros. Vivemos em um tempo que constantemente alimenta a inveja em vez da luta e do conflito contra as injustiças.
A inveja tomou o lugar da crítica social e da justa demanda de redenção, às vezes penetrando na própria dinâmica política com efeitos desastrosos; privatizando o conflito, tornando-o sem propósito, promovendo a destruição com fim em si mesma na luta pela emancipação.
Nas redes sociais como nas nossas ruas, quem ainda sabe sorrir, corre o risco de ser alvo da inveja de outros excluídos das riquezas da vida. Mas a inveja arruína principalmente a vida do invejoso, quando não aquela de quem é tão somente culpado de ainda saber sorrir para a vida.
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A inveja da felicidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU