23 Janeiro 2023
“Quando você morrer, não vai querer ser lembrado pelo tempo que passou no Instagram, mas pelas coisas que pensava que valiam a pena”. E para isso, segundo Johann Hari: “Devemos lutar para recuperar nossa atenção”. Em El valor de la atención. Por qué nos la robaron y cómo recuperarla (Planeta), o divulgador lança luz sobre a situação que define como uma “grande crise”. Um sólido e potente ensaio que, embora traga certa aura de otimismo, incomoda pelo modo como, desde a sua introdução, evidencia que ninguém está isento desta “epidemia” sem beneficiários.
A reportagem é de Laura García Higueras, publicada por El Diario, 13-01-2022. A tradução é do Cepat.
Mesmo assim, o autor de Tras el grito e Conexiones perdidas garante que é “otimista” em relação ao contexto porque, após percorrer o mundo entrevistando especialistas em concentração humana, concluiu: “As pessoas estão famintas em recuperar sua atenção. Conforme vão conseguindo, querem ainda mais porque permite voltar a se sentir competente e capaz de cumprir os objetivos”.
Talvez a percepção mais difundida seja a de que esse problema foi agravado pela chegada da Internet, dos telefones celulares e das redes sociais. Contudo, Hari aponta que isso já estava acontecendo antes e que há muitos outros fatores envolvidos. Entre eles, o estresse e a alimentação.
“Seguimos dietas que produzem picos e quedas constantes de energia”, comenta, que “contêm de forma ativa elementos químicos que parecem agir em nossos cérebros quase como drogas”. “O alimento sofreu uma profunda degeneração. Em meados do século XX, houve uma rápida mudança de produtos frescos para pré-cozidos e processados”, acrescenta, advertindo para os efeitos da “exposição à poluição e aos produtos químicos industriais”, acerca de como “prejudicam seriamente a capacidade de concentração”.
Da mesma forma, esta conjuntura não afeta o ser humano de uma única forma, mas está provocando a falta de reflexão, de criatividade, de descanso e, em última instância, infelicidade. “Tudo o que requer profundidade está sendo afetado. Estamos sendo cada vez mais conduzidos à superfície”, lamenta.
“As evidências sugerem que se passarmos muito tempo em trocas de mensagens, o dia todo acompanhando tudo e enviando e-mails constantemente, seremos mais lentos e cometeremos mais erros. Nossa criatividade será menor e lembraremos menos do que fazemos”. Este assunto também envolve a imperante impossibilidade de se desconectar: “Não temos tempo para pensar, relaxar ou dormir”. “Nós nos perdemos em uma cascata de distrações”, declara.
A solução, que ele afirma existir, passa por uma resposta coletiva: “Todos nós vemos que isso nos degrada”, pois, com efeito, não atinge apenas o nível individual e prejudica as sociedades como um todo. “Como espécie, enfrentamos uma sucessão de armadilhas e emboscadas como a crise climática e, ao contrário do que acontecia nas gerações anteriores, em geral, não estamos atuando para solucionar nossos maiores desafios”, critica.
“Não acredito que seja acidental que essa crise de atenção seja contemporânea à pior crise da democracia, desde os anos 1930. As pessoas que não conseguem se concentrar estão mais propensas a se sentirem atraídas por soluções autoritárias, simplistas. E é menos provável que percebam que não funcionam”, escreve, alertando sobre o grande perigo que isso representa e como está intimamente relacionado à ascensão da extrema direita. “Não é a única causa, mas, sim, é um fator muito importante”, afirma.
“Facebook, TikTok, Instagram e Twitter ganham dinheiro de duas maneiras: a publicidade e o tempo que passamos nas telas. Tudo o que fazemos nelas é analisado por uma inteligência artificial que busca descobrir como somos. Possuem toneladas de informações que usam para descobrir o que vai nos fazer permanecer mais dentro dos aplicativos”, compartilha sobre o “monitoramento” feito nas redes sociais.
Hari explica que “foi constatado que as pessoas prestam mais atenção às postagens que as deixam com raiva ou tristes, em vez daquelas que as fazem se sentir bem. Faz parte da natureza humana, mas quando combinado com algoritmos que buscam engajar mais tempo, o resultado é terrível”.
O divulgador considera que Jair Bolsonaro era uma figura que não tinha notoriedade “até que o YouTube e os algoritmos começaram a promovê-lo. Viu-se como viralizou quando disse a uma deputada que não a estupraria porque ela não merecia, em pleno congresso”. “Não é por acaso que no dia em que venceu as eleições seus seguidores gritaram ‘Facebook, Facebook!'”, afirma.
Hari considera que a partir da rede social investigaram os efeitos de sua própria dinâmica, sendo uma das suas conclusões que as recomendações feitas entre os usuários também contribuíram para, para citar um exemplo, “a expansão de grupos neonazistas”.
A dificuldade em se concentrar, seja em qual for a atividade, prejudica a autoestima porque, segundo o divulgador, faz com que “percamos o senso de nós mesmos”. E se isso acontece em nível individual, o que acontece com as pessoas ao nosso redor? Que espaço sobra para os afetos e os apegos?
“A atenção é a forma mais profunda de amor. Quando você pensa em sua infância, os momentos mais valiosos são aqueles em que alguém prestou atenção em você”, argumenta o autor, para quem o número de horas que sua avó passou lendo livros para ele, quando era pequeno, é uma de suas lembranças favoritas.
Hari propõe “restaurar a infância”, por ser um período vital determinante no desenvolvimento das sociedades futuras. Além de lamentar que a imagem das praças repletas de crianças brincando é praticamente inexistente, aposta no “exercício” como uma das formas de promover a capacidade de concentração.
“Somos a primeira geração na história que quer que as crianças fiquem sentadas o tempo todo. É uma loucura”, critica. Dentro da brincadeira, “quando não estão cercados por adultos dizendo o tempo todo o que precisam fazer, aprendem a lidar com a ansiedade. E não é possível prestar atenção em nada, se você tem ansiedade o tempo todo”, detalha.
Hari dedica um capítulo inteiro para analisar o aumento de diagnósticos de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), que nos Estados Unidos aumentaram 43%, entre 2003 e 2011, na população infantil. Atualmente, 13% dos adolescentes do país têm a mesma avaliação e, consequentemente, “recebem medicamentos que são poderosos estimulantes”.
“Sabemos que esta tendência coincidiu com outras grandes mudanças no estilo de vida infantil. Agora, quase não podem correr. Possuem uma alimentação muito diferente”, explica, “a escolarização dos pequenos mudou. Concentra-se quase inteiramente em prepará-los para exames muito estressantes, com muito pouco espaço para alimentar sua curiosidade.”
Apesar da gravidade com que descreve a crise de atenção, o autor deixa claro que perceber que ela existe não deve gerar sentimento de culpa. “É preciso entender que não temos que nos sentirmos mal por ser difícil para nós prestar atenção. Nem mesmo se isto acontece com nossos filhos. Nem eles e nem nós temos nada de errado, tem a ver com a forma como vivemos. Se compreendermos isto, poderemos começar a reordenar as coisas”, incentiva. “Chegamos até aqui sem saber como isso nos afetaria”. Por isso, insiste em aproveitar a oportunidade que se abre: “Temos de decidir o que queremos e lutar por isso. Podemos fazer muitas coisas para nos defender”. “A atenção é o nosso superpoder”, afirma.
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“O autoritarismo atrai pessoas que não conseguem se concentrar” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU