“Tenho fé que a rede social pode ser um lugar para engajamento real porque eu vi isso acontecer, mesmo que apenas por um momento fugaz. Se quisermos tornar essa visão real novamente, temos que deixar de lado os maus hábitos que nos impedem de estar em comunidade uns com os outros online e optar pelo tipo de intencionalidade amorosa que nos permite saber quando é hora de falar – e quando é hora de se afastar para dar espaço para outra pessoa”, escreve Molly Cahill, jornalista estadunidense, em artigo publicado por America, 06-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Durante o verão de 2020, meu Instagram se tornou um lugar muito diferente. Em uma temporada que normalmente traz fotos meticulosamente editadas de praias e férias, uma intensa pandemia e o assassinato de George Floyd virou o mundo de cabeça para baixo. A linha do tempo da minha rede social foi repentinamente invadida com infográficos, recomendações de leituras e sugestões de organizações para fazer doações.
E eu gostei muito disto, mais que do Instagram pré-pandêmico que meus olhos ficavam fissurados.
Não era divertido, não era fácil, não era confortável. Mas isso também mudou uma plataforma que tinha uma tendência a ser superficial e focada na aparência para algo muito mais profundo. O que era autopromocional tornou-se comunal.
Com os posts educacionais e de chamado à ação, muitas contas que eu seguia levantavam alertas: não deixe as coisas voltarem a ser como eram, inclusive nas redes sociais.
Embora as fotos editadas tenham eventualmente retornado, eu não penso que as linhas do tempo das minhas redes sociais voltaram a ser o que eram. A sequência de ativismo permaneceu, mas, ao longo dos últimos dois anos, eu tenho assistido a sua mutação – em muitos casos, não para melhor.
Quando um grande evento vira manchete hoje, todos que eu sigo parecem ter uma necessidade compulsória de responder com uma manifestação ou comentário o mais rápido possível. Seja dos feudos da cultura popular a casos da Suprema Corte, eu tenho a impressão que nossa cultura de redes sociais criou diversos novos especialistas sobre tudo.
Não é mais o esforço comunitário que observei nos primeiros dias da pandemia. Voltamos às velhas ferramentas de autopromoção das mídias sociais em nossos esforços para responder aos eventos atuais em nosso mundo que têm consequências reais e que alteram a vida. Por mais bem-intencionado que possa ser, é equivocado e pode ser mais performático do que genuíno.
Certamente não estou dizendo que nunca é proveitoso postar nas redes sociais sobre os acontecimentos do dia, ou que devemos parar de usar o Twitter, o Facebook ou o Instagram como ferramenta para conversar uns com os outros. Estou dizendo, porém, que há uma maneira de fazê-lo com cuidado e sensibilidade. Se não dedicarmos tempo e esforço para descobrir como seria esse caminho, nossas conversas não serão apenas improdutivas; eles também vão machucar as pessoas.
No espírito de melhorarmos, acho que cada um de nós pode fazer uma espécie de exame de consciência na próxima vez que sentirmos a necessidade de responder instantaneamente aos nossos milhares de seguidores. Talvez esses poucos minutos de reflexão nos ajudem a tomar o que às vezes pode parecer uma decisão traiçoeira – postar ou não postar? – com cuidado e intencionalmente.
Aqui estão algumas coisas para manter em mente em seu próprio discernimento:
Pensar nas pessoas que alcançamos nas redes sociais pode nos puxar para fora e nos lembrar de que nossas contribuições são muito mais do que apenas nós mesmos. Embora a validação que pode vir de curtidas e reações a uma postagem seja atraente, uma postagem viral sarcástica não vale o dano que pode causar às pessoas pessoalmente afetadas por uma situação trágica.
Então pergunte a si mesmo: quem é realmente provável que veja isso? A resposta não é o presidente ou a celebridade cuja vida pessoal você está comentando. São seus familiares, seus colegas, seus vizinhos. Na dúvida, fale diretamente com eles. Ao contrário das figuras públicas que você vê online, mas nunca vai conhecer, você terá que responder à sua família e aos amigos pela compaixão (ou falta dela) que aparece nas coisas que você diz.
Este é um dos nossos maiores desafios. Nossa debate cultural parece se mover mais rápido do que nunca, então há essa sensação de que se não dissermos algo agora, o momento de fazê-lo terá passado amanhã porque todos já estarão falando sobre a próxima grande coisa. Quantas vezes vemos respostas instantâneas que não envelhecem bem, que precisam ser retiradas, mesmo dias depois, quando novas informações vêm à tona? Quando algo realmente, profundamente importa, quando fez sentido apressar a resposta? Se um problema é grande, cheio de nuances e difícil de resolver, não deveria fazer sentido que chegar a uma resposta que faça justiça ao problema pode levar algum tempo?
É absolutamente crucial que, quando nos manifestarmos, reservemos um tempo para garantir que o que estamos dizendo seja preciso e justo. Transformar o ativismo de rede social em uma corrida por quem pode falar primeiro nunca permitirá que nosso discurso dure o suficiente para fazer qualquer mudança.
Existe um lugar melhor para você processar o que você vai dizer? A rede social é uma ferramenta que pode ser útil quando o que temos a dizer precisa alcançar muitas pessoas. Nem toda conversa, porém, é melhor quando envolve potencialmente centenas de pessoas ou mais.
Talvez haja um amigo próximo com quem você possa conversar pessoalmente, ou alguém que tenha mais conhecimento sobre esse assunto específico do que você e que possa responder às suas perguntas sem julgamento. Para alguns de nós, escrever pode nos ajudar a organizar nossos pensamentos e descobrir ideias que nem sabíamos que tínhamos. Um diário pode ser seu melhor amigo quando você precisa desvendar pensamentos e sentimentos complicados. E, claro, para as pessoas de fé, a oração e a meditação nos permitem pedir o que precisamos e ouvir o insight. Enquanto algumas conversas se dão bem com o maior número de vozes possível, algumas precisam de apenas duas: a sua e a de Deus.
Para entender nossa responsabilidade pessoal para com uma determinada causa, é útil olhar para o passado. Como as pessoas que se parecem comigo historicamente se comportaram diante de diferentes injustiças? E isso ajudou ou prejudicou a causa?
A título de exemplo, sou uma mulher branca. Por causa da minha identidade, tenho um certo poder. Faço parte de uma linhagem que às vezes prejudicou e excluiu os necessitados. Minha responsabilidade agora é evitar esses mesmos erros. Algumas coisas que posso fazer incluem tomar cuidado para não me concentrar em conversas que não são sobre mim e tentar não ficar na defensiva quando alguém aponta os meus pontos cegos.
Nosso ativismo não pode começar e terminar com um post nas redes sociais. Se você sente a responsabilidade de dar eco nas redes e se a causa sobre a qual está falando vai ganhar força, seus esforços também são necessários em outros lugares. Assimile suas postagens de mídia social com conversas da vida real, doações, votos e muito mais.
Às vezes, é a escolha virtuosa ir às redes sociais e falar alto e com orgulho por uma causa que simplesmente não pode ser ignorada. Às vezes, porém, é a escolha virtuosa deixar alguém liderar a conversa ou fazer uma pergunta em vez de fazer uma declaração irreverente ou esperar para dizer algo até amanhã, quando você já ouviu os outros e sabe mais.
Tenho fé que a rede social pode ser um lugar para engajamento real porque eu vi isso acontecer, mesmo que apenas por um momento fugaz. Se quisermos tornar essa visão real novamente, temos que deixar de lado os maus hábitos que nos impedem de estar em comunidade uns com os outros online e optar pelo tipo de intencionalidade amorosa que nos permite saber quando é hora de falar – e quando é hora de se afastar para dar espaço para outra pessoa.