12 Dezembro 2022
A Dra. Francis Solange Vieira Tourinho, professora negra da UFSC, líder do Grupo de Pesquisa Laboratório de Investigação do Cuidado, Segurança do Paciente, e Inovação Tecnológica em Enfermagem e Saúde, produziu, para o seu trabalho acadêmico, um Glossário de Termos Racistas com a apresentação de palavras que podem substitui-los. São termos usados no dia a dia sem que as pessoas se deem conta da agressão que estão cometendo.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Quem já não aplicou “meia tigela” para definir uma ação mal concluída? Pois meia tigela é um termo racista. “Os negros que trabalhavam à força nas minas de ouro nem sempre conseguiam alcançar suas ‘metas’. Quando isso acontecia, recebiam como punição apenas metade da tigela de comida e ganhavam o apelido de ‘meia tigela’”, explica a autora.
Do mesmo contexto vem a expressão “encher o bucho”. Os escravizados que trabalhavam nas minas de ouro tinham que preencher com ouro um buraco na parede, conhecido como “bucho”. Só quem preenchia o buraco recebia sua tigela de comida. “Encher o bucho” deve ser substituído por “bem alimentado”, “satisfeito”, aponta Francis.
Domésticas, tão comum o seu uso hoje em dia, de modo especial nas famílias de classe média e alta, eram, descreve a autora, “as mulheres negras que trabalhavam dentro da casa das famílias brancas e eram consideradas domesticadas. Isso porque os negros eram vistos como animais e por isso precisavam ser domesticados através da tortura”. Ao invés de doméstica, por que não usar trabalhadora do lar, funcionária?
Assim também o uso do vocábulo “escravo”. O termo “trata os africanos como passivos e desprovidos de subjetividade”, quando africanos que foram trazidos ao Brasil eram reis, rainhas, camponeses, homens e mulheres escravizados contra a sua vontade. A proposta de substituição desse termo seria o uso de “pessoa escravizada” e escravidão por “escravização”.
Na área do desporto é comum a “disputa da nega”, termo que tem sua origem na escravidão, relacionado ainda à misoginia e ao estupro. O Glossário arrola: “Quando os ‘senhores’ jogavam algum esporte ou jogo, o prêmio era uma escravizada negra”.
“Tire o racismo do vocabulário”, título do Glossário, lembra os tão conhecidos termos como “mercado negro”, “ovelha negra”, “humor negro”, “lista negra”, “serviço de preto”, “a coisa tá preta”, “cabelo ruim”, “denegrir”, termos sempre aplicados em sentido pejorativo. No Glossário, todos eles ganham um substituto sem conotação racista.
Até a “mulata/morena” é racista, segundo o Glossário. “Na língua espanhola, [mulata/morena] referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua. A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz ‘mulata tipo exportação’, reiterando a visão do corpo da mulher negra como mercadoria. A palavra remete à ideia de sedução, sensualidade”. Pode ser substituída por pardo(a).
O Glossário alerta ainda para o uso inadequado de “até tenho amigos que são negros”, “tem o pé na cozinha”, “crioulo/negão”, “da cor do pecado”, “não sou tuas negas”, “preto quando não caga na entrada, caga na saída”.
Como educadora das profissões de saúde, Francis Solange pensou o Glossário, assinalou na apresentação, como uma forma de refletir e assim moldar o vocabulário do cotidiano sobre o significado de algumas expressões racistas, e a importante necessidade de orientar e ensinar os termos que implicam respeito”.
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Um glossário de termos para evitar expressões racistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU