07 Novembro 2022
Desta vez, o joelho está dolorido, e pela primeira vez o Papa Francisco é forçado, relutantemente, a renunciar à saudação itinerante, a bordo do avião papal, ao longo do corredor, para cumprimentar e conversar por alguns minutos com os jornalistas – um a um – que o acompanham. O avião da Ita o leva ao Bahrein para uma viagem concebida para estreitar as relações com o Islã moderado, afugentar os riscos de um choque entre civilizações e enfatizar o caminho rumo a sociedades multiculturais e pacíficas.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada em Il Messaggero, 04-11-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há nove anos, quando viaja, o Papa Francisco sempre dedica uma meia hora para conhecer de perto a imprensa internacional que o acompanha. Da CNN à AP, da Paris Match à Rai, do Messaggero ao Le Monde. A bordo do avião que partiu do aeroporto Fiumicino na manhã do dia 4, também estão várias publicações árabes enviadas para cobrir e contar o encontro entre o papa e os líderes muçulmanos enviados ao Fórum Inter-Religioso organizado pelo rei Khalifa. Francisco entra na área dos jornalistas mancando visivelmente e apoiando-se na bengala, enquanto anuncia ao microfone que haverá uma saudação, mas de uma forma diferente.
“Vou lhes dar as boas-vindas, mas aqui, ficarei sentado. Hoje, a minha perna está doendo muito, está dolorida, e isso sempre acontece no dia seguinte à fisioterapia. Gostaria muito de dar a volta e cumprimentá-los como sempre, mas desta vez serão vocês que darão a volta. Será uma viagem muito interessante: fará pensar e lhes dará belas notícias. Obrigado como sempre pelo trabalho de vocês.”
A saúde do pontífice não parece despertar preocupação, mesmo que seja constantemente monitorada. Seu médico pessoal e o enfermeiro Massimiliano Strappetti, que há pouco tempo foi promovido a responsável da saúde vaticana, o acompanham desde Roma. O papa acredita que foi Strappetti quem salvou sua vida há dois anos, quando foi forçado a se submeter a uma operação de emergência no Hospital Gemelli. Na prática, ele teria levado a melhor em relação a vários médicos consultados, convencendo Francisco diretamente a se submeter a uma cirurgia para resolver os espasmos muito dolorosos que o acometiam no abdômen.
Durante uma entrevista à rádio espanhola Cope, Francisco admitiu: “Um enfermeiro salvou a minha vida. E esta é a segunda vez que isso acontece”. A primeira vez ocorreu em 1957, quando uma freira italiana, agindo com autonomia em relação aos médicos, decidiu trocar a medicação dele. Na época, Bergoglio era um seminarista que sofria de pneumonia. A obstinação da freira foi decisiva.
Enquanto isso, no avião, uma longa fila de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas se formava lentamente, cada um à espera da sua vez para cumprimentar o papa. Alguns lhe levavam um presente, como a correspondente francesa Caroline Pigozzi, da Paris Match, que se apresentou com um volumoso quadro do início do século XX, representando Santa Teresinha do Menino Jesus, uma religiosa francesa nascida em Lisieux e a quem Francisco é particularmente devoto. A mexicana Valentina Alazraki, correspondente da rede Televisa do México, levou pastilhas contra as dores nas articulações feitos com extratos puros de plantas que crescem apenas em algumas regiões mexicanas. Pareciam milagrosas. Um presente que o papa gostou de modo particular. Outros ainda presentearam livros.
Francisco se sentou em um dos primeiros assentos da classe “Econômica” – sempre reservado para a imprensa, mesmo que pague custos muito elevados, comparáveis à Primeira Classe –, apareceu sorridente, de bom humor, com as piadas prontas, disponível para ouvir e receber comentários. A uma jornalista, ele perguntou sobre a saúde da mãe idosa com Alzheimer. A condição dos idosos é um tema que lhe é caro. Muitas vezes, ele se detém a falar sobre a fraqueza deles, destacando como são importantes o carinho e o cuidado dos entes queridos que lhes rodeiam. Para o ensino da Igreja, o envelhecimento, as doenças e a morte fazem parte do plano de salvação do Criador. Consequentemente, os avós ou os idosos são assuntos sobre os quais o papa insiste em suas pregações. Ele fez isso centenas de vezes desde o início de seu pontificado.
O Papa Francisco ficará no Bahrein até o dia 6 de novembro. Ele terá um encontro com o grão-imã da mesquita do Cairo, Al-Tayyeb – o principal centro teológico sunita – com quem em 2019 assinou o Documento sobre a Fraternidade Humana em Abu Dhabi, para consolidar as relações com o mundo islâmico moderado.
“Calem-se as armas; calem-se as armas; calem-se as armas.” Ele pontuou a frase com força, repetindo-a de modo obsessivo para marcar os contornos dramáticos do que está acontecendo na Ucrânia, assim como no Iêmen, onde, desde 2015, ocorre um conflito devastador que caiu no esquecimento internacional, apesar das 250.000 mortes.
O Papa Francisco toca o solo do Bahrein a convite do rei Khalifa para participar de uma cúpula sobre o diálogo inter-religioso e, diante das autoridades, no palácio real, todo de mármore, cristais reluzentes e estuques dourados opulentos, ele imediatamente levanta a questão do conflito iemenita, bem ciente de que o Bahrein é um dos aliados da Arábia Saudita na sangrenta campanha militar iemenita. “Melhor seria investir o dinheiro para as armas em tratamentos de saúde e educação.”
O conflito ao qual ele se refere tem fronteiras religiosas e vê em posições opostas os xiitas e os sunitas; a Arábia como líder de uma coalizão sunita, e o Irã, que apoia militarmente os iemenitas. A mesma contraposição que no Bahrein vê os xiitas serem perseguidos apesar de serem a maioria da população.
Antes da viagem, várias famílias xiitas escreveram ao Papa Francisco pedindo para interceder pelos 26 presos políticos no corredor da morte desde 2011, quando eclodiu a Revolução das Pérolas. O Vaticano considera que é “possível e desejável” que o rei Khalifa conceda anistia. “O rei geralmente é o protagonista de gestos magnânimos quando recebe líderes estrangeiros, e acreditamos que isso seja possível também desta vez em relação a alguns prisioneiros depois das revoltas de 2011”, disse o cardeal Miguel Ayuso no voo de Roma para Awali.
Há um fio diplomático subterrâneo que liga a iniciativa humanitária do papa no Bahrein à viagem ao Iraque, onde ocorreu o encontro histórico com o aiatolá Al-Sistani há dois anos. O sonho do Papa Francisco é conseguir abrir frestas entre xiitas e sunitas. Quase um milagre. Assim, o pedido que Francisco faz ao Bahrein é muito claro. Acima de tudo, ele pede o respeito pelos direitos humanos e pela vida, condenando a pena de morte que vigora no sistema judicial.
Naturalmente, quando o papa pede que a liberdade religiosa seja respeitada, ele não faz isso apenas para os cristãos (que, de todos os modos, gozam de uma discreta proteção, a ponto de poderem ir à missa e exercer o culto normalmente), mas também para os xiitas, já que muitas de suas mesquitas foram destruídas até o chão. “Peço que a liberdade religiosa se torne plena e não se limite à liberdade de culto; para que a igualdade de dignidade e a igualdade de oportunidades sejam concretamente reconhecidas a cada grupo e a cada pessoa.”
Para Francisco, trata-se de uma visita curta, de quatro dias apenas, mas muito importante para estreitar os laços com os líderes muçulmanos moderados, construir pontes entre Oriente e Ocidente, e enviar mensagens de paz para a região. O cardeal Ayuso está convencido de que a visita apostólica ao Bahrein terá como efeito positivo, quase colateral, até mesmo o fortalecimento dos Pactos Abraâmicos com os quais, em 2020, sob a administração Trump, foi iniciado um caminho surpreendente visando à normalização das relações com Israel.
No Bahrein – onde está sediada uma importante base naval estadunidense – o Papa Francisco alertou contra os populismos e os imperialismos que avançam em todas as latitudes. “Assistimos com preocupação ao crescimento, em larga escala (...), de rivalidades e contraposições que esperávamos superados, populismos, extremismos e imperialismos que põem em risco a segurança de todos.”
Por fim, não podia faltar uma menção à grande questão ambiental às vésperas da COP 27 no Egito. A referência feita pelo Papa Francisco se inspira em sua encíclica verde Laudato si’: “São necessárias escolhas concretas e clarividentes, antes que seja tarde demais, e o futuro esteja comprometido! É preciso um passo à frente nesse sentido!”
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Papa Francisco em viagem ao Bahrein com dores no joelho: pela primeira vez, cumprimenta os jornalistas sentado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU