27 Outubro 2022
Jair Bolsonaro (PL) diz que demarcar 500 terras ameaça o agro. Levantamento feito para o projeto Mentira Tem Preço mostra que processos de demarcação são 240; na maioria dos estados agricultores, terras indígenas não chegam a 1%.
A reportagem é de Eduardo Geraque, publicada por InfoAmazonia e reproduzida por EcoDebate, 25-10-2022.
Logo em sua primeira fala após saber o resultado do primeiro turno das eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro (PL) reforçou um argumento que vem repetindo desde 2017: o de que em seu governo “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena”. A novidade é que agora ele diz que a demarcação de Terras Indígenas (TIs) prejudica o agronegócio brasileiro.
“O Lula fala em demarcar as reservas que estão sendo pedidas há algum tempo, são quase 500 novas terras indígenas, isso daí praticamente nós acabaríamos com o agronegócio, perderíamos a nossa segurança alimentar, e bem como a nossa balança ia cair muito”, disse ele na noite do dia 2 de outubro. O vídeo foi divulgado em seu canal no YouTube e teve 206 mil visualizações; o que subiu no canal Folha Política, um dos quatro canais desmonetizados pelo Tribunal Superior Eleitoral até o fim das eleições, teve mais de 1 milhão de views.
A pedido do projeto Mentira tem Preço, técnicos do ISA (Instituto Socioambiental) deram senso de realidade à fala do presidente e candidato à reeleição. Em primeiro lugar, Bolsonaro exagera: não existem 500 pedidos de demarcação na fila, e sim 240, segundo uma análise dos dados publicados no Diário Oficial da União.
Dos 728 processos de demarcação formalmente iniciados pela Funai (Fundação Nacional do Índio), quase 67% já foram concluídos. Procurada pela reportagem, a assessoria de Jair Bolsonaro (PL) não respondeu até a publicação desta matéria.
O projeto Mentira Tem Preço, realizado desde 2021 pelo InfoAmazonia e pela produtora FALA, monitora e investiga desinformação socioambiental. Nas eleições de 2022, checamos diariamente os discursos no horário eleitoral de todos os candidatos a governador na Amazônia Legal. Também monitoramos, a partir de palavras-chave relacionadas a justiça social e meio ambiente, desinformação sobre a Amazônia nas redes sociais, em grupos públicos de aplicativos de mensagem e em plataformas.
Quanto ao discurso de que demarcar novas terras indígenas travaria o avanço do agronegócio, os números do ISA mostram que, entre os nove principais estados voltados para o agronegócio, em sete o percentual do território ocupado por terras indígenas não passa de 1%.
No caso específico de Mato Grosso, maior produtor agropecuário nacional, o percentual de território indígena atinge 16% (veja tabela abaixo).
As Terras Indígenas ocupam cerca de 13,7% do território brasileiro, aponta Márcio Santilli, filósofo e sócio-fundador do ISA — nível abaixo da média mundial, que é de 15%. Por outro lado, 41% do território nacional (três vezes mais) são áreas privadas, segundo o Censo Agropecuário 2017 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Além disso, 20% das terras do país pertencem a pouco mais de 51 mil proprietários rurais (ou 1% do total), segundo esse recenseamento
A própria ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro, Tereza Cristina, repetidas vezes afirmou que o agronegócio não precisa desmatar mais nada para aumentar a produção nem da Amazônia para crescer. Suas frases são referendadas por vários estudos do setor, inclusive da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), ligada ao governo federal. Isso porque, hoje, quase 22% do território nacional é ocupado com pastagem — metade disso com algum grau de degradação — e cerca de 8% com agricultura, conforme o projeto MapBiomas e o Atlas Digital das Pastagens Brasileiras.
A maioria absoluta das Terras Indígenas (98%) fica na Amazônia Legal. Atualmente, 9% da extensão total de Terras Indígenas ainda espera a demarcação, considerando-se os processos já abertos na Funai, com áreas e limites definidos preliminarmente (e excluindo-se os territórios “em identificação”, “sem limites” e “extensão definidos”).
Segundo Santilli, hoje, das terras indígenas que estão em processo de demarcação, cerca de dois terços estão em processos que ele considera “enroscados” do ponto de vista jurídico. “Mas não há nada que impeça o governo de fazer a demarcação do outro um terço”, diz. “O que falta mesmo é esforço político. Basta querer.”
Ele explica que não existe nenhum dado que mostra que a demarcação de Terras Indígenas e o agronegócio são conflitantes, muito pelo contrário. Alguns estudos mostram como essas terras, por serem áreas protegidas, contribuem tanto para a preservação da biodiversidade como para o enfrentamento das mudanças climáticas que prejudicam a agricultura.
Um estudo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) mostra um exemplo: no nordeste de Mato Grosso, a temperatura atmosférica chega a ser entre 4°C e 6°C maior fora das Terras Indígenas, exatamente por causa da regulagem climática gerada pela floresta. O entorno do Território Indígena do Xingu, onde a pesquisa foi realizada, registra altos índices de desmatamento.
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Demarcar terras indígenas não acaba com o agronegócio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU