07 Outubro 2022
Para o historiador argentino Federico Finchelstein, que acaba de publicar Uma breve história das mentiras fascistas, nos últimos anos surgiram no mundo grupos populistas de direita que estão se aproximando perigosamente do fascismo. “Com Trump e Bolsonaro, vemos um fenômeno que não se via antes com outros populistas de direita como Berlusconi e Menem”, afirma na entrevista ao La Tercera.
A entrevista é de Juan Paulo Iglesias, publicada por La Tercera, 30-09-2022. A tradução é do Cepat.
O que entendemos hoje por fascismo? Considera que existe um abuso do termo?
Concordo que há um abuso. Hoje, qualquer atitude autoritária ou que as pessoas não gostem é chamada de fascista. Por isso, é preciso ir à história para entender o que é o fascismo e como evoluiu. Nesse marco, o fascismo é uma ideologia antidemocrática, de extrema-direita, com um nacionalismo extremo, com uma ideia da política entendida como um culto ao líder, com líderes carismáticos messiânicos e o que eu chamo de quatro pilares.
E quais são esses pilares?
O primeiro é a ditadura, pode haver ditaduras sem fascismo, mas não há fascismo sem ditadura, sem aspiração à ditadura ou à prática da ditadura. O segundo elemento é a violência e a militarização da política. A valorização da violência como a necessidade de exercer a violência para gerar poder e, por outro lado, a ideia de que a política é como a guerra e que, portanto, vão se disfarçar de soldadinhos. A ideia de violência é central para o fascismo. Claro que pode haver guerra e militarização da violência sem fascismo, mas não há fascismo sem isto.
O terceiro pilar é o ódio ao diferente, a política da xenofobia, a demonização do adversário e o racismo. O quarto e último é a mentira totalitária, a mentira absoluta que é o tema do livro que acabo de publicar. Este quarto elemento é diferente no fascismo do que em outras ideologias. Pode haver mentiras na política sem fascismo, mas não há fascismo sem grandes mentiras na política.
Nessa lógica, existem populismos de esquerda que utilizam elementos fascistas?
A resposta rápida é não. O que vemos nos populismos de esquerda é um autoritarismo que não se distingue por nenhum desses quatro pilares. Pode acontecer, é claro, como é o caso da Venezuela que se passe do populismo à ditadura. Na Venezuela e na Nicarágua, não há populismo, há ditadura. Quando há populismo, há democracia. O populismo é uma forma autoritária de entender a democracia.
A seu ver, o que explica que pessoas que antes votavam na esquerda agora estejam optando pelo populismo de direita?
A resposta não é simples. É uma excelente pergunta e a resposta não pode ser simples e tem a ver com fatores internacionais e também nacionais. Tem a ver com a crise da representação, onde muitas vezes posições que têm a ver com o tecnocrático e com o governo das elites são justamente rejeitadas por alguém que vem com um discurso ainda mais autoritário, que diz que “essa gente não representa o povo, vote em mim, porque eu sou o povo”. Soa quase como uma posição que tem origens absolutistas, um personalismo absoluto.
Que reflexão gera, para alguém que estudou o fascismo, o fato de que, na Itália, uma figura como Giorgia Meloni se torne a primeira-ministra?
Para mim, traz a ideia de um grande fracasso cívico. O que acredito que está acontecendo na Itália é que se está perdendo essa consciência histórica do quanto o fascismo foi nocivo em um país que foi refundado, após o fascismo, em termos democráticos e, sobretudo, antifascistas.
À luz dessa análise, considera que a democracia liberal está em crise?
Estamos vivendo a manipulação da informação, o ataque à imprensa independente, o ataque ao pluralismo, uma grande promoção da intolerância, todas coisas que fazem mal à democracia. Nesse marco, vemos diferentes tipos de respostas a esta situação e o que me parece preocupante é o deslocamento do que era uma direita mais tradicional a uma direita que se parece cada vez mais com este novo populismo que se aproxima do fascismo. É um grupo que mantém uma identificação global e que, como digo, está voando muito perto do fascismo.
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“Há uma nova direita global que está voando muito perto do fascismo”. Entrevista com Federico Finchelstein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU