05 Outubro 2022
"O aparente aumento da atuação entre evangélicos no início do segundo turno não deve ser lido como uma demonstração de força. Percebo muito mais como uma última cartada que envolve um sentimento de cruzada e parece mobilizar a vários pelo medo. Aciona-se o pânico moral e a mobilização de afetos que visa envolver não só os fiéis evangélicos, mas fiéis de outros credos e os sem religião. E, me parece que particularmente, alguns ateus também acabam tocados. O que fazer? Não há fórmula mágica de resposta é a receita envolve fazer campanha, dialogar, pedir votos e não se deixar ser pautado por aquilo que Bolsonaro espera como reação", escreve Alexandre Brasil Fonseca, sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Foi Lula, após anos de ataques, lawfare, prisão injusta e de seu partido ter enfrentado um impeachment/golpe há poucos anos, o grande vitorioso no primeiro turno das eleições presidenciais de 2022. O PT passa ter musculatura similar ao que tinha nas eleições de 2014 e o desafio para este segundo turno será grande, todos sabiam que não seria uma eleição fácil.
Houve um resultado significativo do bolsonarismo nas eleições para o Senado com a eleição de figuras próximas ao atual presidente. Outros que também o apoiavam não tiveram o mesmo êxito. Há um componente econômico nas campanhas eleitorais que não pode ser ignorado e que é bem importante. Há correlação positiva alta entre números de votos e dinheiro investido nas eleições. Qual foi o valor declarado por essas campanhas? Ele foi condizente com as estruturas montadas? Essas são questões que precisam ser consideradas atentamente.
Mas meu ponto aqui é outro. Como era de se esperar teve início uma busca de culpados para uma não vitória no primeiro turno. As pesquisas davam a possibilidade e o que vimos foi isso mesmo. A possibilidade esteve bem próxima, faltando menos de 2% dos votos para isso. O desempenho maior de Bolsonaro do que nas pesquisas tem sido explicado pelo voto útil e indecisos que votaram por medo dessa possível vitória já de Lula no dia 2 de outubro.
Essa busca por culpados para uma não vitória no primeiro turno às vezes acaba por resvalar no mesmo ator apontado em 2018: os evangélicos. Parece um mantra que ronda a cabeça de parte da intelligenzia brasileira, enquanto para a direita a culpa é do nordestino, para a esquerda é do evangélico. Há uma maior adesão de evangélicos a Bolsonaro? Não há dúvidas disso, como já escrevi, sem o voto evangélico a votação seria bem diferente. Mas o que foi alto em 2018 parece ter retornado aos valores anteriores em que o PT alcançava cerca da metade do voto evangélico.
Uma primeira diferença deste ano, talvez por terem menos recursos disponíveis e por ajustes tanto da justiça como da empresa dona do aplicativo, não foi visto um uso tão intenso do WhatsApp como em 2018 até agora. E friso o “até” com afinco. Acho que nesse segundo turno ele vai vir com força ainda maior e esses dias iniciais dão conta disso com a chuva de vídeos e postagens satanizando Lula e o PT. Uma reação apareceu nas redes com imagens de Bolsonaro na maçonaria, resta saber a eficiência desta em chegar nos celulares dos fiéis.
Há um investimento forte de Bolsonaro entre evangélicos. Esse é parece ser o único caminho que ele possui para aumentar os seus votos entre mulheres e entre pessoas de baixa renda. E é isso o que ele faz. Também começaram a circular vídeos de mulheres e pastoras com fortes críticas ao PT. Ficar nesse tipo de discussão pode ser interessante para ele. Para Lula e a Frente que o apoia é fundamental ir além.
Entendo que a circulação desse material não é exatamente uma demonstração de força entre evangélicos, mas sim uma estratégia de campanha para buscar esses votos. Há uma estrutura que tem sido acionada e como ele tem menor rejeição no segmento, logo é por ali que ele precisa entrar para virar votos. E a estratégia passa também por pautar o debate, enquanto as redes rebatem o vídeo do satanismo já tem novos vídeos e temas rodando. Dessa forma ele fica relativamente confortável atuando em temas similares, sejam positivos ou negativos para ele, mas sem tratar de outros assuntos em que ele pode ser mais afetado. É preciso estar atento para isso.
Dentro da estratégia ele garantiu o apoio de lideranças das maiores denominações pentecostais e estas têm acionado a sua estrutura para apoiar a sua candidatura há muito tempo. Entre maio e setembro Bolsonaro esteve em 27 eventos evangélicos multitudinários, 11 marchas para Jesus entre estes. Visitou 17 Estados com esse tipo de agenda e que envolveu uma ampla gama de denominações. 49% dessas visitas foram no Sudeste e muitas delas envolveu agendas específicas para mulheres.
Qual foi o resultado disso? Vamos olhar as pesquisas. Segundo o Quaest, Bolsonaro iniciou o crescimento entre evangélicos em março recebendo votos de Moro e foi crescendo como resposta da campanha feita com a ida a vários eventos, cerca de dois por semana. Chegou ao que parece ser o seu topo em setembro. Nessa época se inicia a campanha do PT de forma organizada e há uma resposta positiva em termos de declaração de voto em Lula nas pesquisas, levando a uma diminuição de Bolsonaro e um aumento de Lula, que fez somente um evento destinado a este público no dia 9 de setembro. Os dados do Quaest estão no gráfico abaixo a partir do agregador do CEBRAP:
Imagem enviada por Alexandre Brasil Fonseca.
O agregador do CEBRAP indica que 48% dos votos evangélicos estão com Bolsonaro e 30% com Lula no somatório de todas as pesquisas analisadas. Resultado diferente aparece no AtlasIntel, onde Bolsonaro tem 51,1% e Lula 38,5% na rodada de 1º de outubro. Esse foi o instituto que mais próximo ficou do resultado geral do primeiro turno e o percentual de Lula entre evangélicos difere significativamente aqui. Se consideramos somente os votos nos dois candidatos cabe lembrar que saímos de uma realidade no segundo turno de 2018 em que Bolsonaro teve 72% do voto evangélico e o PT 28% e agora estamos falando de algo como 60% a 40% pelos números do CEBRAP. Já na AtlasIntel a relação seria de 55% a 45%, patamar historicamente conseguido pelo PT antes de 2018 entre evangélicos. No gráfico abaixo os votos declarados por evangélicos para Bolsonaro e Lula na AtlasIntel de agosto até outubro.
Imagem enviada por Alexandre Brasil Fonseca.
Nessas pesquisas a distância de Bolsonaro para Lula foi de 12% na sondagem de 1º de outubro, o que representa que a campanha de Lula teria conseguido diminuir em 3 milhões de votos a distância dentro do eleitorado evangélico, o que se deu graças à queda da diferença de 20% para 12% nesses dois meses. Na Quaest a redução foi similar, de 26% para 20%. Já tanto no IPEC como no Datafolha a situação é diferente. Há uma diminuição de apenas 1% nessa diferença, só que nesses dois institutos Bolsonaro aumentou o seu percentual de agosto para outubro. Em todos os quatro institutos houve um aumento de Lula na intenção de voto entre evangélicos, variando entre 4% e 5% de votos a mais de agosto para outubro. O gráfico abaixo apresenta os percentuais de votação dos dois candidatos em quatro institutos e a diferença entre essas votações.
Imagem enviada por Alexandre Brasil Fonseca.
Algo que parece ser concordância em todas as pesquisas é uma espécie de teto de votos de Bolsonaro, com a campanha de Lula tendo avançado dentro desse espaço possível disponível. Tanto Bolsonaro quanto Lula potencialmente podem aumentar em cerca de 20% entre os evangélicos, conforme às taxas de rejeição (ficam em cerca de 50% para Lula e 30% Bolsonaro). Há uma campanha e investimento pesado de Bolsonaro entre evangélicos há vários anos e isso tem resposta em votos. Neste segundo turno o espaço de crescimento de Bolsonaro é maior entre evangélicos do que no conjunto da população. Agora é neste grupo que ele busca os 8 milhões de votos que lhe faltam. O problema que isso representa praticamente o total de votos disponíveis. Tarefa difícil. Ele precisa tirar votos de Lula entre evangélicos, aumentar a rejeição do candidato. Veremos muitos ataques pela frente, pois somente assim ela terá condições de ser reeleito. Será preciso calibrar uma entrada no Nordeste, entre os pobres e as mulheres por meio das intersecções destes com os “evangélicos”. Fora isso parece ter ocorrido um investimento na questão territorial no primeiro turno que é algo que vai precisar ser utilizado.
O aparente aumento da atuação entre evangélicos no início do segundo turno não deve ser lido como uma demonstração de força. Percebo muito mais como uma última cartada que envolve um sentimento de cruzada e parece mobilizar a vários pelo medo. Aciona-se o pânico moral e a mobilização de afetos que visa envolver não só os fiéis evangélicos, mas fiéis de outros credos e os sem religião. E, me parece que particularmente, alguns ateus também acabam tocados. O que fazer? Não há fórmula mágica de resposta é a receita envolve fazer campanha, dialogar, pedir votos e não se deixar ser pautado por aquilo que Bolsonaro espera como reação.
A pergunta que precisa ser feita é quais são os temas que realmente interessam a população? Quais são as propostas a se debater? Quais explicações Bolsonaro como atual presidente precisa explicar o seu descaso para com a vida humana e a péssima gestão do país em seu governo. Como ele lidou com os casos de corrupção de seu governo? Por que o sigilo de suas ações? São essas algumas das pautas que precisam ser abordadas. Há uma agenda conservadora no Brasil que Bolsonaro e seu grupo tem tido habilidade em acionar. Isso é assunto para outra conversa.
O enfrentamento à desinformação é necessário, mas não pode tomar o centro de nossa agenda. É preciso produzir vacinas, se antecipar. O aumento da fome, as mortes na pandemia, o aumento descontrolado das armas, a violência política, a péssima gestão da do Estado, a crise econômica, os escândalos de corrupção, o aumento dos alimentos, o descaso com a saúde e a educação precisam estar com destaque no debate. O que tivemos foi um péssimo governo, incompetente e que sobrevive por meio da promoção de cortinas de fumaça. Aproxima-se o tempo em que o Golden Shower será uma remota lembrança na vida pública desse país.
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Voto evangélico: 2022 não é 2018. Artigo de Alexandre Brasil Fonseca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU