01 Setembro 2022
"Poderá a espécie humana ter atingido o seu clímax, como todas as espécies a seu tempo, e daí desaparecerá?", questiona Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
Ninguém pode negar que nosso Lar Comum, a Terra viva, está se preparando para uma grande transição. O que foi vivido nos últimos séculos, como paradigma de civilização, vale dizer, a forma como habitamos e organizamos a Casa Comum, à base da ilimitada exploração de seus recursos naturais, não pode mais continuar. Este paradigma esgotou suas potencialidades de realização. Entrou em agonia. Mas esta pode se prolongar ainda por bom tempo.
Ele armou para si, involuntariamente, uma grande cilada: começou com o maior ato terrorista cometido pelos EUA lançando duas bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, devastando todo tipo de vida. Logo, J. P. Sartre reagiu dizendo: nós nos apropriamos de nossa própria morte e podemos pôr fim à nossa espécie. Severo foi um dos maiores historiadores modernos, Arnold Toynbee, ao constatar, consternado: “coube à nossa geração assistir o modo de nossa autodestruição; ela não será obra de Deus, mas de nós mesmos”. Inventamos o princípio de autodestruição das mais diferentes formas. A tecnociência moderna que tantos benefícios nos trouxe, tornou-se irracional e enlouquecida porque suicidária.
As múltiplas crises pelas quais o inteiro planeta está passando representam uma espécie de dores de parto. A maior delas foi e é a intrusão do coronavírus. Ele atingiu somente os seres humanos. Não respeitou os limites de soberania dos países e tornou irrisória a máquina mortífera das potências militaristas.
Para quem não apenas constata fatos, mas procura discernir neles a mensagem escondida, deve se interrogar: que coisa Gaia, a Terra viva, nos quer comunicar com a Covid-19 que já fez milhões de vítimas?
Seguramente é um contra-ataque da Mãe Terra contra as sistemáticas violências que seus filhos e filhas já há séculos estão movendo contra ela, uma verdadeira Guerra, sem nenhuma chance de ganhá-la. Ultrapassamos os limites suportáveis do sistema-Terra de tal modo que precisamos de mais de um planeta e meio (1,7) para atender nosso estilo consumista de vida. É a assim chamada Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot). Todos os sinais entraram no vermelho e estamos no cheque especial. Em outras palavras: os bens e serviços necessários para garantir a vida estão se esgotando. Um pouco mais, mais um pouco poderá ocorrer um colapso das bases que sustentam ecologicamente a vida no planeta.
Quem dos chefes de Estado e dos grandes gerentes (CEOs) das megacorporações refletem e tomam decisões face de tal situação-limite de nossa Casa Comum? Talvez tomem conhecimento da real situação. Mas não lhe dão importância porque, caso contrário, deveriam mudar completamente o modo de produção, renunciar aos fabulosos ganhos econômicos, mudar sua relação para com a natureza e se acostumar a um consumo mais frugal e mais solidário.
Porque isso não ocorre, entendemos as palavras do Secretário Geral da ONU, António Guterres, há pouco tempo, num encontro sobre as mudanças climáticas em Berlim: “Temos uma única escolha: a ação coletiva ou o suicídio coletivo.” Antes, em Glasgow por ocasião da COP26 sobre as mudanças climáticas, asseverou peremptoriamente: “ou mudamos ou estamos cavando a nossa própria sepultura”.
Talvez o risco mais iminente da mudança de situação de nossa Casa Comum seja o alarmante aquecimento global constatado nos últimos tempos. A partir do Acordo de Paris de 2015 havia-se acordado de evitar até 2030 a subida de 1,5 grau Celsius para evitar grandes danos para a biosfera. Com a entrada maciça de metano, devido ao degelo das calotas polares e do permafrost (que vai do Canadá até os confins da Sibéria), foram liberadas milhões de toneladas de metano. Este é 28 vezes mais danoso que o CO2. Em razão desta mudança, o ICLL admitiu que não mais em 2030, mas até em 2027 ocorreria aumento da temperatura para além de 1,5 até 2,7 graus Celsius.
Os eventos extremos que atualmente estão ocorrendo na Europa, na Índia e em outros lugares, com grandes queimadas e níveis de calor nunca experimentados antes, e, ao mesmo tempo, o frio inusitado no Sul do mundo estão dando mostras de que a Terra perdeu seu equilíbrio e está procurando outro.
Resumindo o discurso: seguindo esta tendência, que futuro nos esperará? Poderá a espécie humana ter atingido o seu clímax, como todas as espécies a seu tempo, e daí desaparecerá? Ou pode ocorrer, pelo gênio humano ou pelas próprias forças do planeta Terra conjugadas com as energias do universo, de dar um salto de qualidade e assim inaugurar uma nova ordem e dar continuidade à espécie humana? Se isso ocorrer, o que auguramos, não se fará sem pesados sacrifícios de vidas da natureza e da própria humanidade.
Há 67 milhões de anos caiu um meteoro de quase 10 km de extensão no Caribe que dizimou todos os dinossauros e 75% de todas as formas de vida, poupando nosso ancestral. Não poderia ocorrer algo semelhante com o nosso planeta Terra? Provavelmente não um meteoro rasante, mas qualquer outro incomensurável desastre ecológico-social.
Se sobrevivermos, a Terra terá dado o salto salvador e realizado o parto tão esperado. As dores de parto terão passado e, finalmente, será gerado o bioceno e o ecoceno. A vida (bio) e o fator ecológico (eco) ganharão centralidade, comprometendo o nosso cuidado e todo o nosso coração. Que esse desiderato seja uma utopia viável que nos permita continuar sobre esse belo e ridente planeta.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A Terra em dores de parto: virá o grande salto salvador? Artigo de Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU