30 Agosto 2022
Mais de 25 anos atrás, astrofísico americano previa um futuro distópico em que prevaleceria a desinformação e a pseudociência, levando ao "emburrecimento" dos EUA e a uma "celebração da ignorância" através da mídia.
A reportagem é de Felipe Espinosa Wang, publicada por Deutsche Welle, 25-08-2022.
Há 27 anos, o astrofísico e grande divulgador da ciência Carl Sagan (1934-1996), conhecido mundialmente pela série de televisão Cosmos, lançou uma previsão extremamente acertada sobre o futuro, na qual parecia antecipar o auge das grandes tecnologias e da desinformação.
Ainda que a previsão dissesse respeito especificamente ao futuro dos Estados Unidos, os temas de que trata possuem um caráter mais universal; uma premonição geral da sociedade moderna.
Além de seu trabalho como astrônomo, cientista planetário, cosmólogo, astrofísico, astrobiólogo e promotor da ciência, Sagan também era um escritor prolífico. Em 1995, publicou O mundo assombrado pelos demônios: A ciência vista como uma vela no escuro, no qual aborda desde questões espirituais até desmentidos sobre abduções alienígenas.
Capa do livro: O mundo assombrado pelos demônios: A ciência vista como uma vela no escuro, de Carl Sagan. (Foto: Divulgação)
Mas, bem além desses temas, seu livro constrói uma defesa apaixonada da ciência e do método científico, e explica como ela ajudou a iluminar muitos dos rincões mais sombrios do universo. Dessa forma, o astrofísico demonstra como a busca pela paz e pela verdade era minada por dois velhos conhecidos da humanidade: a superstição e a pseudociência.
Hoje, passados 27 anos da publicação da obra, o que mais chama a atenção nas redes sociais é uma passagem descritiva na qual Sagan faz uma previsão sobre futuro dos Estados Unidos, inquietantemente similar à realidade em que se vive.
"A ciência é mais do que um conjunto de conhecimentos, é uma forma de pensar. Tenho um pressentimento sobre uma América, na época dos meus netos ou bisnetos, quando os EUA serão uma economia de serviços e informação; quando quase todas as principais indústrias de manufatura terão escapado para outros países; quando impressionantes poderes tecnológicos estarão nas mãos de alguns poucos, e ninguém que represente os interesses públicos conseguir compreender os problemas; quando os seres humanos tiverem perdido a capacidade de estabelecer seus próprios objetivos ou de questionar com conhecimento de causa os que detêm a autoridade; quando, apegados aos nossos cristais e consultando nervosamente nossos horóscopos, com nossas faculdades mentais 3m declínio, incapazes de distinguir entre o que nos faz sentir bem e o que é verdade, retrocedemos, quase sem perceber, à superstição e às trevas."
Carl Sagan’s prediction about America, from 1995.
— Ali A. Rizvi (@aliamjadrizvi) August 8, 2022
From The Demon-Haunted World pic.twitter.com/ZY6FNvMDKd
Ainda que Sagan costumasse projetar visões otimistas, o trecho descreve uma possível sociedade distópica, repleta de divisão, confusão, desconfiança nas autoridades e uma separação cada vez maior entre os mais ricos e os mais pobres, sob lideranças cada vez mais autoritárias.
No capítulo em questão, Sagan trata, ainda, de alguns fenômenos culturais americanos da época, como o programa de televisão Beavis e Butthead e o filme Debi e Lóide, que ele considerava exemplos da decadência intelectual nos EUA:
"O emburrecimento dos Estados Unidos é mais evidente na lenta degradação dos conteúdos substanciais na mídia enormemente influente, nas frases de efeito de 30 segundos (agora reduzidas a dez segundos ou menos), as programações baseadas no mínimo denominador comum, apresentações crédulas sobre pseudociência e superstição, mas, sobretudo, numa espécie de celebração da ignorância."
Pode-se apenas imaginar qual seria sua opinião sobre o futuro dos Estados Unidos se ele estivesse vivo hoje e testemunhasse o fenômeno das novas redes sociais, desde o YouTube e o Instagram até a ascensão vertiginosa dos serviços de streaming, entre outros.
Muitos, talvez, considerem que a previsão feita há 27 anos não seja realmente uma revelação, e estão, provavelmente, corretos, uma vez que vislumbrar um futuro distópico não é especialmente complicado.
Mesmo assim, Sagan, com sua grande sensibilidade e inteligência, foi capaz de captar grande parte da essência das mudanças que começavam a se formar naquela época, e que hoje parecem óbvias. Escutar as vozes do passado pode ajudar a recordar e refletir mais sobre o que se pode melhorar na sociedade atual.
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Carl Sagan – infelizmente – tinha razão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU