26 Agosto 2022
"O tom triunfalista [da igreja Universal] alimenta o governo Bolsonaro que explora belicamente a partir do argumento da guerra cultural e dos deuses", escreve Fábio Py, doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RIO e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF.
“Toda construção e toda inauguração
de uma nova morada equivalem de certo modo
a um novo começo, a uma nova vida”
(Eliade)
No fim do mês de julho de 2022, os meios de comunicação destacaram a inauguração do novo templo icônico da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Brasília. A festividade contou com a presença ilustre da cúpula do governo e, ao mesmo tempo, serviu para a afirmação do projeto do cristianismo triunfante, base do bolsonarismo. Interessante que o novo templo se chama “Solo Sagrado” numa referência ao texto de Êxodo 3 onde deus manda Moisés tirar as sandálias para pisar com os pés descalços “porque é o lugar anto/sagrado”, o que simbolicamente liga o novo templo da Universal e o que chamaram na celebração de processo de “santificação de Brasília e do Brasil” com arquitetura característica da capital de trabalho de Oscar Niemeyer - fora das características dos templos da Universal.
Projeto do Templo Solo Sagrado
Foto: Divulgação | Universal
Como se pode ver na imagem acima, o templo tem uma forma moderna, com formas arredondadas, vidros escurecidos com traços ligados a arquitetura de Niemeyer. Ao mesmo tempo, ele visa ser um demonstrativo da administração Universal na era Bolsonaro, até porque toda sua construção se deu neste governo com o início da construção em 2019 e término em julho de 2021. Além de um lugar de cultos, o templo será a nova sede administrativa da igreja no Distrito Federal. Sobre a festividade de inauguração do Templo, chamada nos estudos de história da religião de cosmogonia, esta ocorre estrategicamente no ano eleitoral, justamente com participação do presidente (e candidato à reeleição) o qual se diz politicamente como “verdadeiro cristão” e ungido por deus para dirigir a nação.
Nesse contexto, a cosmogonia Universal contou com a presença, além do próprio presidente da república (Jair Bolsonaro), do presidente da Universal o Bispo Macedo, a primeira dama Michelle Bolsonaro, a ex-ministra e terrivelmente evangélica Damares Alves, Cristiane Britto (ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos), Carlos França (Ministro das Relações Exteriores), o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha, e o Deputado Federal, presidente do Republicanos e bispo da Universal Marcos Pereira. No meio da celebração, o bispo Macedo enfatizou a ideia do pecado e do triunfo governamental.
Pouco antes da fala do Macedo, o apresentador da celebração deixou claro a importância da festa saudando as instâncias oficiais republicanas presentes como: “ministros, parlamentares, magistrados, as demais autoridades civis e militares presentes”. Diante da evocação das autoridades lembrou que o espírito santo e o “deus altíssimo vem iluminar a mente, o entendimento, o pensamento de todos os senhores”. Ora, é comum na linguagem Universal usar as expressões “o deus altíssimo” bem como a do “deus que do alto governa” – ambas referências que se contornam de um divino autoritário que deve “iluminar para que o trabalho dos senhores venha fluir iluminar”. Assim, as autoridades, em nome de deus devem dar a “direção para que haja luz em nosso país”.
Nesse tom, entrega o púlpito para o presidente da igreja, o bispo Macedo. Como se disse, o bispo fala do tema da “alma”. Trata essa questão a partir de um vídeo com tom persecutório junto ao conceito de pecado que “vem desde o tempo de Adão e Eva, até chegar aos dias de hoje”. O vídeo salienta que o pecado nos dias de hoje transparece com as festas, bebidas e drogas. Assim, Macedo volta à palavra tratando da temática dos justos e injustos, junto a leitura bíblica da parábola de Jesus sobre o Joio e o Trigo. Esta parábola desenvolve que o joio parece ser o trigo, mas não é. Ele tem apenas aparência. Assim, sinaliza que pessoas têm apenas aparência de estar bem, de ir pro céu, mas ao viver os prazeres da carne, irão para o inferno e serão consumidas por dores eternas, onde “passarão à eternidade separados de deus”.
Depois disso, Macedo, na frente das autoridades, lembra de um “político importante do passado, que foi um expoente na política, mas ele contraiu câncer e nos últimos dias estava confinado ao hospital, e pessoas ligadas a nós foram visita-lo”. Macedo indica que o poderoso político ficou desesperado “com um rosto distorcido, um semblante caído, desesperado, aflito, porque a hora dele está chegando, ele não sabia pra onde ir (...) ele viveu não só a dor do câncer, mas da alma”. Assim, de forma inteligente o bispo destaca a importância do cristianismo da Universal no jogo político: “Eu sempre lembro desse fato, lembrando de Jesus, falando aqui: de que adianta ganhar o mundo inteiro e perder sua alma. Isso é fato, cedo ou tarde todos nós vamos descer à sepultura”.
Com o caso, ele pesa para cena política o papel de agenciador da economia da salvação até de políticos. Dá um recado direto para o governo. Sobre a igreja, na cosmogonia segue dizendo “a Universal não trabalha na base de filosofias, nem de levar as pessoas para uma religiosidade. Mas, trabalhamos para levar às pessoas “uma consciência de fé, uma fé pautada na palavra de deus. Uma fé fora da emoção, de sentimentos. Mas, uma fé pé no chão. E por conta disso nós estamos aqui”. Com a frase deixa escapar que a Universal não segue sentimentos, mas sim, serve a uma pragmática da vida, do cotidiano das pessoas e instituições.
Na sequência, após falar de pecado, indica a importância política e pragmática de sua instituição, ao voltar à questão da alma – da “entrega para o deus altíssimo”. A partir dela, ele se volta à oração para dizer “não é possível crer num deus tão grande e ter uma vida tão desgraçada. Não é possível ter uma vida tão mesquita, miudinha crendo num deus todo poderoso, o deus de Abraão, Isaque e Jacó”. Assim, formula o importante tom triunfalista típico da Universal: esse que tem como base o “deus do alto”, pontuando “que em nome do todo poderoso que se vença, com o pão nosso, a partir da fé”.
Portanto, no ritual Universal bolsonarista, a renovação da fé se desenha um tom desbravador, triunfante no qual se sintoniza com a gestão Bolsonaro, cristã despótica. Isso ocorre até pelo canal de financiamentos constantes para o complexo midiático e aos Mega Templos como esse da Universal de traços da arquitetura moderna brasileira. O tom triunfalista alimenta o governo Bolsonaro que explora belicamente a partir do argumento da guerra cultural e dos deuses. Ora, estrategicamente, a festividade levada por Macedo conecta a teologia do poder autoritário pela via pecado da humanidade, a modernidade versus o caminho ‘estreito’ onde se segue um deus do alto, despótico, típico dos governos cerceadores.
A cosmogonia Universal em tempos de bolsonarismo tratou de uma teologia do pecado para reafirmação da pragmática de fé a fim de se posicionar, enquanto estrutura religiosa, no jogo político com um templo parecido com as estruturas de Brasília. Nesse caso, é interessante observar a nova coloração de dá a arquitetura brasileira, na qual, relida pela cúpula da Universal, ganha tom triunfalista energizada pela ideia do deus grande não se relaciona com uma vida “desgraçada, miserável”. Macedo é taxativo ao dizer que o cristianismo da Universal despreza a “vida (...) mesquinha” pois esta tem pouca relação com o “deus todo poderoso, o deus de Abraão, Isaque e Jacó”. O bispo defende o triunfo de hoje dos fiéis e dos governantes com o deus de guerra, de Abraão, Isaque e Jacó, o qual nas narrativas bíblicas se alimenta das derrotas dos inimigos.
Após a descrição da fala de Macedo, lembra-se que ao longo da história da igreja templos são ícones, os quais podem ser entendidos também como “monumentos”. Isto é, eles servem de afirmação religiosa diante de entraves sociais. Portanto, a opulência do Solo Sagrado em Brasília, com características arquitetônicas de Niemeyer pode ser encarada como afirmação imagética da Universal ante as disputas religiosas, culturais (contra o comunismo hoje) do poder a partir da memória bélica do deus de “Abraão, Isaque e Jacó” - pai do judaísmo e do cristianismo hegemônicos. Ora, é mais um tentáculo cuidadosamente tecido por Macedo para fortalecer o cristofascismo de Bolsonaro.
É interessante que se perceba que a cosmogonia Universal, pode ser descrita como Walter Benjamin tratou de Hitler, suas lideranças, padres e pastores, com o ímpeto da construção de monumentos suntuosos e suas festas. Benjamin escreveu, no seu último esboço pouco antes da morte, que “não há monumento da cultura que não seja ao mesmo tempo monumento da barbárie”. Assim, que ao invés de se olhar (apenas) para beleza, imponência e sinuosidade do Solo Sagrado na paisagem da capital que se vislumbre toda violência religiosa, cultural e política embutida nele. Que se enxergue o tom triunfante do projeto de poder violento que o fundamentalismo está tecendo na geografia brasileira – a partir da capital. Melhor, que se perceba a barbárie financeira patrocinada sobre os fiéis e do roubo do dinheiro público que vem sendo utilizado para construir, manter o templo e arrendar a fé das pessoas ao bolsonarismo.
Portanto, se lembra que os gastos são pagos por um lado diariamente pelos fiéis financiadores das mensagens, e de outro, pelo financiamento direto do governo cristofascista de Bolsonaro que vem investindo na Universal. Nesse sentido, Macedo é um dos intelectuais orgânicos mais articulados que auxiliam a tonificar a reprodução do governo autoritário que promove a nova implementação do neoliberalismo no Brasil via cristianismo fundamentalista, ou seja, operando uma administração do ódio aos heterodoxos e aos adversários via cristianismo hegemônico (cristofascismo brasileiro) dessa vez ostentando o templo estilo Niemeyer no centro do Brasil.
Walter Benjamin. “Teses sobre o conceito da história”. Tese 7. Em: Magia e técnica, arte política, São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 225.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cosmogonia Universal nos tempos de bolsonarismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU