02 Junho 2022
A população islâmica na Rússia é de 15 a 20 milhões, formam a espinha dorsal do regime de Putin e são os maiores apoiadores da sua “operação militar especial” na Ucrânia.
A reportagem é de Benjamin Quénelle, publicada por La Croix, 31-05-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A cidade de Kazan, a capital da semiautônoma República do Tartaristão no sudoeste do território russo, é o símbolo das relações quentes entre cristãos e muçulmanos no país com o maior território do mundo.
E é às margens do Rio Volga que o governo russo tem estabelecido a maior reaproximação com o mundo islâmico.
Os domos da catedral ortodoxa da cidade e os minaretes da grande mesquita coexiste pacificamente. E há séculos o Kremlin de Kazan permanece como uma cidadela na qual os edifícios do poder político e religioso estão unidos.
É uma situação única na Rússia.
Esta região, cerca de 700 quilômetros a leste de Moscou, adotou o Alcorão há 1.100 anos.
E segundo o presidente russo, Vladimir Putin, isso “teve um impacto significativo na formação de nossa pátria como um estado multi-religioso”.
Ele disse isso em uma mensagem enviada ao fórum “Rússia-Mundo Islâmico”, que ocorreu no início deste mês em Kazan.
Cerca de 1.100 figuras religiosas de 76 regiões russas e cinco países muçulmanos estiveram presentes.
Há 15-20 milhões de muçulmanos vivendo na Federação Russa. E em um país isolado internacionalmente pelo Ocidente devido a sua “operação militar especial” na Ucrânia, Putin não deixou de destacar sua aproximação com o mundo islâmico.
Ele enfatizou que nenhum país muçulmano impôs sanções a Moscou.
“Juntos, nos opomos ao uso de chantagem, medidas discriminatórias e ao diktat político e econômico nas relações internacionais”, disse Putin.
Ele também elogiou a “firmeza, coragem e altruísmo” dos soldados muçulmanos da Rússia que atualmente lutam na Ucrânia.
Durante o fórum de Kazan, autoridades locais e representantes muçulmanos, um após o outro, defenderam a narrativa das autoridades russas.
“Estes são tempos difíceis. Devemos nos unir em torno do chefe de nosso estado”, disse Rustam Minnikhanov, presidente da República do Tartaristão.
Ele atacou ferozmente o Ocidente.
“O Ocidente está tentando impor seus valores”, ele atacou.
Este é um tema que Putin vem repetindo nos últimos anos. Ele destacou a integração bem-sucedida dos muçulmanos na Rússia para mostrar que, em sua luta contra o Ocidente e seu suposto declínio de valores, ele tem o Islã do seu lado.
Os muçulmanos russos são uma preciosa reserva de votos eleitorais para o regime de Putin, desempenhando um papel fundamental na defesa dos valores conservadores.
Shaykh al-Islām Talgat Tadzhuddin, um mufti que chefiou o Diretório Espiritual Muçulmano Central da Rússia, teve palavras ainda mais duras do que as oficiais durante o fórum de Kazan.
Ele disse que a Rússia estava orando por “nossos soldados mobilizados” na Ucrânia e depois afirmou que o governo de Kiev “está organizando um retorno ao nazismo e realizando genocídio, com a ajuda do Ocidente, orquestrando o avanço da Otan”.
O líder religioso muçulmano agradeceu então a Putin por ter permitido o “renascimento espiritual”, “o confronto entre verdade e falsidade” e “a unidade da Rússia” diante de “uma Europa que está perdendo o rumo”.
Suas palavras foram calorosamente aplaudidas.
“Aparentemente, a comunidade islâmica apoiando o presidente. Mas o muro de silêncio é tal que qualquer oponente da guerra, ortodoxo ou muçulmano, não pode mais se expressar livremente”, alertou um observador de assuntos religiosos russos da Europa Ocidental com sede em Moscou.
“Você também tem que ler nas entrelinhas”, disse ele.
Mas durante o fórum de Kazan, o mufti supostamente pragmático fez um discurso mais moderado.
Sheikh Ravil Gaynutdin, presidente do Conselho de Muftis da Rússia, elogiou o “estado multi-religioso e tolerante” construído pelo Kremlin.
Mas ele evitou cuidadosamente falar sobre a crise na Ucrânia, limitando-se a propostas concretas como construir novas mesquitas no país, fortalecer os laços internacionais com o mundo islâmico, criar “um grande mercado econômico”, etc.
Um revezamento político-religioso útil para o Kremlin
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, que está atualmente no Oriente Médio visitando o Bahrein e a Arábia Saudita, passará para a aplicação mais prática da retórica.
“O principal projeto é fortalecer os laços econômicos entre a Rússia e o mundo islâmico”, disse Alexey Malashenko, especialista do IMEMO, um renomado think tank de Moscou.
“Mas o mundo muçulmano nunca será uma alternativa completa para substituir o Ocidente”, alertou.
Nesse meio-tempo, esse é um revezamento político-religioso útil para o Kremlin.
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O islã é outro pilar do Kremlin contra o Ocidente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU