20 Mai 2022
"A linguagem da fé e a linguagem da ciência podem entrar em um círculo virtuoso, e mostrar como as diferentes abordagens têm muito a dizer umas às outras, se o conceito do Big Bang 'permanecer' científico e não se confundir com aquele teológico da criação! Para os crentes, o Big Bang encarna um sinal de uma inteligência superior, enquanto para os não crentes constitui simplesmente o início plausível do único universo até agora conhecido", escreve Marco Staffolani, em artigo publicado por Settimana News, 18-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No capítulo 18 do popular livro de Roberto Battiston, La prima alba del cosmo [O primeiro alvorecer do cosmos], lemos: "Sobre as origens e a evolução do universo, devemos evitar cair no erro clássico do bêbado, que procure as chaves sob o poste, mesmo que as tenha perdido em outro lugar, apenas porque essa área é a única que está iluminada. […] O fato é que as primeiras estrelas e supernovas constituem de fato a parte visível do trabalho incessante da gravidade em todas as escalas. Mas há muito mais no cosmos. Existem algumas partes invisíveis, tão ou mais importantes, que precisamos examinar se quisermos entender como o universo evoluiu até os nossos dias”.
A natureza reserva-nos surpresas que causam admiração tanto o crente como o não crente. Pede a ambos uma explicação sobre fatos que vão contra a intuição cotidiana ou que nos escapam e costumamos colocar na categoria mistério. Mas tal categoria, antes que a fatos singulares surpreendentes, remete a uma realidade de caráter muito geral, em primeiro lugar a toda a nossa existência que, se investigada em profundidade, sempre nos deixa sem palavras.
Para lançar alguma luz sobre esses temas, vários professores da Pontifícia Universidade Lateranense marcaram um encontro no dia 12 de maio para verificar a "viabilidade" de uma união entre teologia e ciência que leve a um renovado empenho comum com a pesquisa.
"Abrir janelas" que conectam diferentes disciplinas e pontos de vista: esta é a proposta da qual parte o prof. Giuseppe Lorizio, professor de Teologia Fundamental da PUL (cf. artigo no Avvenire aqui). E um dos temas que se prestam a essa análise transdisciplinar é certamente o debate atual sobre a matéria escura: uma grande parte invisível do universo que há alguns anos está no centro das reflexões e experimentos que a comunidade científica empreende no difícil caminho do conhecimento e da verdade.
Já na década de 1970, algumas "sentinelas" notaram o déficit significativo de massa. Por exemplo, a astrônoma Vera Cooper Rubin, pioneira no estudo da rotação das galáxias, constatou que a matéria visível (atribuível à luz, que observamos com os telescópios clássicos, de estrelas, poeira e gás) não era suficiente para que a gravidade mantivesse junto o vorticoso turbilhonamento dos objetos astronômicos observados por ela. Como resultado da força centrífuga, algumas estrelas deveriam ter escapado como pedras do estilingue em relação ao centro de sua galáxia e, em vez disso, giravam em torno dela ligadas por uma força invisível, precisamente a matéria escura.
As aquisições modernas dizem-nos que esta matéria constitui cerca de 22% de tudo o que existe no universo, contra apenas 4-5% daquela visível comum que podemos medir graças à sua emissão de radiação eletromagnética (luz nos seus vários comprimentos de onda).
Não precisamos temer o mistério: tanto na fé quanto na ciência, enigmas inexplicáveis precedem uma compreensão mais profunda. Nessa coragem renovada, para a descoberta da verdade juntos, é necessário aceitar diferentes pontos de vista sem fazer rupturas entre o conhecimento teológico e o empírico-científico, por exemplo sobre a problemática de uma teoria de tudo.
Uma vez adquirida uma abordagem de diálogo, deve-se proceder iluminando os vários campos com as competências específicas. E, portanto, precisamos que a ciência aprofunde as leis da natureza e as encontre em sua unidade onde elas são fragmentadas em leis menos gerais, para que se possa entender sempre melhor o desenho de uma trama traçada desde o início (pensamos, por exemplo, ao assombro que provoca o ajuste fino das constantes da natureza); mas, teologicamente falando, "uma teoria de tudo" é problemática, por exemplo, quando chega a afirmar (de modo absoluto) uma completa autossuficiência do universo.
Surge então a questão: como conciliar a concepção bíblica (a ação de um Criador) com a narrativa científica do Big Bang? Um ponto de conexão é naquele eventual momento zero em que as grandezas mensuráveis (de temperatura, energia etc.) de acordo com o modelo científico atual, deveriam assumir valores infinitos, perdendo sentido físico.
Aqui intervém Mons. Claudio Giuliodori, assistente eclesiástico geral da Universidade Católica do Sagrado Coração. Ele assume exemplo dos pesquisadores do Observatório do Vaticano, Pe. Gabriele Gionti e Dom Matteo Galaverni, que propuseram uma nova compreensão matemática do momento inicial do universo. Eles são o exemplo de pessoas crentes e, ao mesmo tempo, estudiosos da ciência.
A linguagem da fé e a linguagem da ciência podem entrar em um círculo virtuoso, e mostrar como as diferentes abordagens têm muito a dizer umas às outras, se o conceito do Big Bang "permanecer" científico e não se confundir com aquele teológico da criação! Para os crentes, o Big Bang encarna um sinal de uma inteligência superior, enquanto para os não crentes constitui simplesmente o início plausível do único universo até agora conhecido.
A teoria deixa um "tempo livre inicial", que a ciência não pode investigar, talvez uma fração infinitesimal de segundo: aqui o crente pode "colocar" a intervenção misteriosa de Deus para tirar o tudo do nada, aliás, mais. Para a teologia não apenas o início, mas toda a história do universo, diríamos cada seu instante, está sempre nas mãos do Criador (e Redentor), tanto que podemos falar de creatio continua, entendendo não apenas que Deus "inicia" a criação, mas que sempre a sustenta em seu existir, mesmo com a manutenção de leis que a ciência descobre não serem (quase) nunca desrespeitadas, e caso fossem, está autorizada a buscar outras maiores e mais abrangentes.
Depois de ter falado tanto sobre a dinâmica da descoberta, gostamos de concluir com um dos lemas que caracterizaram uma famosa série de ficção científica, Dark, os segredos de Winden, que apareceu justamente durante o dramático período da pandemia, quando ainda não havíamos lançado luz sobre os nossos medos mais ancestrais e sobre as nossas capacidades científicas e tecnológicas para lidar com o vírus (cf. aqui em Settimana News).
Devemos agradecer humildemente a Deus se a situação melhorou dois anos depois, e ao mesmo tempo reconhecer uma verdade que acompanha nossa finitude: “O que sabemos é uma gota; o que não conhecemos é um oceano” (Isaac Newton).
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Teologia e ciência: um diálogo possível? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU