17 Fevereiro 2022
A Faculdade Teológica de Triveneto, a Universidade de Pádua e a Fundação Lanza elegeram o tema da complexidade como curso anual de formação e atualização para os professores. Sobre esse tema, Settimana News entrevistou Roberto Battiston, professor de física experimental da Universidade de Trento.
A entrevista é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 15-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A concessão do Prêmio Nobel de Física de 2021 aos cientistas Giorgio Parisi, Syukuro Manabe e Klaus Hasselmann "por suas contribuições inovadoras para nossa compreensão de sistemas físicos complexos" chamou a atenção para o tema da complexidade.
Por uma feliz coincidência, o tema já havia sido escolhido pela Faculdade Teológica do Triveneto, pela Universidade de Pádua e pela Fundação Lanza como fio condutor do curso anual de formação e atualização para os professores, que será realizado em março de 2022. Uma proposta que chega à décima edição e já envolveu cerca de 720 participantes, dos quais mais de 90% são professores de escolas de todos os níveis, principais destinatários da proposta, que foi criada justamente como um fórum de aprofundamento e discussão de temas a serem depois levados para a aula e transmitidos aos estudantes. Com o objetivo, portanto, de formar as novas gerações a uma forma de pensar fundamentada e livre em temas como cosmologia, evolução biológica, neurociências, internet, ecologia, os resultados alcançados nos últimos anos pelas ciências físicas, probabilidade.
A estes se somará este ano a complexidade entre reducionismo e antirreducionismo, que será explicitada no âmbito da ciência, da sociologia, da ética e da teologia.
Sobre o tema da complexidade, entrevistamos Roberto Battiston, professor de física experimental da Universidade de Trento, que falará na última aula do curso e coordenará o painel Complexidade em confronto que envolverá todos os palestrantes (Amos Maritan, Vincenzo Pace, Antonio Da Re e Simone Morandini).
Prof. Battiston, sociedade, meio ambiente e tecnologias são três âmbitos em que a complexidade lança desafios ao ser humano de hoje. Vamos começar pelo tema da educação e formação num contexto social dominado pela revolução digital: a web, os ritmos cada vez mais rápidos, a quantidade crescente de informação, cada vez mais detalhada, das tipologias mais díspares e de confiabilidade variável...
O papel da educação e da formação é tanto mais importante quanto maior for a complexidade do que nos rodeia.
A questão central, porém, é sempre a mesma: não temos que ensinar o que pensar, mas a pensar bem. O desenvolvimento tecnológico hoje permite o acesso instantâneo a uma quantidade inimaginável de informações. Mas, se não soubermos pensar bem, isto é, de forma crítica, científica, rigorosa, a informação torna-se inútil, senão mesmo prejudicial: a nossa espécie está às voltas com uma bulimia informativa que nunca existiu na história da humanidade. E corre o risco de ser esmagada, como as bactérias cianogênicas que, em nosso planeta, se reproduziram tanto que acabaram sufocadas pelo oxigênio, dejeto de seu metabolismo.
Como esse mundo complexo atua sobre a sociedade em geral e os jovens em particular?
Esta é uma pergunta que deveria ser feita a eles! Só posso responder comparando as experiências da minha juventude com o contexto em que acredito que vivem os jovens de hoje.
Lembro-me do desejo de livros de autores estrangeiros ou de livros científicos indisponíveis na Itália, de pegar carona sem ter que se preocupar com quem te deixa entrar no carro e assim cruzar a Europa a baixo custo. Ou das partidas de xadrez feitas com cartões postais, muitas cartas de amor escritas com caneta-tinteiro ou máquina de escrever, uma relação constrangida, lenta e complicada com o sexo oposto.
Agora acredito que os jovens quase não leem mais livros em papel, mas sim fragmentos de textos em telas digitais. Eles não precisam de livros científicos, muitas vezes encontram a resposta on-line. Eles têm uma relação muito mais livre com o sexo, beirando a superficialidade. Eles viajam de avião como se fosse um ônibus, mas não pegam mais carona.
Como você pode ver, não posso responder à sua pergunta, só consigo conectar fragmentos distintos de um mundo de que me lembro, com fragmentos de um mundo que só consigo imaginar sem, porém, conhecê-lo.
Estou convencido de que eles têm sentimentos e paixões, mas não conheço sua língua e não posso descrever seus relacionamentos. Eles são diferentes, porque o mundo em que vivem é diferente. Por isso deveriam ser postos à prova, responsabilizados e não poupados do esforço do dever.
Nós não somos mais adaptados ao mundo que produzimos, quanto mais cedo eles assumirem, melhor. Por exemplo, eles estão muito à frente de seus pais em relação às mudanças climáticas, mas carecem do poder de intervenção que seria necessário.
Entre excluídos digitais (pessoas idosas ou com desabilidade, isoladas da e na sociedade) e nativos digitais (jovens e muito jovens hiperconectados) existe um abismo. Que “desnível” essa lacuna produz na sociedade, pensando também nas palavras do Papa Francisco?
O ser humano é infinitamente adaptável e cada um de nós possui partes da realidade que lhe são desconhecidas. Portanto, não é tão terrível que exista um excluído digital se prevalecer o sentido de pertencimento à mesma sociedade.
Um sentido que não pode estar ligado ao conhecimento ou não de uma tecnologia, mas a fatores muito mais humanos, como o passar tempo juntos, reunir o testemunho da sabedoria da experiência, contar as maravilhas de hoje e de amanhã para a geração que lhe precedeu.
A sociedade mudou e está mudando rapidamente. Neste contexto, muda também a forma como se desenvolve o processo de formação das novas gerações?
Sim, e sobre isso seria necessária uma formação para os formadores. Parece-me que permanecemos na Idade da Pedra deste ponto de vista, dada a velocidade da evolução das tecnologias e das oportunidades que se abrem.
Quantidade das informações - qualidade das relações - sentido das coisas - tempo: que relação liga esses aspectos?
O tempo em primeiro lugar. O tempo é a coisa mais preciosa hoje. Na minha juventude, o tempo era abundante, uma torrente de tempo a perder, sem dar muita importância. Muito tempo para fazer experiências, experiências para entender o sentido das coisas. Tempo para criar relações profundos com outras pessoas, amizades, amores. Qualidade das informações, não quantidade.
Um segundo grande desafio da época em que vivemos é o das mudanças climáticas, sinal do equilíbrio que se rompeu entre o homem e o meio ambiente.
Hoje se reconhece que a causa do aquecimento do planeta se deve à liberação na atmosfera de gases de efeito estufa pelas atividades produtivas humanas. Qual é o sentido do que está acontecendo com o clima?
É um fenômeno totalmente normal para o nosso planeta. Mudamos em 30% um parâmetro, o teor de CO2 e dos gases de efeito estufa na atmosfera, entre os muitos que caracterizam o clima neste período da evolução do nosso planeta.
Estamos falando de um parâmetro que vale apenas cerca de 3 partes por 10.000 em nossa atmosfera! No entanto, essa mudança foi suficiente para alterar substancialmente o clima do globo e estamos apenas no início desse fenômeno de época.
Trata-se literalmente uma história de aprendizes de feiticeiro, de uma humanidade que, como sempre fez desde que o homo sapiens existe, consumiu recursos para sobreviver e obter uma melhor qualidade de vida, sem se preocupar com os resíduos que, ao mesmo tempo, produzia. O desenvolvimento tecnológico, econômico e industrial foi extraordinário, mas foi igualmente extraordinário o efeito sobre o planeta.
Neste caso, porém, como já fizemos em outras ocasiões, não podemos nos mudar e abandonar os lugares que tornamos inabitáveis para nos dirigirmos rumo a novas terras prometidas. Não há um planeta B. E agora temos que entender o que fazer porque a alteração de um equilíbrio que durava há pelo menos 10.000 anos é agora substancial, com efeitos de todos os tipos, um triunfo da complexidade, se quisermos, mas precisamente por isso difícil de governar.
São principalmente os países pobres que pagam pelos efeitos das mudanças climáticas: incêndios, inundações, ondas de calor, aumento do nível do mar, eventos meteorológicos extremos... Esse custo é estimável?
Sim, é estimável e é insustentável, porque devemos nos dar conta que estamos apenas no início de uma série de fenômenos ligados uns aos outros e que já no decorrer de uma geração muitas coisas mudaram, perdemos muitas geleiras, grandes lagos desapareceram, como o lago de Aral, o gelo do Polo Norte encolheu substancialmente, pedaços de geleiras da Groenlândia acabaram no mar, o permafrost da Sibéria está se desfazendo. Com o desaparecimento de milhares e milhares de espécies vivas, a multiplicação de eventos extremos, a poluição dos microplásticos nos mares e assim por diante.
A cada um desses desastres é possível associar um custo em termos sociais, mas não demora muito para entender que os efeitos são mais graves para as partes mais fracas e frágeis da sociedade, aquelas que vivem à beira da pobreza.
Com que perspectiva e sob que ponto de vista devemos enfrentar o problema?
A humanidade é a artífice do seu futuro na medida em que consegue se libertar das cadeias da ignorância e dos demônios que a tornam cega. Se, por um lado, os problemas são causados por uma multiplicidade de comportamentos errados, principalmente devidos a ignorância e hábitos, a solução só pode ser encontrada graças a uma multiplicidade de ações corretivas, que envolvem todos os níveis da sociedade a partir dos indivíduos.
Quais são os instrumentos mais eficazes de que dispomos para combater o fenômeno?
O pensamento racional, sustentado pelo conhecimento e pela ciência. Os instrumentos existem; são os comportamentos que devem ser corrigidos.
Para cuidar da casa comum, porém, a ciência (que, aliás, denuncia o problema desde os anos 1970) não basta. Que sinergias precisam ser ativadas?
Precisamos de uma aliança entre ciência e política, que comece com o investimento na formação das novas gerações e leve à modificação de um modelo de exploração dos recursos e do meio ambiente que está destruindo a casa em que vivemos. Mas perdemos tempo demais e toda ação é agora urgente.
O terceiro desafio é dado pela relação entre humanos e robôs. Há uma revolução que cresce em velocidade exponencial e que está mudando o papel do indivíduo na sociedade: a inteligência artificial (IA). Estudada desde a década de 1950, teve uma extraordinária retomada nos últimos vinte anos, impulsionada sobretudo por interesses de mercado, financeiros e militares.
Em breve, o que é IA?
Uma definição poderia ser a seguinte: fornecer aos computadores um banco de dados de comportamentos humanos para a solução de determinados problemas, de forma a permitir que as máquinas imitem nossos comportamentos tão bem que possam desempenhar algumas funções melhor do que nós.
Qual é o potencial desses sistemas artificiais inteligentes?
Enorme na resolução de problemas específicos.
E qual é o limite?
Insignificante na capacidade de síntese e encontrar um sentido nas coisas.
Então, qual é o lugar dos robôs no mundo dos seres humanos?
Deveria ser aquele de tornar a vida menos estafante, mas muitas vezes fica-se com a impressão de que a tornarão mais cansativa para muitos e menos cansativa para poucos.
Dezenas de milhões de pessoas terão que mudar de trabalho devido a essas novas tecnologias. É verdade que outras dezenas de milhões de pessoas encontrarão novos tipos de empregos, mas não serão as mesmas pessoas.
O crescimento exponencial da IA e a revolução tecnológica que ela acarreta, no entanto, não corresponde atualmente a uma intensidade análoga no desenvolvimento de um pensamento fundador em relação aos aspectos éticos e jurídicos desse tipo de tecnologia e de suas consequências sociais e individuais.
Que características deverá ter e em que princípios deverá se basear um contexto normativo nesse campo?
Acredito que a reflexão de Asimov na história Eu, robô ainda seja atual hoje. Os robôs devem estar a serviço do homem. Ponto.
Assim se abrem perspectivas extraordinárias, mas também desafios extraordinários: teremos que construir um novo humanismo também em relação às novas máquinas inteligentes, bem como aos outros seres humanos?
Sem dúvida, desafios que exigem o melhor que a humanidade possa dar. Para isso, ciência e humanismo terão que trabalhar juntos, para nos permitir estar à altura do desafio.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Viver a complexidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU