08 Abril 2022
Cordeiros que abanam o rabo, porcos que vivem no quintal, galinhas que buscam o carinho das crianças e até polvos que estendem os seus tentáculos afetuosamente até a mão do mergulhador sul-africano Craig Foster que, graças às imagens extraordinárias, ganhou o Oscar em 2021 com o documentário “Professor Polvo”. Um título profundo: os animais, até mesmo os mais improváveis como um cefalópode, estão ensinando aos humanos que existe uma comunhão emocional e partícipe que está impulsionando não apenas a reflexão filosófica e jurídica, mas também lançou as bases para a criação em 2009 na Alemanha, precisamente em Münster, do Institut für Theologische Zoologie (link aqui).
A reportagem é de Laura Eduati, publicada em L’Osservatore Romano, 02-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No instituto, o debate ocorre entre teólogos cristãos e pertencentes a religiões orientais, hindus e budistas, estes últimos filhos de uma cultura religiosa em que a fronteira entre o humano e o animal é menos nítida e menos utilitarista. No Institut für Theologische Zoologie, anima-se o pensamento teológico e, ao mesmo tempo, são organizados seminários de encontro entre humanos e animais, pet-terapia e laboratórios de experiência direta para redescobrir um campo de reconhecimento recíproco.
O objetivo principal, indicam os fundadores, é “mudar o paradigma teológico” e corrigir “um erro” da teologia moderna sobre o destino dos animais, durante séculos considerados instrumentos sem alma e, portanto, inferiores, indignos de luz e consideração.
O erro, escrevem os estudiosos de Münster, não é prejudicial apenas para os animais, mas leva a uma falsa concepção da Criação e de Deus, e isso, como advertia Tomás de Aquino, “afasta os homens do Criador”.
Para a teologia dos animais, as criaturas não humanas possuem um sopro divino que as torna merecedoras de fazer parte da história da salvação, e isso não é uma novidade absoluta do pensamento cristão, mas afunda a sua própria visão na leitura da Bíblia.
Os versículos do Eclesiastes, entre tantos, são muito claros: “Com efeito, a sorte dos homens e a dos animais é a mesma; assim como morrem estes, morrem aqueles; todos têm o mesmo sopro vital. Não existe superioridade do homem em relação aos animais, porque tudo é vaidade” [Ecl 3,19].
Esta é a visão do Papa Francisco na encíclica Laudato si’: “O fim último das outras criaturas não somos nós”, pois “queridas pelo seu próprio ser, refletem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas” [n. 69].
É fácil imaginar que essa visão moral também é o fruto dos tempos em que vivemos e da catástrofe ambiental que esperamos evitar, mas o que é realmente novo, também aos olhos das pessoas comuns, são as descobertas científicas sobre as extraordinárias capacidades emocionais e cognitivas dos animais.
Em 2012, um documento assinado em Cambridge pelos maiores neurocientistas do planeta estabeleceu que todos os animais vertebrados e cefalópodes têm consciência de si mesmos, e, em 2013, uma pesquisa confirmou o que os cuidadores de um cachorro sabem desde sempre, ou seja, que eles sentem emoções semelhantes às emoções humanas, consideração estendida também aos animais que normalmente destinamos às crueldades dos criadouros intensivos.
“Isso nos constrange a uma nova sensibilidade e, portanto, a uma nova relação com eles”, diz o Pe. Martin M. Lintner, servita, professor de Ética Teológica em Bressanone, ex-presidente da Associação Internacional de Teologia Moral e Ética Social: “Uma relação que deve levar em conta não apenas o respeito pela espécie, mas também por cada animal individual”.
Teólogos e filósofos animalistas encontram-se em torno da maravilha do animal, que não tem utilidade para o ser humano, seja uma vaca nas pastagens ou o gato que nos espera afetuosamente no fim do dia, mas é uma maravilha em si mesmo, um fragmento daquela Criação que por muito tempo parecia ter posto no centro do mundo unicamente o ser humano e os seus interesses.
“Isso ocorreu pela influência na teologia cristã de filósofos como Platão e Aristóteles, para os quais os animais eram de categoria claramente inferior, porque eram vistos como seres a-logoi, ou seja, não dotados de razão e inteligência e, portanto, nem mesmo de uma alma imortal”, reflete o Pe. Lintner.
A própria ressurreição de Cristo, porém, se considerada na dimensão cosmológica, inclui a salvação dos animais: “João escreveu que o Verbo se fez carne, e o termo carne inclui o conceito de fragilidade e vulnerabilidade do ser humano que é criatura, moldado a partir do pó da terra. Então, o termo carne expressa a vulnerabilidade da criatura, que inclui os animais”, acrescenta o teólogo sul-tirolês, explicando como é possível superar uma das grandes questões da teologia escolástica medieval segundo a qual a salvação tinha que excluir os animais por não serem dotados de alma intelectiva.
Essa consciência cultural, isto é, a exclusão dos seres não humanos do plano da salvação, levou muitas vezes os homens e as mulheres, até mesmo não crentes, a maltratarem os animais e o planeta. No entanto, essa dicotomia está em fase de superação. Em uma das suas catequeses, o Papa Francisco observou: “Um dia veremos novamente os nossos animais na eternidade de Cristo”.
Paolo De Benedetti, teólogo dos animais recentemente falecido, ia além: aos olhos de um cão moribundo, escrevia ele, é possível encontrar Jesus. “Se cremos que Deus criou cada ser vivo por amor e também fez uma aliança com os animais depois do dilúvio, então é óbvio crer que Deus não se resigna simplesmente ao sofrimento e à morte de um animal. Existem abordagens para estender a opção pelos pobres também aos animais”.
Lintner lembra ainda a Laudato si’, na qual o Papa Francisco diz: “Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (Rm 8,22)” [n. 2].
“Neste sentido, encontramos Cristo em cada criatura sofredora e nos olhos de um cão moribundo”, explica Lintner, convencido de que a Igreja ainda precisa refletir mais profundamente sobre o conceito do uso e, em particular, da morte dos animais, hoje possível para o Catecismo quando há uma justificativa como a obtenção de alimentos ou a experimentação farmacêutica, que, mantendo a Bíblia sempre aberta, parece pouco conforme às palavras do profeta Oseias: “Naquele tempo farei para eles uma aliança com os animais da terra, as aves do céu e os répteis do chão; arco, espada e guerra eliminarei do país; eu os farei repousar tranquilos” (Os 2,20).
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Os animais corrigem a teologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU